sexta-feira, 27 de novembro de 2009

DUAS PEQUENAS OPERAÇÕES

(OBSERVAÇÃO DE DOIS CASOS DE AMIGDALOTOMIA COM APLICAÇÃO DE COCAÍNA, pelo Dr. Antônio Militão de Bragança)

Lendo em um dos números da Revista de Medicina, de Paris, a descrição de um caso de amigdalotomia praticada pelo Dr. Millard, no hospital de Beaujon, na qual empregou o ilustre médico a cocaína como anestésico, por minha vez lembrei-me de, oportunamente, estudar e apreciar os efeitos surpreendentes de tão precioso agente terapêutico.
De posse desse alcalóide, proporcionando-me ultimamente a clínica dois doentes afetados de amigdalite crônica, operei a ambos e tive então ocasião de observar os resultados da anestesia cocaínica.
O primeiro operado foi um menino de sete anos de idade, filho do do Sr. Capitão Antônio Luiz da Silva Tavares. A tonsila direita apresentava um volume extraordinário, ocupando quase todo o istmo da garganta. A esquerda estava ligeiramente hipertrofiada.
Fiz, com intervalos de cinco minutos, quatro aplicações com um pincel embebido em uma solução de Cloridrato de Cocaína a 20% em toda a superfície de ambas as amígdalas e, seis minutos depois da última aplicação, a anestesia era completa. Imediatamente pratiquei a secção da tonsila direita, sendo a dor acusada pelo pequeno doente quase nula.
O segundo operado foi um rapaz de quinze anos de idade, filho do Sr. Manoel José d’ Oliveira. Ambas as amígdalas estavam enormemente hipertrofiadas.
Como no caso precedente, fiz as aplicações da mesma solução de Cloridrato de Cocaína. Anestesiadas as hipertrofiadas tonsilas, pratiquei sucessivamente a sua extirpação, não acusando o paciente a menor dor. Em ambos os casos servi-me do amigdalótomo de Loryenne.
A observação do Dr Millard refere-se a uma rapariga de quinze anos de idade, cujas amígdalas estavam hipertrofiadas a tal ponto que se tocavam de cima a baixo, obstruindo completamente o istmo da garganta. Feitas as aplicações da solução anestésica, procedeu o ilustre médico do hospital de Beaujom a amigdalotomia, não demonstrando a doente o menor indício de sofrimento.
Estas observações, feitas em pessoas de sexo e idade diferentes, provam exuberantemente as propriedades analgésicas da cocaína, deixando prever os resultados brilhantes que pode colher a cirurgia com o emprego desse alcalóide em muitas outras operações de garganta.
Brevemente apreciarei a influência anestesiante da cocaína em algumas operações de olhos que tenho de praticar.
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Pão de Açúcar(AL), 28 de setembro de 1885.
(Publicado no jornal O TRABALHO, edição de 3 de outubro de 1885).
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ANTONIO MILITÃO DE BRAGANÇA
Nasceu em 31 de julho de 1860 em Laranjeiras/SE, filho de Dr. Francisco Alberto de Bragança e Possidônia Maria de Santa Cruz .
Formou-se na Faculdade de Medicina da Bahia em 15 de dezembro de 1883, defendendo a tese “Paralisias Consecutivas às Moléstias Agudas”. Recém formado, vai ao Rio de Janeiro por breve espaço de tempo e volta para Laranjeiras onde monta consultório na rua Direita.
Informado da inexistência de médico em Pão de Açúcar (AL), transfere-se para lá onde permanece por 7 anos naquela cidade ribeirinha. Em 1892 regressa a Laranjeiras.
Em 1898 foi Delegado de Higiene em Laranjeiras. Participa em 1910 da fundação da Sociedade de Medicina de Sergipe.
Em 1911, violento surto de varíola atinge Laranjeiras e quase a despovoa, tal o número dos que fugiram para a Capital, a este tempo melhorada em seus aspectos sanitários e com maiores recursos de atendimento. Dr. Militão de Bragança escreve “A Varíola em Laranjeiras”, trabalho muito rico em detalhes clínicos, epidemiológicos e profiláticos. A pandemia de gripe espanhola arrasa Laranjeiras em 1918, com centena de mortes, conforme o registro dos serviços públicos. Militão de Bragança é infatigável nessa luta.
Urbanizou, com recursos próprios, a primeira praça de Laranjeiras, que recebeu o nome de Dona Possidônia. Praticava também o oftalmologia e dele se conta, sem comprovação, que teria secretamente prestado atendimento médico a Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião, retirando-lhe de um dos olhos um graveto que havia penetrado acidentalmente. Progressista e inovador, incluiu-se entre os primeiros a importar gado indiano e introduzi-lo nos rebanhos sergipanos.
Compositor, compôs, entre outras: “Saudades de Philomena” (mazurca), “Minha simpatia” (valsa), “Idealizando” (mazurca). Faleceu aos 89 anos de idade, no dia 27 de março de 1949, em Aracaju. É patrono da cadeira 2 da Academia Sergipana de Medicina.
( by Ac.Lúcio Antonio Prado Dias, da Academia Sergipana de Medicina - 2006)

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

SONHO


Foto: Arquivo Roberto Silva(Propriá-SE).
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F. Palmares

É delicioso o luar.
A branca casaria e as torres das igrejas de Propriá destacam-se poeticamente à claridade argentina da deusa da noite. Silenciosa, a cidade formosa contempla o poético rio S. Francisco, o velho Opara, que corre veloz a seus pés, rumo ao Atlântico.
As vagas espumantes e fosforescentes beijam-lhe o curvo e extenso cais. Argentinas e fosforescentes águas, de ardentias fabulosas e vagalumes incandescentes, correndo a princípio pelas brechas profundas das altas serras azuis do alto Sertão; depois, seguindo brilhantes, reverberam ao luar, formando as cascatas sem rival, os lagos transparentes e estreitos canais, por onde passam com maior velocidade, vêm depois de mil voltas, roçar-se neste sinuoso cais.
No porto, uma flotilha de canoas de diversos tamanhos, coloridas, de traquetes derribados e presas as suas amarras em pequenas âncoras de três pontas, balouça-se rangendo as vergas e cavernas, cujos sons formam o que quer que é de rude arpejo de plangente violão dedilhado por hábil tocador.
Sobre os bancos das canoas descansam os seus tripulantes, seminus, prontos a partirem.Por momentos, ouve-se o badalar sonoro, vibrante do sino da velha Matriz a tocar nove horas.
A iluminação dentro das toldas das canoas, passando através das vigias, imprimem n’ água traços luminosos; são as primeiras canoas que partem.
Recolhem-se as amarras e os canoeiros, ao som do rém-rém produzido pela roçagem dos remos nas cavidades das popas, nostálgicos, cantam belas canções que falam d’ amor e evocam o pálido e frio luar.
Das alturas, Diana ilumina a esplêndida paisagem.
O rém-rém e as modinhas continuam, diminuindo pela distância, até perderem-se ao longe.
Nada mais se vê e se ouve, então, do que o ciciar das vagas a quebrarem-se de encontro às pedras do cais da Veneza Sergipana, e o rico luar espargindo, sobre a casaria branca e silenciosa da cidade, seus límpidos raios.

(Propriá-SE, fevereiro de 1910). A IDÉIA, 17 de fevereiro de 1910.
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Por conta das comemorações do CENTENÁRIO do jornal A IDÉIA, impresso em Pão de Açúcar(AL), cuja edição inaugural circulou em 14 de novembro de 1909, estamos reproduzindo algumas crônicas e poemas desse importante periódico.
Esta crônica de F. Palmares (que pode ser um pseudônimo) exalta as características das cidades ribeirinhas, tal como está retratada na foto que a ilustra.Vemos o porto de Propriá repleto de canoas, a ponto de, não havendo mais espaço para que se colocassem junto à margem, postavam-se lado a lado, exigindo que os passageiros e tripulantes passassem por outras canoas até conseguirem saltar à terra.(Etevaldo)

sábado, 14 de novembro de 2009

CENTENÁRIO D’ A IDEIA


No dia 14 de novembro de 1909 circulava a primeira edição do jornal A IDEIA, tendo como proprietários Hypólito de Souza (Redator-Chefe) e Álvaro Machado (Redator-Gerente).
Portanto, há cem anos, na jutentude dos seus vinte e poucos anos, esses dois pão-de-açucarenses faziam prevalecer o que já era uma característica de Pão de Açúcar e de outras cidades ribeirinhas do São Francisco, sustentar um veículo de comunicação, com oficinas gráficas e tudo o mais, a despeito de todas as adversidades.
Definindo-se como “órgão literário, nocicioso e humorístico”, era publicado semanalmente, tendo como colaboradores os mais destacados literatos da época: Damasceno Ribeiro, Júlio Almeida, Ovídio Cabral, Álvaro Machado e outros, que se ocultavam sob pseudônimos como “K. Lunga”, “Armando”, “Dom Riozinho”... Na sua coluna dedicada à poesia, denominada “Escrínio Poético” e, depois, “Fonte de Castália”, desfilavam Damasceno Ribeiro, Júlio Almeida, Hypólito de Souza, Theóphanes Brandão, Ephifânio da Fonseca Dória, Nina Falcão, Rosália Sandoval, Mário Florival, dentre outros.
A partir de 27 de março de 1910, Hypólito de Souza deixa a sua redação e a partir de 3 de junho do mesmo ano passa a ser propriedade de A. Machado & Cia.

Embora não seja A IDEIA o pioneiro do jornalismo pão-de-açucarense – o primeiro foi o JORNAL DO PÃO D’ ASSÚCAR, fundado por José Venustiniano Cavalcante (pai de Bráulio Cavalcante), em 1874, é nossa obrigação comemorar este seu CENTENÁRIO, desejando que o seu exemplo possa ser seguido pelas novas gerações, especialmente nesses tempos de enormes facilidades tecnológicas.

A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

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Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


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PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

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Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia