MINHA PRIMEIRA
ESCOLA
Etevaldo Amorim
Eu não tinha ainda completado sete
anos de idade quando ingressei no Grupo Escolar do Bairro Novo Campos Elíseos,
na bela a progressista cidade de Campinas. Era uma escola nova, ainda no seu
segundo ano de funcionamento. Há pouco mais de um ano, num final de tarde, eu e
meus primos fomos levados pela minha mãe e minha tia para conhecer a nossa
futura escola. Visitamos as obras, já em fase de conclusão, conduzidos por um
pedreiro conhecido. Edivaldo e Vera já iniciaram na primeira turma, em 1963. Em
março de 1964, chegaria a minha vez. E lá estava eu com meu uniforme – calça
curta azul marinho e camisa branca, lancheira a tira colo e uma pasta de couro
com cadernos, estojo e a cartilha Caminho Suave, da renomada pedagoga Branca
Alves de Lima.
Era uma Escola moderna. Lá, os
alunos tinham acesso a assistência médica, odontológica, alimentação e até
barbeiro. Sala espaçosa preenchida com carteiras duplas, dispostas em colunas;
um quadro-negro para o professor e outro na parede interna, para uso dos
alunos. Na outra, janelas de vidro ocupando quase todo o espaço superior,
permitindo a luminosidade e por onde se podia ver a parte externa do prédio de
dois pavimentos.
Certo dia, recebemos a visita do
dentista. Perguntava quem desejava ir ao consultório para, eventualmente,
tratar de algum dente. Ante o silêncio de todos, enchi-me de coragem e fui com
ele. Nesse dia, livrei-me do meu último dente de leite, um molar, que resistia
e me incomodava. Chegando a casa, contei para minha mãe, que ficou surpresa e
me elogiou. Noutra ocasião, porém, minha reação foi diferente. Quando o tempo
prenunciava uma forte tempestade, a professora disse que, quem morasse longe,
poderia sair mais cedo para evitar a chuva. Tendo pavor de trovões, disse que
morava muito longe. Dez minutos depois, estava em casa, não mais que quinhentos
metros da Escola. Minha mãe não ficou surpresa: conhecia o meu medo.
Lembro ainda dos rostos infantis à
minha volta, meninos e meninas experimentando o contato com as primeiras
letras. A meu lado, o Daniel, feições orientais e jeito calado. Atrás, um
menino engraçado, cujo nome não me lembro, a não ser que parecia mais velho que
os demais. Nas horas de folga, eu o via passar pelas ruas do bairro, tabuleiro
pendurado no pescoço, vendendo pirulito. Tinha ainda os irmãos Alexandre e a Cristina,
esta uma loirinha de cabelos cacheados.
A primeira professora, D. Maria
Izabel Vieira, pouco tempo ficou conosco. Logo veio o Professor Jonas Tayar,
muito alegre e habilidoso no trato com as crianças. Mas, também ele, não demorou
com a Turma. Veio, então, a jovem professora Neuza (Neuza Fernandes Costa),
simpática e também muito talentosa. Esbelta e elegante, sua fisionomia e
gestos, compararia depois, se assemelhavam aos da “Professora Helena”,
personagem do Programa Carrossel, da TV mexicana, exibido pelo SBT nos anos
80/90. Lembro-me de quando dela me despedi no dia em que fui àquela escola pela
última vez, antes de viajar com minha família para o Nordeste. Gentil, como
era, disse que ia sentir a minha falta.
Nunca mais voltei a Campinas e
talvez não a veja mais. Entretanto, com os recursos hoje disponíveis, consigo
ver como está hoje aquele bairro que deixei em formação, as ruas ainda carentes
de pavimentação e a iluminação feita em postes de madeira. O Google Earth me mostra,
com incrível precisão, a casa onde eu morava, de número 188, na Rua Amparo. Volto
no tempo e me vejo percorrer o pequeno trecho até o seu final, para chegar ao
Grupo, já na Rua Piracicaba.
A escola já existia desde 1957, o
ano em que nasci. Aprovando o Projeto de lei nº 279/1957, de autoria do
Deputado Cássio Ciampolini, do PSD – Partido Social Democrático, a Assembleia
Legislativa de São Paulo denominou o Grupo Escolar de “Padre José dos Santos”. Sancionado
pelo Governador Jânio Quadros, tomou a forma de Lei com o Nº 4.378, de 16 de
novembro de 1957. Entretanto, o mesmo Governador assina, em 21 de
outubro de 1958, o Decreto n. 33.834, dando
ao Grupo Escolar a denominação de "Professor Moysés Horta de Macedo".
Para corrigir o equívoco, o seu sucessor, Carvalho Pinto, baixou o Decreto Nº
35.337, de 12 de agosto de 1959, tornando sem efeito aquele Diploma Legal. Para
a construção do prédio próprio do Grupo Escolar, o Estado, por meio do Decreto
Nº 38.533, de 29 de maio de 1961, assinado ainda pelo mesmo Governador Carvalho
Pinto, desapropriou uma área de 6.050,00 m², pertencente a Armando dos Santos.
O patrono da minha Escola nasceu em Funchal, Ilha da Madeira, a 17 de agosto de 1874. Era filho de Maria Augusta dos Santos e de Antônio
Teixeira. Ainda menino, veio para o Brasil, ingressando no Liceu Sagrado
Coração de Jesus, em São Paulo, no ano de 1887. Debaixo da guia paterna de D.
Lourenço Giordani, e naquele santo ambiente de família dos primeiros salesianos
que aportaram ao Brasil, desenvolveu-se a flor da sua vocação religiosa e
sacerdotal, fazendo o noviciado em Lorena, no ano de 1892 e emitindo seus votos
perpétuos em janeiro de 1893.
Durante
os nove anos seguintes, portanto até o ano de 1902, trabalhou no Colégio São
Joaquim, de Lorena, e ai também completou os seus estudos filosóficos e teológicos.
Ordenando-se sacerdote em 1901, ele foi
mandado a Turim e logo depois a Lisboa como primeiro redator do “Boletim
Salesiano” em língua portuguesa. Regressando ao Brasil, foi nomeado, em 1912,
diretor do Externado São João, em Campinas.
Importante
é o programa desenvolvido por aquele sacerdote no Externato São João,
estabelecimento de ensino este que abriu as suas portas à instrução primária de
Campinas, quando nos seus grupos escolares era necessário sorteio para as
crianças poderem neles ingressar, devido ao número reduzido de vagas. Foi nessa
mencionada época que o Externado São João iniciou o ensino primário para as
crianças pobres, ali tendo acorrido cerca de duzentos alunos. Dada a enorme
procura de lugares, a matrícula subiu para mais de 400 alunos, no curso diurno,
e 200, no noturno, curso este instituído para os que trabalhavam durante o dia.
E assim foi que, sob a direção do Padre José dos Santos, aquela casa salesiana
veio acudir o ensino primário de Campinas, quando era ele da mais absoluta
necessidade.
Dotado
de extrema bondade, tolerante, paciente, com o coração sempre aberto à prática
do bem, profundamente piedoso, ao mesmo tempo que se empenhava em dilatar o
programa de inscrição à infância, realizou obras notáveis, fundando o Oratório
Festivo, que tirou das ruas mais de mil crianças.
Fundou,
ainda, o Padre José dos Santos, a Associação de Nossa Senhora Auxiliadora, que
se transformou numa verdadeira legião de associados, instituição essa que ainda
existe no Externado São João. Foi, ainda,Capelão do Colégio Progresso Campineiro, também ali exerceu o seu
ministério sagrado.
A
“Echola Cantorum”, constituída de alunos do Externado São João, foi mais uma
das suas obras, tendo participado de numerosas funções religiosas, tanto no
Externado, como no Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, na Capital e em várias
cidades do interior. Em 1914, fundou a Associação dos Ex-Alunos D. Bosco,
entidade que recebeu em seu quadro social não só elementos que haviam passado
pelos bancos do Externado São João, como também de todas as camadas sociais.
Grande
músico, além de professor emérito, fundou uma excelente orquestra; organizou um
ótimo grupo de amadores teatrais; criou uma seção de esportes dentro da
Associação dos Ex-Alunos.
Em 1931, foi removido, em movimento rotineiro
de sua congregação, para o cargo de Diretor do Colégio São Joaquim, de Lorena. Faleceu no dia 3 de novembro de 1937, em São Paulo.
Sala de aula_parecida com a minha.
Eu nos tempos da Escola.
O Professor Jonas Tayar, à direita, aqui com alunos do Externato São João. Foto obtida no site:
Fachada da minha escola hoje. Fonte: maps. google.
Fachada da minha escola hoje. Fonte: maps. google.
No
centro, Dom Agostinho Francisco Benassi, bispo de Niterói. À direita dele
(esquerda de quem olha): o Capitão João Crhisóstomo; Amélia Rodrigues, poetisa
baiana; Monsenhor Augusto Leão Quartin; Padre Francisco Solano; Padre Angelo
Alberti. À esquerda do Bispo (direita de quem olha): Padre Carlos Peretto; Dr.
José Agostinho dos Reis; Padre Lourenço Giordani; Padre Frederico Gioia; PADRE
JOSÉ DOS SANTOS. Comemoravam o 25º aniversário das chegadas dos salesianos no
Brasil.
Fonte:
Revista da Semana, 15/11/1908.
Alunos do Ginásio São Joaquim, em Lorena-SP, tendo
ao centro os Srs. João Correia Moreira (septuagenário); Monsenhor João dos
Santos, vigário de Caxambu; Dr. Francisco Pinto de Moura, Prefeito; e o PADRE
JOSÉ DOS SANTOS, diretor. Lá no alto, o Cônego Pedro Pinto. Fonte: Revista Fon Fon, Rio de Janeiro, 6 de agosto de 1921.
O Pe. José dos Santos (terceiro da esquerda para a direita) tendo a sua esquerda o Ministro uruguaio Dr. Ramos Montero, no Ginásio São Joaquim, em Lorena-SP, foto abaixo. Fonte: O Malho, 10/11/1923.
Padre José dos Santos. Foto: Vida Doméstica, Fevereiro de 1934.