sábado, 8 de fevereiro de 2014

PAIZINHO

Um conto de Hormino Lyra

Em uma tarde umbrosa e triste, dezenas de indivíduos que vinham acompanhar o féretro do desventurado esposo de Dona Emília, deixavam refletir nos olhos profunda mágoa. Fora homem tão digno...
As amigas da viúva escutavam-na com atenção, cercavam-na de cuidados e ora, como esta, também carpiam, ora proferiam palavras consoladoras.
Sentadas a um canto, meio assustadas, achavam-se duas inocentes crianças. Eram Carlos e Lili.
Quando em casa tudo serenou, iniciaram as duas crianças este diálogo:
— Aonde foi paizinho? Perguntou a menina ao menino.
— Morreu.
— Vovó disse que ele estava dormindo.
— Disse para enganar.
— Como?
— Ouvi mamãe dizer de noite, chorando tanto... tanto: “O meu filho tão pequeno , e já sem pai!”
— Não diga, Carlinho! Se eu soubesse, fazia barulho de choro quando os homens iam levando paizinho.
— Ele não ficava, Lili! Você não viu tanta gente grande chorando? Não levaram o paizinho assim mesmo?
— Ele não volta?
— Você não se lembra do papai da Nicota? Pois é: disseram que ele voltava, e...  até hoje!
Lili desatou em pranto.
Enquanto o irmão, também choroso, com delicadeza consolava a boa amiga, e uma senhora a conduzia ao colo, acautelando-a com bastante carinho, a criança, meio fatigada, deitava molemente a cabeça e acomodava um antebraço sobre os ombros de quem a acalentava e adormecia a soluçar de vez em vez.
Andavam sempre juntos aqueles inocentes, e comovia o mais empedernido coração quando falavam acerca do pai querido com saudade infinita. E tinham razão, pois o major reformado Josino Duarte, noutros tempos soldado destemido, era no conchego do lar manso cordeiro. Transformava-se a tal ponto que alguém, ao vê-lo humildo ao pé da esposa idolatrada e dos bem queridos filhos, lhe estranharia até a voz.
Duarte já era reformado, portanto maduro, quando resolveu casar.
No primeiro domingo, após aquele dia fatal, Dona Emília estava só em casa.
As amigas de sempre, passadas as primeiras horas da desventura, desapareceram quando mais precisava de que a viessem cercar de carinho e de cuidados, porquanto aquelas horas não ambicionava senão estar só, resistindo à dor imensa, sem uma voz a perturbar-lhe os intentos de vaga conciliação com a vontade divina.
Lili aproximou-se dela:
— Mamãe, ele nunca mais vem?
Fixou a filha com ternura e, a suspirar, beijou-a docemente na testa sem proferir palavra.
— Aonde está paizinho?
Volveu a triste mãe os olhos lacrimosos para cima.
— Não pergunto pelo papai do Céu...
— Deixe a pobre da mamãe sossegada.
E Carlos conduziu a irmã até a porta da rua.
— Lili — disse ele indicando o Cavalete — aquele morro fica bem pertinho do céu; e com certeza foi por ali que levaram daqui o paizinho querido.
— Se a gente pudesse ir lá...
— Bem que se pode, mas tenho medo.
— Pois eu não tenho, afirmou com singular convicção — A vovó diz sempre que São Pedro é o porteiro do Céu. E ele parece ser um velho muito bom. E, com certeza, lá em cima, a gente toca com a mão na porta...
— Porém, o Céu é grande... Se a porta não é ali por perto...
— Sim, mas a vovó diz também que Deus está em toda parte. Deus é amigo de tudo que é menino; e ele vai chamar São Pedro para abrir a porta.
Ficaram quietos, olhando um para o outro, como que a meditar. Súbito, Carlos pegou na mão da irmã e, em passos vacilantes, saíram de casa os dois pequerruchos.
O criado, antigo ordenança, que nunca deixou de acompanhar o Major Duarte, meia hora depois percorria a modesta cidade a indagar se sabia alguém o paradeiro das crianças. Disseram-lhe algumas pessoas ter visto os dois meninos caminharem em direção ao Morro do Cavalete.
Ao pé deste chegou o homem a procurar os pequerruchos. Conjecturara ser impossível andarem por ali. Que iriam fazer? Contudo, por descarrego de consciência, ia além. E lá se foi montanha acima.
Havia caminhado muito. Fá-lo-ia mais um pouco e tornaria à cidade, pois perdera toda a esperança.
Enquanto descoroçoava o criado, caminhando nas quebradas, em casa estava Dona Emília aflita com a ausência dos filhos; mas, e sem saber por que, tinha firme esperança em não lhe acontecer agora algum outro dissabor.
Caminhando à toa pelo morro andava o servo, já desanimado e triste por não conseguir encontrar os pequenos. Com bastante agrado, porém, ouviu inesperadamente voz débil, como de quem queria chorar:
“Venha por aqui, que ai tem muito espinho”.
Oh! Carlos e Lili...
Procuravam a porá do Céu!
Em seguida, vieram acompanhados do serviçal. E Dona Emília recebeu os filhos com alegria. E contaram eles a estranha aventura. E beijava-os docemente a pobre mãe e abraçava-os ao mesmo tempo a aconchegava as duas cabecinhas ao colo seu, embora lhes prometendo uns bolinhos quentes ou umas palmadas, se saíssem outra vez de casa como aves fugidas.
Ia caindo a tarde. O copado tamarindo, ao fundo do quintal, parecia atendo à empolgante serenidade que vinha deixando os espíritos abstraídos em  profunda meditação.
Tristeza indefinida. O sino da Matriz anunciava a hora da Ave Maria. Fazendo o sinal da cruz, Dona Emília dizia mentalmente a saudação angélica, com os lábios a tremer.  E ela a rezar, e as duas crianças olhando a mamãe com doçura, e o servo parado ali perto, todos guardavam silêncio.
Súbito, com meiguice encantadora, rompera-o a mimosa Lili:
— Um caro custo para a gente ver paizinho!

Publicado na Revista da Semana, RJ, 1º de agosto de 1942.
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Poeta, romancista e ensaísta, HORMINO ALVES LYRA nasceu em Pão de Açúcar, Alagoas, em 3 de agosto de 1877. Fez seus estudos secundários no Ginásio São João em Penedo, onde exerceu as funções de censor e lecionou com substituto de várias cadeiras.
Em princípio, pensou dedicar-se à vida eclesiástica. Entretanto, não obstante a sua crença religiosa, percebeu que não tinha vocação para o sacerdócio. Prestou, então, concurso para a Fazenda e para os Correios e Telégrafos. Aprovado em ambos, preferiu o segundo, sendo admitido como Telegrafista.
Escreveu para vários jornais e revista como O Malho e Revista da Semana.
Suas principais obras são: Dona Ede(romance), em 1913; O 14 (contos), também em 1913; O Barão do Triunfo, 1941, separada da Imprensa Nacional (memória); Crisol (poesia), 1960. Troveiro, 1960 (poesia).
Foi casado com Marieta de Mello Carvalho (filha do Coronel Augusto Álvaro de Carvalho e de D. Maria Luiza de Mello Carvalho), falecida em 5 de janeiro de 1961.
Hormino Lyra era irmão de Manoel Alves Lira (que foi prefeito de Pão de Açúcar no período de 08/06/1947 a 22/01/1947) e do Monsenhor Lyra (Fernando Alves Lyra), que dá nome a uma escola no povoado Lagoa de Pedra, onde nasceu (segundo Aldemar de Mendonça).

Hormino Lyra faleceu no rio de Janeiro em 13 de setembro de 1970.


sábado, 1 de fevereiro de 2014

TRIBUTO A O. D. S

Caro Etevaldo:


Hoje ao acordar recebi a triste notícia da morte de Olavo de Zé Dias. 
Olavo Dias Santos ou O.D.S, este, poucos sabem era seu nome artístico, foi um dos pioneiros nas transmissões de rádio em Pão de Açúcar e isso também poucos sabem. Foi também, e é esse o ponto, um ilustre desconhecido e por isso mesmo mais um dos ilustres injustiçados pela cena cultural (se é que ainda existe) de nossa terra. Imaginem (e agora falo para os que dominam a cena midiática local), nos anos 1970, quando tivemos pelo menos três empresas ou pequenas e incipientes emissoras de rádio e em todas elas O.D.S. esteve presente, com sua habilidade incomum de operador de som, que à época se conhecia como "controlista". 
Olavo, com sua capacidade ímpar de dominar um picape (não era a camionete), conseguia a um só tempo dominar no prato dois ou mais discos, com isso tocando a característica musical do programa, a música pedida e, quando estava falando o locutor, também o fundo musical. Isso, tenho certeza, era e ainda é para poucos, respeitadas as qualidades técnicas de cada um. Era aquele monstro do rádio, o que hoje se chama de DJ, seja lá o que isso for. Acompanhei o renascimento do rádio em Pão de Açúcar e nos anos 1990 e nunca se falou nada sobre Olavo, assim como não se falou de Giseldo Belarmino e Adilson Menezes, estes, cada um com seu gênero próprio, que foram sem sombra de dúvida as duas maiores vozes de toda a região, numa época em que para se estar no rádio era preciso saber falar e, muito mais que isso, ter voz. Aquele que não tem voz pode ser radialista mas locutor mesmo que é o que conta, jamais o será. Conto essa pequena história porque dela participei ativamente. 
Poderia falar sobre o assunto durante horas ou em várias páginas, mas esse não é o momento. O momento, penso eu na minha insignificância, é de prestar uma homenagem ao maior de todos os DJs de nossa terra, uma pequena colaboração para que mais um dos nossos não passe em branco e não seja engolido pela cultura de massa, esquecido pelo que realmente importa. Fica aqui a sugestão para que aqueles que se interessam pela cultura em Pão de Açúcar procurem saber quem foi O.D.S., Giseldo Belarmino, Adilson Menezes, Rosevaldo Moura, Augusto César, Danúbio Lira, Murilo Amaral e tantos outros que fizeram o verdadeiro rádio. Sem qualquer recurso técnico, sem edição, pois, com diz o Faustão "quem sabe faz ao vivo". Quando digo quem foi é porque me refiro aos anos 1970, pois muitos deles ainda vivem. Olavo, meu amigo Olavo, o estúdio é seu, faça o que você sabe pois o show deve continuar. Olavo Dias foi juntar-se às também falecidas Organizações Globo de Publicidade, Antena de Publicidade de Pão de Açúcar e Serviço de Divulgação Avenida que, ao contrário do que se pensa, não descansarão em paz. A partir de hoje as transmissões de rádio no céu tocarão as melhores músicas, sem parar, agora sim, por toda eternidade.



Massilon

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Transcrevo, com muito prazer, comentário do meu amigo Massilon Ferreira da Silva, neste Blog, falando de Olavo Dias dos Santos, um dos pioneiros do rádio em Pão de Açúcar. Ele, Massilon, também um dos personagens dessa época de ouro da nossa terra. A todos os citados a nossa homenagem e o nosso reconhecimento, acrescentando ainda o nome de Ely Emir Silva Fialho.

A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

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Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia