Texto
de Álvaro Antônio Machado[i]
O poeta Livino Farias Brazão |
A
região sertaneja de Alagoas é uma das mais ricas em termos de Literatura de
Cordel. Se, hoje em dia, esta arte popular parece estar em decadência, pois são
poucos os novos poetas que surgem, ainda há grande procura por parte dos
amantes do Cordel, no sentido de adquirir os folhetos nas feiras livres das
cidades, mesmo que estes sejam cópias de folhetos famosos ou simplesmente
narrem acontecimentos destacados que ocorreram e movimentaram a região em
épocas passadas.
Mas
os bons poetas de antigamente, os “reis do cordel”, estão desaparecendo. Tanto
que no próprio Sertão, são raros os que ainda sobrevivem sendo respeitados e
admirados como nomes de destaque na literatura de cordel. Entre esses escassos
nomes, encontramos um que se destacou nessa arte popular e ainda hoje realiza
trabalhos em prol da divulgação e melhoria da qualidade dos livros de cordel.
Trata-se do Sr. Livino Farias Brazão, 78 anos de idade, conhecido nos sertões
de Alagoas e Sergipe como “poeta sertanejo de primeira”.
QUEM
É?
Livino
Farias Brazão, ou simplesmente “Livino Bola”, apelido de infância que o torna
mais conhecido entre os conterrâneos, nasceu em Pão de Açúcar a 12 de abril de
1902 e até hoje reside em sua terra natal. Poeta sertanejo, “trazendo na veia o
sangue da poesia”, desde rapazinho começou a mexer com a rima e com os versos,
elaborando folhetos, mas encontrando dificuldades em imprimi-los e vende-los
nas feiras livres de Pão de Açúcar. O jeito era escrever os versos num papel e
recitá-los numa roda de amigos ou numa festinha. Mas, aos poucos, a sua arte
foi sendo respeitada, e os primeiros livros foram aparecendo: “O Combate de
Piranhas”, “Pão de Açúcar em Foco” e “O Católico Combatendo Contra o
Protestante” foram alguns deles.
Em
1933, Livino Farias Brazão casou-se com d. Rosalina Gomes da Silva, que sempre
lhe incentivou na criação de novos livros. Deste casamento surgiram três filhos
que já deram a “seu” Livino a alegria de ser um vovô alegre e feliz.
Em
sua residência encontram-se dependurados na parede de uma das salas, dois
diplomas dos quais Livino muito se orgulha: o que lhe concede a Medalha de Ouro
por participar, com destaque, do II Congresso Nacional de Trovadores e
Violeiros, realizado em São Paulo em 1969, e o de Sócio Delegado do Grêmio
Brasileiro de Trovadores.
Além
de poeta sertanejo e escritor de cordel, Livino Brazão reúne também as
qualidades de “mezinheiro” (fabricante de remédios). Nessa nova arte, Livino
diz que fabrica “remédios contra qualquer incômodo ou inflamações de qualquer
tipo. Hoje, devido à idade, diminuí a quantidade do fabrico de remédios, mas
sempre que me pedem para fazer alguns, eu faço”.
SUA
OBRA
O
seu trabalho em literatura de cordel está bastante enriquecido, após mais de
cinquenta anos de pesquisas e publicações. Livino sempre foi muito procurado
pelos leitores e, na banca de cordel da feira de Pão de Açúcar, seus livros
eram dos mais vendidos. De linguagem simples e objetiva, seus versos facilmente
agradavam.
“Caros
leitores presentes/ leiam com bem atenção/ o povo está revoltado/ é triste a
situação/ só Deus do céu apascenta/ sobre a era de sessenta/ o problema da
Nação”.
“Está
tudo revoltado/ com o Regime do Brasil/ se não mudar direção/ começa guerra
civil/ esta nação brasileira/ entra todos na fileira/ para pegar no fuzil.”
Livino
sempre tratou dos problemas nacionais, locais e, principalmente, dos relacionados
com a classe trabalhadora rural, à qual pertencia:
“Para
melhorar a Nação/ tem que haver um formulário/ registrar os agricultores/ em
outro vocabulário/ matricular os trabalhadores/ com ganhos compensadores/ tendo
direito a salário”.
“Os
trabalhadores do campo/ que vivem da agricultura/ É quem sustenta a Nação/ do
baixo à literatura/ com este modo moderno/ quando cair o inverno/ na terra se
vê fartura”.
“Pelo
contrário, ninguém/ melhora a situação/ continua a carestia/ cada dia
alteração/ em nada se vê tabela/ pobre não ferve panela/ só se derem comissão”.
Para
quem passou pouco tempo nas bancas escolares, Livino tinha uma visão
extraordinária para compreender as coisas. E sempre expressou sua opinião nos
livros que fazia:
“Os
homens se candidatam/ ao governo da Nação/ gastam uma fortuna/ organizando a eleição/
ficando prejudicados/ os gastos são duplicados/ devido à exploração”.
“Todos
que se elegem/ têm força independente/ começa do Prefeito/ a chegar no
Presidente/ quando entra Governo novo/ precisa cobrar do povo/ o dinheiro
decadente”.
“Se
todos votarem lícitos/ como é nosso dever/ melhor situação/ futuramente se vê/ não
sendo experiente/ votando inconsciente/ muito pior vai haver”.
OS
LIVROS
Livino
não possui, e isto ele lamenta muito, a relação de todos os livros que publicou
até hoje. Mas fazendo um esforço de memória, ele consegue relacionar os
principais:
“O
Combate de Piranhas”, “A Seca de 1932”, “Pão de Açúcar em Foco”, “O ABC poético
contra o Comunismo”, “O ABC poético sobre a Aliança Liberal”, A Civilidade dos
Casamentes sem Futuro”, “O Católico Combatendo contra o Protestante”, “O ABC
poético sobre os Tempos Mudados”, “A Morte de Joaquim Cruz Rezende”, “Versos
sobre a Eleição de 1960”, “A vida do Tenente Bezerra”, “As Diligências do
Capitão Lucena”, “Bendito e Profecia de Frei Enoque e Frei Elias”, entre
outros.
Os
seus livros estão enquadrados, segundo a classificação do professor José Maria
Tenório da Rocha em “O Mundo Maravilhoso da Literatura de Cordel”, como sendo
do tipo “História e Fatos Reais”, onde se encontram “os folhetos que tiveram a
preocupação de relatar fatos reais e acontecimentos verdadeiros, que existiram
no Brasil e particularmente no Nordeste, embora que deformados pela visão do
poeta”.
Segundo
revelação do próprio autor, os seus livros atingem uma vendagem que varia entre
mil e dois mil exemplares por edição, dependendo da data em que foi publicado e
sua aproximação com a data do acontecimento relatado no folheto.
Outra
particularidade da arte de escrever de Livino Brazão é o seu gênero poético,
onde ele utiliza quase que exclusivamente as Septilhas. Estas, são formadas por
versos heptassílabos, com o seguinte esquema de rima: A B C B D D B, como neste
exemplo:
“Quem
comprar este livro (A)/ Tem muita felicidade (B)/ Prolonga bem sua vida (C)/ Procura
ter humildade (B)/ Estudando esta lição (D)/ Tem a paz no coração (D)/ Ama Deus
e a verdade (B).”
Livino
Brazão, como todo bom poeta, além dos livros de cordel compôs vários hinos para
clubes, escolas, e inclusive para destacar acontecimentos famosos que ocorreram
no Brasil, como é o caso da inauguração de Brasília e em comemoração ao Dia da
Bandeira, ocasião em que Livino compôs, respectivamente, o “Hino Oferecido a
Brasília” e o “Hino Sob a Bandeira Brasileira”.
E
mesmo beirando a casa dos oitenta anos, morando modestamente numa residência
defronte ao Rio São Francisco e passando a maior parte dos dias sozinho, longe
até da própria família, Livino ainda tem forças para fazer ressurgir novos
versos sertanejos e conservar bem rica e viva a mais autêntica literatura do
homem que nasce e habita os sertões do Nordeste.
_________
Publicado no jornal Gazeta de Alagoas, Maceió, domingo, 17 de agosto de 1980.
Médico pão-de-açucarense formado pela Universidade Federal de Alagoas, com
Especialização em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz. Sócio Efetivo do
Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, membro da Academia Alagoana de
Medicina e da Academia de Letras de Pão de Açúcar.