Moreno
Brandão[i]
Anquilosada
numa inércia que lhe tolheu os surtos como a ave das lendas indianas que não
podia voar malgrado as cem asas de que era dotada, Pão de Açúcar, depois de
exibir tendências progressivas, nada tem evoluído. Mesmo assim, nada perdeu de
seu primitivo aspecto pinturesco. Pelo contrário. É uma das cidades mais lindas
do Estado.
O
seu solo é em geral plano e sem ondulações. Quem aí desembarca contempla em
primeiro lugar um plano extenso de areias fulvas que formam, no rumo do poente,
uma enormidade de dunas e medões, as quais, embora uma vez afastadas mediante
um trabalho que não teve seu natural complemento, vai rapidamente ocupando a
área edificada e submergindo as casas. Depois se segue uma larga avenida muito
bem arborizada de tamarineiros melancólicos e flamboyants, que blasonam cores
vivazes.
Av. Bráulio Cavalcante. A Matriz e os “tamarineiros melancólicos”.
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Ao centro da avenida que tem o nome de Bráulio Cavalcante, fica a matriz, um templo modesto, sem beleza arquitetônica. Foi ereta em substituição a uma capela que no mesmo local existia, a qual foi construída por iniciativa popular suscitada por Antônio Manoel das Dores, sendo posteriormente (sob a direção do Padre Antônio Plácido de Souza, vigário de Ingazeira, emigrado de sua Paróquia na vigência da Seca de 1846) completamente remodelada, adquirindo maiores proporções.
Não
obstante, a atual Matriz de Pão de Açúcar assumiu a sua feição atual em 1877,
quando o missionário capuchinho Frei Cassiano de Comacchio[ii] a
ampliou, erigindo-lhe torres e pondo-lhe um coro.
A ela, posteriormente, acrescentaram o corredor do lado do Nascente. A ornamentação interna do templo é pobre: três alteres, que contém alguns oratórios. No centro, no Altar-mor, depara-se o Sagrado Coração de Jesus, ladeado por Nossa Senhora do Socorro e Nossa Senhora do Rosário. Entre as colunas, estão os nichos do Espírito Santo (lado do Evangelho) e de São Sebastião (lado da Epístola).
Interior da Matriz. Ao fundo o Altar-Mor, tendo ao centro a imagem do Sagrado Coração
de Jesus, ladeada pelas de Nossa Senhora do Socorro e Nossa
Senhora do Rosário.
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São
os altares laterais destinados a Nossa Senhora das Dores e o outro ao Senhor
dos Passos. Não existe no interior da igreja obra alguma de valor artístico,
sendo o conspecto do templo indício da pobreza da população.
Ao
Norte da Matriz está o açougue, um dos melhores do Estado, mantido sempre com
relativo asseio. Quase na extremidade oriental da Avenida Bráulio Cavalcante,
fica o Paço da Intendência, edifício adaptado ao mister que hoje tem.
No
término da predita e vastíssima artéria fica a Casa de Detenção (a Oeste),
concluída e inaugurada a 7 de janeiro de 1911, na administração do Dr. Euclides
Malta. Este edifício rememora a calamitosa estiagem de 1877 quando, para
socorrer os imigrantes vindos de vários pontos do Sertão dos Estados
limítrofes, o Juiz de Direito Dr. Alfredo Montezuma de Oliveira[iii]
teve a feliz ideia de aproveitas as somas enviadas para a sustentação dos
flagelados iniciando a construção do citado próprio estadual. Paralisadas por
muito tempo as obras dessa cadeia, quando, na vigência da República, sobreveio
nossa seca, tiveram elas, governando o Coronel Pedro Paulino da Fonseca, o
pequeno impulso que lhes poderia provir da insignificante verba de 2:500$
destinada por aquele governador para atenuar o tremendo infortúnio coletivo.
A Cadeia Pública durante a grande Cheia de 1919. |
Seguindo
sempre para Oeste, encontra-se, posta sobre a barra da Lagoa da Porta, uma
ponte que foi erigida em 1877, sob o benigno influxo do mesmo religioso Frei
Cassiano de Comacchio. Além da ponte, para os lados do Noroeste, num vale
soturno e umbroso, fica o cemitério público, para o qual a munificência do
Imperador, quando esteve em Pão de Açúcar em 1859, deixou a quantia de 700$.
Esse próprio municipal foi construído muitos anos depois em terreno doado pelo
Major Manoel Caetano de Aguiar Brandão.[iv]
Ao
Oriente do cemitério, e além da Lagoa da Porta, insurge-se do solo o morro do
Humaitá, vasto amontoado de pedrouços brancacentos, um dos quais, a Pedra da
Paciência, é um verdadeiro logradouro público. Ali todas as tardes se reúnem,
em grande número, vários passeantes que abrangem com a vista toda a
magnificência panorâmica de uma cidade singular e bizarra.
Morro do Humaitá em foto de Edigar de C. Falcão, 1939. |
Daquele
píncaro de altitude mesquinha, contempla-se ao longe, na Praça do Bonfim, a
capelinha desta denominação. Modestíssima, a ermida do Bonfim é deliciosamente
sugestiva. À Rua Dom Antônio Brandão divisa-se também o Politeama Goulart de
Andrade, um teatrinho quase miniaturesco, inaugurado em 1910.
Enfim,
toda a cidade com suas largas ruas simétricas é alcançada do Alto do Humaitá,
causando sempre reconfortante impressão. É, porém, nas épocas das enchentes do
São Francisco que o panorama se torna mais golpeante por oferecer novas
perspectivas. Transforma-se então a cidade numa península, cujo istmo é a
Tapaginha.
Vista do Alto Humaitá. |
Igreja do Bonfim durante a grande Cheia de 1919. |
Afora
a Pedra da Paciência e os pontos já citados, tem a cidade um morro de forma
cônica, onde se erige o cruzeiro comemorativo da transição do Século 19 para o
Século 20.
No
meio de tantas belezas, acrescidas de tantos recursos, mora uma população
inteligente, mas paupérrima, sustentada quase pelos produtos da lavoura que
pratica nas lagoas adjacentes e por uma indústria que ainda não teve um surto
apreciável de expansão. Essa indústria é, por isso mesmo, rudimentar,
constituindo-se no preparo de vinhos de frutas; no curtimento de couros;
trabalhos se selaria; correaria; sapataria; tamancaria; artefatos de chifres e
ossos; cordoalha e tecidos grosseiros, além de primorosas rendas que sempre
alcançam bons preços.
Morro do Cavalete em 1939. Foto Edigar de C. Falcão. |
As
classes proletárias não se entregam somente a esses misteres; ocupam-se também
do preparo de tijolos e telhas e na exploração de caieiras, que dão cal
branquíssima. Mas a indústria principal dos moradores da cidade e de todo o
município é a pastoril rotineiramente exercitada.
A
prova da capacidade intelectual dos pão-de-açucarenses vamos encontrá-la
principalmente no fato de ali haver sempre existido jornalismo. Eis a lista dos
jornais surgidos na linda cidade:
Jornal
do Pão de Açúcar (1874); O Paulo Afonso (18__); O Horizonte (1880); O Trabalho
(1882); A Palavra (1889); O Juvenil (1892); A Verdade (1893); O Sertanejo
(1895); A Força (1895); O Espião (1896); Microcosmo (1896); O Social (1897); A
Voz do Sertão (1906); A Ideia (1910); O Popular (1912); O Relâmpago (19__).
Maceió,
28 de setembro de 1920. Moreno Brandão.
[i]
Extraído da Coluna Estudos e Opiniões, Diário de Pernambuco, 3 de outubro de
1920, p. 2. Francisco Henrique Moreno Brandão nasceu em Pão de açúcar, a
14/09/1875 e faleceu em Maceió, a 27/08/1938.
[ii]
Procedente da Província de Bolonha, Itália, chegou ao Recife em abril de 1872, onde faleceu,em 1897
[iii]
Natural do Pará, formou-se pela Faculdade de Direito do Recife e 1863. Faleceu
em Pão de Açúcar a 20/06/1881.
[iv]
Natural de Mata Grande. Faleceu em Pão de Açúcar, aos 72 anos de idade, no dia
11 de janeiro de 1890. Era tio de Moreno Brandão por parte de pai e avô por
parte de mãe. É que o pai de Moreno Brandão (Dr. Félix Moreno Brandão) casou-se
com a sobrinha Maria de Aguiar Moreno Brandão.