PÁGINAS

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

SONHO


Foto: Arquivo Roberto Silva(Propriá-SE).
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F. Palmares

É delicioso o luar.
A branca casaria e as torres das igrejas de Propriá destacam-se poeticamente à claridade argentina da deusa da noite. Silenciosa, a cidade formosa contempla o poético rio S. Francisco, o velho Opara, que corre veloz a seus pés, rumo ao Atlântico.
As vagas espumantes e fosforescentes beijam-lhe o curvo e extenso cais. Argentinas e fosforescentes águas, de ardentias fabulosas e vagalumes incandescentes, correndo a princípio pelas brechas profundas das altas serras azuis do alto Sertão; depois, seguindo brilhantes, reverberam ao luar, formando as cascatas sem rival, os lagos transparentes e estreitos canais, por onde passam com maior velocidade, vêm depois de mil voltas, roçar-se neste sinuoso cais.
No porto, uma flotilha de canoas de diversos tamanhos, coloridas, de traquetes derribados e presas as suas amarras em pequenas âncoras de três pontas, balouça-se rangendo as vergas e cavernas, cujos sons formam o que quer que é de rude arpejo de plangente violão dedilhado por hábil tocador.
Sobre os bancos das canoas descansam os seus tripulantes, seminus, prontos a partirem.Por momentos, ouve-se o badalar sonoro, vibrante do sino da velha Matriz a tocar nove horas.
A iluminação dentro das toldas das canoas, passando através das vigias, imprimem n’ água traços luminosos; são as primeiras canoas que partem.
Recolhem-se as amarras e os canoeiros, ao som do rém-rém produzido pela roçagem dos remos nas cavidades das popas, nostálgicos, cantam belas canções que falam d’ amor e evocam o pálido e frio luar.
Das alturas, Diana ilumina a esplêndida paisagem.
O rém-rém e as modinhas continuam, diminuindo pela distância, até perderem-se ao longe.
Nada mais se vê e se ouve, então, do que o ciciar das vagas a quebrarem-se de encontro às pedras do cais da Veneza Sergipana, e o rico luar espargindo, sobre a casaria branca e silenciosa da cidade, seus límpidos raios.

(Propriá-SE, fevereiro de 1910). A IDÉIA, 17 de fevereiro de 1910.
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Por conta das comemorações do CENTENÁRIO do jornal A IDÉIA, impresso em Pão de Açúcar(AL), cuja edição inaugural circulou em 14 de novembro de 1909, estamos reproduzindo algumas crônicas e poemas desse importante periódico.
Esta crônica de F. Palmares (que pode ser um pseudônimo) exalta as características das cidades ribeirinhas, tal como está retratada na foto que a ilustra.Vemos o porto de Propriá repleto de canoas, a ponto de, não havendo mais espaço para que se colocassem junto à margem, postavam-se lado a lado, exigindo que os passageiros e tripulantes passassem por outras canoas até conseguirem saltar à terra.(Etevaldo)

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