O VELHO MESTRE
Renê Barreto¹
Andava muito doente o velho professor...
Por isso ele não tinha agora o mesmo ardor
Que outrora o possuía e o animava dantes.
Às vezes, quando em aula, havia mesmo instantes
Em que inclinava a fronte - aquela fronte austera
Onde já desbotara a flor da primavera
E cochilava um pouco, involuntariamente.
O velho professor andava muito doente....
Era, porém, tamanho o bem que nos queria,
Que jamais quis pedir aposentadoria
E manter-se do Estado a custa dessa esmola...
Era sempre o primeiro a aparecer na escola
Com as suas joviais maneiras tão simpáticas
Não obstantes sentir umas dores reumáticas,
Que o faziam sofrer muito ultimamente...
O velho professor andava muito doente....
Um dia ele chegou mais tarde alguns momentos.
Trazia nas feições sinais de sofrimento...
A palidez do rosto, os olhos encovados,
Denunciavam seus pesares ignorados;
E, como pra tornar a dor mais manifesta,
Cavara-se-lhe fundo uma ruga na testa
Franzia-se-lhe o rosto numa expressão de horror...
Andava muito doente o velho professor...
A aula começou. Mas pouco depois das onze,
O velho mestre, o bom batalhador de bronze,
Que já perto de trinta anos, ou mais, havia
Que gigantesco herói, lutava dia a dia
Para a glória da Pátria e para o bem da infância,
Dando batalha ao vício e combate à ignorância,
Sentindo de uma dor agudos abrolhos,
Curvou as nobres cãs, cerrou de leve os olhos.
Fora fulgia o sol. A manhã era calma.
Risonha, a naturêza abria a sua alma,
Repleta de alegria e cheia de esplendores.
Pela janela entrava o hálito das flores.
E em toda a atmosfera, azul, lavada, fina,
Ressoava, baixinho, assim como em surdina,
O canto celestial, harmonioso e suave:
Anjos tocando em harpa alguma canção de ave.
Nisto ergueu-se um aluno, um pândego, um peralta,
Fabricou de um jornal um chapéu de copa alta
E bem devagarinho (oh! Que idéia travessa)
Chegou-se ao mestre...záz! enfiou-lhe na cabeça,
E rápido, se foi de novo ao seu lugar...
O mestre nem abriu o sonolento olhar.
E, aquele aspecto vil de truão, de improviso,
Rebentou pela aula estardalhante riso.
De súbito surgiu o diretor na sala...
Demudou-se-lhe o gesto, estremeceu a fala,
Quando ele, transformando a mansidão de boi
Em fúria de leão, nos perguntou: Quem foi?
Quem foi esse vilão que fez tal brejeirice,
Sem respeito nenhum às cãs desta velhice?!
Vamos lá! Sedes leais, verdadeiros e francos!
Dizei: Quem ofendeu estes cabelos brancos?
Mas ninguém denunciou da brincadeira o autor,
E como um clown, dormia o velho professor.
O diretor, então chegou-se junto à mesa...
Via-se-lhe no rosto incômodo, a surpresa
De que o sono do Mestre assim se prolongasse,
Curvou-se meigamente e levantou-lhe a face...
Mas recuou tremendo, aterrorado, absorto,
Aniquilado e mudo...
O Mestre estava Morto...
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¹ Educador_1872-1916.
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Extraído do livro de leitura de minha mãe: Corações de Crianças-Terceiro Livro, de Rita de Macedo Barreto.
Muito bom Etevaldo. Copiei este poema para minha filha que é da área de Educação.
ResponderExcluirColoquei um link no blog versoreverso.blogspot.com para abrir direto nesta sua página.
Um abraço,
Zealberto
Obrigado, JAC! É uma honra. Um abraço!
ResponderExcluirObrigada pela partilha! Belíssimo, Etevaldo! Não tinha conhecimento dessa escritora. Muito legal! Um abraçabraço!
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