Por Etevaldo Amorim
As
salas de aula do Ginásio Dom Antônio Brandão recebiam nomes de personalidades ilustres
de Pão de Açúcar: Bráulio Cavalcante, Jovino da Luz, Moreno Brandão, José de
Freitas Machado, entre outros. Justa homenagem àqueles que enalteceram a
história daquela cidade ribeirinha do São Francisco.
Em
1972, a minha Turma, que iniciara o Curso com mais de cem alunos, dividida em
A, B e C, resumia-se a cinquenta e quatro; em Turma Única, cabendo toda numa
Sala junto à Diretoria. Lá no alto, acima do quadro-negro, a inscrição “SALA
ÉLIO FRANÇA”. Mas, quem seria esse personagem na história de Pão de Açúcar?
Élio Lemos França. Acervo: Colégio Guido |
A
famosa Cachoeira sempre foi, desde longa data, frequentemente visitada por
brasileiros e estrangeiros, que para ela afluíam no intuito de contemplar sua
beleza. Mas, a partir do início da construção da hidrelétrica, suas obras
passaram a ser também objeto de curiosidade de muitos excursionistas, entre
eles muitos estudantes, mormente no ano de sua Formatura.Não
tardou que, numa aula de História, o Professor (e também Diretor) Dr. Átila
Pinto Machado nos desse a resposta. Não se tratava de um pão-de-açucarense. Em
breves palavras, ele nos contou um pouco da história de Élio Lemos França,
aluno do Colégio Guido de Fontgalland, falecido tragicamente na Cachoeira de
Paulo Afonso. Ao final, lendo num livro ou revista, recitou Torvelinho, de
autoria de Élio França, uma prosa poética de bela feitura, que falava em água e
em “cair precipitadamente”...algo assim; parecia uma premonição.
A
Turma do 3º Ano Científico do Colégio Guido de Fontgalland, em 1954, foi também
atraída pela beleza e pela experiência de progresso que se verificava com o
aproveitamento da queda d’água para geração de energia elétrica. A experiência pioneira
de Delmiro Gouveia com a usina de Angiquinho estava se consolidando. A viagem
foi marcada para o dia 10 de outubro. O responsável pela excursão, professor
Aloisio Galvão, anunciou a saída para as 5:30 horas daquele domingo.
Com
efeito, no dia e hora marcados, em frente ao Colégio, um caminhão os esperava.
Entraram todos e partiram. Entre eles, o jovem Élio Lemos França, estudante do
Guido desde que prestara o Exame de Admissão em 1948.
Élio França, do Grêmio Rui Barbosa, fala para os alunos da
1ª Série Ginasial, num
Encontro Gremista, no Colégio Guido. Foto: Revista MOCIDADE, Ano 3, nº 16,
Outubro/Novembro 1948, p. 41.
Ele já havia sido
escolhido Orador Oficial da Turma; já era Secretário da Diretoria do próprio
Colégio Guido desde 1951; Diretor da Revista Mocidade desde 1953; e
Secretário-Geral da Campanha Nacional de Educandários Gratuitos – CNEG, Seção
de Alagoas. Ele mesmo que, ainda pouco tempo atrás, a 4 de agosto daquele ano,
regressara do Rio de Janeiro, em avião da Cruzeiro do Sul, onde participou do
VI Congresso Nacional de Educandários Gratuitos (de 26 a 31 de julho), com
destacada atuação.[i]
Nesse mesmo ano de 1954, havia fundado o Grupo Teatral Anchieta, que estreou
com a encenação da peça A Longa Espera, de sua autoria, bem como dirigido a peça
Noites da Lagoa. Recebeu o Prêmio Nacional Esso de Reportagem com a sua prosa
poética intitulada Torvelinho.
Seguiram
pela BR-316 até chegar em Palmeira dos Índios, onde pernoitaram. Dia seguinte, estrada de chão
passando por Santana do Ipanema e, por fim, Delmiro Gouveia. Na terça-feira,
12, estavam diante da Cachoeira. A alegre caravana se dispersava entre os diversos
pontos de visita. Mas algo de muito trágico estava para acontecer.
Segundo
narrativa do estudante João Cauby Cavalcante, que integrava a caravana, assim
se deu a tragédia:
“Estava eu
juntamente com vários colegas quando Élio, ao ver que o meu amigo Jefferson
Calheiros ia tirar uma fotografia do Rogério Henrique, disse em voz alta:
- Rogério, eu
conheço a máquina e vou bater uma grande fotografia sua, que vai ser um sucesso
entre as meninas!
Nesse momento,
Élio estava com várias pedrinhas em uma das mãos e pretendia guardar como
‘souvenir’. Entregou-as a Arnaldo Calheiros e encaminhou-se imprudentemente em
direção a Rogério. Tomara o lado perigoso da Cachoeira e, ao tentar apanhar a
máquina, aconteceu o imprevisto. Élio estava descalço, trajando uma calça de
linho branco e camisa azul. Tentando galgar melhor posição, procurou passar por
detrás de Rogério. Foi infeliz, no entanto. Escorregou em uma pedra lisa e, com
os olhos arregalados, abrindo os braços numa tentativa vã de agarrar-se a
Rogério, mas sem um grito sequer, mergulhou no abismo, sendo tragado pela
fabulosa queda d’água. Ainda por segundos — prossegue emocionado o estudante — veio
à tona o corpo de Élio, quando pudemos perceber claramente o desespero com que,
inutilmente, o nosso malfadado colega se debatia para escapar à impetuosidade
das águas. Aí então ninguém mais se entendeu — prossegue João Cauby — e o
pânico tomou conta de todos. Fui tomado de violenta crise nervosa, o mesmo
acontecendo com muitos de nossos colegas”.
O
fato é que o nervosismo tomou conta de todos. Passados alguns momentos, o
Professor Aloisio Galvão, em companhia de alguns alunos, solicitou turmas de
apoio a fim de procurarem por Élio. Entretanto, depois de penoso trabalho no
local, e não tendo encontrado o corpo, o chefe da excursão se dirigiu à cidade
de Delmiro Gouveia, de onde telegrafou para o Padre Teófanes e para o Deputado
Rui Palmeira, relatando o doloroso ocorrido.
Logo
que tomou conhecimento, a Direção do Colégio suspendeu as aulas, o mesmo
fazendo a Faculdade de Filosofia de Alagoas, também sob a direção do Pe.
Teófanes, bem como a Escola Técnica de Comércio de Alagoas, em cuja direção se
achava o Sr. José Cavalcante Manso.
Helena
Britto de Andrade, funcionária dos Correios, em matéria publicada na revista O
Mundo Ilustrado (Ano II, nº 92, 3 de novembro de 1954, p. 31), relata o impacto
da notícia no seio da família e nos meios estudantis alagoanos.
“Elói Lemos
França, telegrafista dos Correios e Telégrafos de Maceió, estava de pernoite na
sala de aparelhos quando os sinais do Morse começaram a transmitir a notícia
trágica.
‘Élio, vítima de acidente, caiu nas águas da
cachoeira estando seu corpo desaparecido’.
E outros despachos
foram chegando. O telegrafista recebeu tremendo impacto. Pela primeira vez
estava recebendo uma notícia que lhe interessava particularmente. Élio Lemos
França era seu filho. Em prantos, tomado por violenta crise nervosa, o pobre
homem foi logo cercado pelo conforto de seus companheiros de trabalho, enquanto
a notícia, agora mais detalhada, espalhava-se pela cidade para, mais tarde,
consternar Alagoas inteira e também todo o Nordeste”.
Embora
tivessem sido, de imediato, organizados os grupos de busca pelo corpo de Élio,
somente após três dias de intensa e exaustiva procura o mesmo foi encontrado,
horrivelmente mutilado, preso entre duas pedras, num local muito distante do da
queda.
Local da queda de Élio na
Cachoeira de Paulo Afonso.O Mundo Ilustrado,_Ano II, Nº 92,
03.11.1954, p. 30.
Em
memória do jovem estudante, tão prematuramente desaparecido, algumas homenagens
foram prestadas. Exemplo disso foi a Lei nº 493, de 19 de março de 1956, pela
qual a Câmara Municipal de Maceió autorizou o Prefeito Abelardo Pontes Lima a
construir, no bairro do Bom Parto, em Maceió, uma praça com seu nome. Essa
Praça se localiza no início da Rua Hermes da Fonseca, logo após a Praça dos
Martírios, a partir da casa de nº 196, onde atualmente existe um ponto de
ônibus para os que demandam os bairros de Bebedouro, Chã da Jaqueira, etc.
Praça Élio Lemos França na Rua
General Hermes.
Duas
Escolas também receberam o nome de Élio Lemos França; um no bairro de Ponta
Grossa, em 1956, na Capital, e outro na cidade de Piaçabuçu, em 1957.
Em
crônica publicada no jornal carioca Diário de Notícias, edição de 23 de agosto
de 1959, intitulada NOSSA CULPA, o Pe. Teófanes Augusto de Araújo Barros dá um
testemunho do seu valor:
“Entre os grandes
erros cometidos pela nossa geração para com a que se inicia na vida em pleno
esplendor da adolescência está o de nunca sermos suficientes na tarefa árdua de
esclarecer sobre o conteúdo e o sentido da vida. ”
...
“Eu convivi com um
menino que desde os 14 anos se revelava um pequeno gênio das letras. Foi a
inteligência mais deslumbrante que eu conheci. Esse garoto, que já publicava
aos 16 anos trabalhos de valor na imprensa de minha terra, esse menino que
dizia coisas bem impressionantes sobre o mundo e sobre a vida, deixou uma
bagagem literária de insigne valor. A Cachoeira de Paulo Afonso o arrebatou nos
seus 17 anos, em uma dessas caravanas tão comuns entre os estudantes. Chamou-se
Élio Lemos França”.
Padre Tófanes e autoridades inauguram um busto em homenagem a Élio Lemos, em 1974, lembrando 20 anos do seu desaparecimento. |
ÉLIO
LEMOS FRANÇA, nasceu em Maceió no dia 18 de janeiro de 1938. Era filho de Eloi
Lemos França, funcionário dos Correios e Telégrafos e de Filomena Lemos França,
professora no Grupo Escolar Fernandes Lima, na Rua do Sol, e tinha como irmãos
Artêmia e Eloi Junior. Constituía uma família feliz, que morava na casa nº 724
da Rua Buarque de Macedo.
Diz
ainda Helena Britto de Andrade:
“Na Cachoeira de
Paulo Afonso existe um livro no qual os visitantes deixam registradas suas
impressões. Élio França, jovem de espírito alegre, estudioso e possuindo
grandes pendores para a literatura e o jornalismo, deixou escrita a seguinte
frase:
‘Mesmo depois de conhecer Paulo Afonso,
ainda considero a mulher a maior criação da Natureza’. ”
Élio Lemos França
faleceu a 12 de outubro de 1954. Foto: Meridional, Diário da Noite, RJ, 29/10/1954.
VOCÊ
Élio L. França
“Você reúne tudo o que sonhei na vida...”
Jayme d’Alvavilla
Você
é muito mais do que eu poderia querer para mim,
muito
mais.
Como
eu iria prever tanta felicidade junta?
-
Sou tão pessimista...
Não
seria capaz, jamais.
De
imaginar seus olhos,
escuros
assim, como tarde de chuva;
nem
sua voz assim morena,
quieta,
morta, diferente da vida;
nem
seus lábios tão bondosos,
falando
carinhos que encorajam,
que
não me deixam ter medo da vida,
assim
vermelhos, assim macios.
Assim
como tanto os amo!
Somente
quando eu era pequenino
-
no tempo em que papai me puxava pela mão –
Dei
esmola a uma velhinha
do
rosto riscado de mazelas,
dos
olhos mortiços de solidão,
de
sonhos mortos, esmagados,
que
tinha uma voz rouca, arrastada,
que
dava pena.
E
ela me disse, lá do canto sujo da calçada,
que
papai do céu me daria uma vida muito feliz,
diferente
da dela,
e
que uma mocinha,
bem
boa e bem linda,
que
me faria feliz...
Mas
eu não sabia que seria assim,
tão
boa e tão bela quanto você.
Como
papai do céu é bom!
Você
é muito mais do que eu poderia querer para mim,
muito
mais.
[i] FONTES:
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 16 de outubro de 1954, p. 10.
BARROS,
Francisco Reynaldo Amorim de. ABC DAS ALAGOAS.
Revista
MOCIDADE, Ano 3, nº 16, Outubro/Novembro 1948, p. 41
Diário de
Notícias, RJ, 5 de agosto de 1954, p. 11.
Diário de Notícias, RJ, 23 de agosto de 1959, p. 62. NOSSA CULPA. Artigo
do Pe. Teófanes sobre Élio.
Correio da Manhã, RJ, 20 de outubro de 1954, p. 16. Notícia da morte.
Jornal do Brasil, 25 de janeiro de 1955, p. 12
Mundo Ilustrado, RJ, Notícia da morte de Elio. Por Helena Britto
Andrade. Ano II, nº 92, 3 de novembro de 1954, p. 31.
CORREIO DA MANHÃ, RJ, 20 de outubro de 1954.
CORREIO DA MANHÃ, RJ, 8 de setembro de 1959.
História muito triste de um menino gênio. Tinha um futuro promissor pela frente.
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