Por Álvaro Antônio Machado[i]
Pão de Açúcar sempre teve, até meados da década de sessenta, as famosas
festas de “Micareme”, eventos tradicionais que sempre ocorriam após a semana
sanda e se constituíam no segundo carnaval da cidade, com três dias de muito
frevo e alegria que, quase sempre, superavam o êxito do carnaval propriamente
dito.
Hoje em dia a população senta a falta da “Micareme” principalmente pelo
que ela representava para a cidade, pois sempre atraía centenas de pessoas vindas
dos mais diversos lugares, para participar da festa que, no gênero, era a
melhor do Estado. Dir-se-ia que, do início do século até cerca de quinze anos
atrás, somente uma vez, no ano de 1937, não houve “Micareme” nesta cidade.
E não houve por um motivo muito especial. Naquele ano, o clube Social
Beija-flor, único existente na comuna, havia convidado a “Orquestra do mestre
Walter”, de Propriá-SE, que na época era a mais famosa da região, para tocas os
quatro dias de frevo.
Tudo acertado, a orquestra sergipana, composta por dezenas de músicos,
partiu de Propriá dois dias antes do sábado de aleluia de 1937, rumo a Pão de
Açúcar pelas águas do rio São Francisco, já que as rodovias da época só eram
utilizadas por carros-de-boi.
O maestro Walter e seus colegas viajavam tranquilamente na canoa “Rio
Branco”, de propriedade do barqueiro Luiz Martins, quando, nas imediações do
“Morro da Abelha”, município de Gararu-SE, os acordes ritmados e harmoniosos da
orquestra atraíram um grupo de homens que acampava junto ao dito morro.
O grupo era composto por homens fortemente armados e o seu líder logo
deu ordem para que o bando invadisse a canoa dos músicos. Tomados de surpresa,
o maestro Walter e seus companheiros não tiveram tempo de reagir, e nem isso
adiantaria muito, porque o líder do bando não era outro senão o famoso bandido
Lampião, acompanhado por dezenas de cangaceiros.
Diriam mais tarde os músicos sergipanos que pensavam que Lampião fosse
mata-los ou jogá-los nas águas do rio São Francisco. Mas aconteceu algo inesperado:
Lampião deu ordens para que nenhum músico fosse maltratado e em seguida fez um
improvisado discurso revelando seu gosto pela música e “convidando” a orquestra
para acompanhar o bando até a localidade de Jacobina-SE (abaixo de Propriá),
uma vez que a viagem seria mais agradável se fosse “musicada”.
E os pobres e nervosos músicos tiveram que voltar atrás na sua viagem,
tocando continuamente para os cangaceiros de Lampião e contando com um problema
a mais: a orquestra havia sido afinada para frevos, sambas e marchas
carnavalescas, mas Lampião preferia as valsas e as serestas... Fazendo das
tripas, coração, os músicos sergipanos atenderam o desejo de Lampião que, ao
chegar a seu destino, “agradeceu sensibilizado” a boa-vontade de todos.
Somente na terça-feira de Micareme é que o maestro Walter e seus
companheiros chegaram a Pão de Açúcar. Recebidos com muita bronca pelos foliões
pão-de-açucarenses, só depois de muita explicação é que foram perdoados pelo
atraso. E após uma “vaquinha” feita pelos diretores do Clube Beija-Flor, eles
empreenderam viagem de volta a Propriá, não mais pelo rio São Francisco, pois
temiam a repetição do célebre episódio, mas montados em carros-de-bois,
enfrentando sol, chuva, poeira e algumas semanas de viagem pelo árido sertão sergipano.
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Publicado
na Seção Notas da Redação, do jornal Gazeta de Alagoas, do qual Álvaro Antônio
Melo Machado era correspondente em Pão de Açúcar, na edição do dia 13 de abril
de 1980.
[i]
Médico pão-de-açucarense formado pela Universidade Federal de Alagoas, com Especialização em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz.
Médico pão-de-açucarense formado pela Universidade Federal de Alagoas, com Especialização em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz.
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