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sexta-feira, 25 de novembro de 2016

SERENATA PARA LAMPIÃO

Por Álvaro Antônio Machado[i]
Pão de Açúcar sempre teve, até meados da década de sessenta, as famosas festas de “Micareme”, eventos tradicionais que sempre ocorriam após a semana sanda e se constituíam no segundo carnaval da cidade, com três dias de muito frevo e alegria que, quase sempre, superavam o êxito do carnaval propriamente dito.
Hoje em dia a população senta a falta da “Micareme” principalmente pelo que ela representava para a cidade, pois sempre atraía centenas de pessoas vindas dos mais diversos lugares, para participar da festa que, no gênero, era a melhor do Estado. Dir-se-ia que, do início do século até cerca de quinze anos atrás, somente uma vez, no ano de 1937, não houve “Micareme” nesta cidade.
E não houve por um motivo muito especial. Naquele ano, o clube Social Beija-flor, único existente na comuna, havia convidado a “Orquestra do mestre Walter”, de Propriá-SE, que na época era a mais famosa da região, para tocas os quatro dias de frevo.
Tudo acertado, a orquestra sergipana, composta por dezenas de músicos, partiu de Propriá dois dias antes do sábado de aleluia de 1937, rumo a Pão de Açúcar pelas águas do rio São Francisco, já que as rodovias da época só eram utilizadas por carros-de-boi.
O maestro Walter e seus colegas viajavam tranquilamente na canoa “Rio Branco”, de propriedade do barqueiro Luiz Martins, quando, nas imediações do “Morro da Abelha”, município de Gararu-SE, os acordes ritmados e harmoniosos da orquestra atraíram um grupo de homens que acampava junto ao dito morro.
O grupo era composto por homens fortemente armados e o seu líder logo deu ordem para que o bando invadisse a canoa dos músicos. Tomados de surpresa, o maestro Walter e seus companheiros não tiveram tempo de reagir, e nem isso adiantaria muito, porque o líder do bando não era outro senão o famoso bandido Lampião, acompanhado por dezenas de cangaceiros.
Diriam mais tarde os músicos sergipanos que pensavam que Lampião fosse mata-los ou jogá-los nas águas do rio São Francisco. Mas aconteceu algo inesperado: Lampião deu ordens para que nenhum músico fosse maltratado e em seguida fez um improvisado discurso revelando seu gosto pela música e “convidando” a orquestra para acompanhar o bando até a localidade de Jacobina-SE (abaixo de Propriá), uma vez que a viagem seria mais agradável se fosse “musicada”.
E os pobres e nervosos músicos tiveram que voltar atrás na sua viagem, tocando continuamente para os cangaceiros de Lampião e contando com um problema a mais: a orquestra havia sido afinada para frevos, sambas e marchas carnavalescas, mas Lampião preferia as valsas e as serestas... Fazendo das tripas, coração, os músicos sergipanos atenderam o desejo de Lampião que, ao chegar a seu destino, “agradeceu sensibilizado” a boa-vontade de todos.
Somente na terça-feira de Micareme é que o maestro Walter e seus companheiros chegaram a Pão de Açúcar. Recebidos com muita bronca pelos foliões pão-de-açucarenses, só depois de muita explicação é que foram perdoados pelo atraso. E após uma “vaquinha” feita pelos diretores do Clube Beija-Flor, eles empreenderam viagem de volta a Propriá, não mais pelo rio São Francisco, pois temiam a repetição do célebre episódio, mas montados em carros-de-bois, enfrentando sol, chuva, poeira e algumas semanas de viagem pelo árido sertão sergipano.
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Publicado na Seção Notas da Redação, do jornal Gazeta de Alagoas, do qual Álvaro Antônio Melo Machado era correspondente em Pão de Açúcar, na edição do dia 13 de abril de 1980.



[i] 
Médico pão-de-açucarense formado pela Universidade Federal de Alagoas, com Especialização em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz.

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