Por Etevaldo Amorim
Muitos foram os cientistas e autoridades que
se utilizaram do curso Baixo do rio São Francisco demandando a região sertaneja
e, especialmente, a Cachoeira de Paulo Afonso. George Gardner, naturalista
britânico, em 1838; Vieira de Carvalho e Halfeld, em 1854; o naturalista alemão
Avé Lallemant e o Imperador D. Pedro II, em 1859; José Bento da Cunha
Figueiredo Júnior, em 1869; e, em 1879, técnicos da Comissão Hidráulica também
estudaram e descreveram aquela Região com impressionante riqueza de detalhes.
Alguns desses viajantes produziram belos
registros fotográficos dessa Região. Abílio Coutinho, integrante da Comitiva de
José Bento da Cunha Figueiredo Junior, Presidente da Província das Alagoas, em
1869, retratou muitas localidades e paisagens desde Penedo até Piranhas.
Adolpho Lindemann, fotógrafo francês estabelecido em Penedo, também fez, em
1888, registros de diversas cidades ribeirinhas. Agora, com a publicação do
Museu J. Paul Getty, está disponível uma coleção de fotos de um dos maiores fotógrafos
brasileiros, contratado pela Comissão Geológica do Império do Brasil.
Charles Frederick Hartt- auto-retrato |
Essa Comissão era chefiada pelo canadense
(naturalizado americano) Charles Frederick Hartt. Ele veio ao Brasil pela
primeira vez em 1865 como geólogo da Comissão Thayer (sob o patrocínio de
diversas corporações científicas americanas e principalmente por Nathaniel
Thayer), comandada por Louis Agassiz. Em 1870, liderou a expedição Morgan, cujo
nome era devido ao coronel Edwin B. Morgan, um dos diretores da Universidade de
Cornell, que doou dois milhões de dólares para realizar pesquisas no vale do
Amazonas.
Estava o Império sob o Governo do “Gabinete
de 7 de março”, chefiado pelo Visconde do Rio Branco (José Maria da Silva
Paranhos, pai do Barão do Rio Branco, de mesmo nome). O Ministro da
Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Dr. José Fernandes da Costa Pereira
Júnior (Campos dos Goytacazes, 20/01/1833 — Rio de Janeiro, 10/12/1899), pensou
em estabelecer no Brasil uma exploração regular e sistemática do seu vasto
território. Assim, em Aviso[i]
dirigido ao Dr. Charles Frederick Hartt, em 30 de abril de 1875, comunica os
objetivos e o nomeia para Chefe da Comissão:
“O governo imperial
resolveu mandar proceder aos estudos preparatórios para o levantamento de uma
carta geológica do Império. Esses estudos deverão habilitá-los a conhecer,
dentro de alguns anos, a estrutura geológica do país, a sua paleontologia, a
riqueza dos seus minerais e facilidade de explorá-los”.
Nesse mesmo expediente, o Ministro autoriza o
Dr. Hartt a contratar os ajudantes de que necessitar, inclusive um fotógrafo
para acompanhá-lo em suas excursões. Ele então, confirmando a notória
sabedoria, convidou Marc Ferrez.
O próprio Hartt o confirma em documento
referido por Edgard Roquette-Pinto, no Diário de Notícias (RJ), de 16 de julho
de 1938, p. 15:
“Em 1874, tive a
honra de receber do Sua Excelência o Conselheiro José Fernandes da Costa
Pereira um pedido oficial de fazer uma proposta relativa à exploração
sistemática da Geologia do Império, e foi ao Rio de Janeiro, no fim do ano,
submetido logo ao Governo Imperial um plano para esse fim. Não havendo verba
suficiente, Sua Excelência o Ministro propôs que eu começasse em uma escala
mais modesta do que a da minha proposta. E no dia 1º de maio de 1875, fui
nomeado Chefe da Comissão, sendo nomeado ajudante o Engenheiro Elias S. Pacheco
Jordão. Geólogos auxiliares os senhores Orville A. Derby e Richard Rathburn, e
Praticante o Sr. Francisco José de Freitas. Tendo o Governo me dado o
direito de contratar um fotógrafo, escolhi o Sr. Marc Ferrez, da Côrte.”
Com efeito, em Portaria do Ministério da
Agricultura, de 30 de abril de 1875, foram nomeados os seus membros: Chefe:
Carlos Frederico Hartt; Richard Rathbum; John Casper Branner; Orville A. Derby
e dois engenheiros brasileiros, Francisco José de Freitas e Elias Fausto
Pacheco Jordão (1849-1901), este último o primeiro brasileiro a estudar
Engenharia Civil na Universidade de Cornell, onde se doutorou em 1874, no mesmo
ano do doutoramento de Orville Derby[ii].
Dela faziam parte, ainda, Frank de Yeaux Carpenter (Engenheiro Civil, formado
na U. de Cornell) e Herbert H. Smith e Luther Wagoner.
Marc Ferrez[iii],
recém-chegado da Europa onde fora readquirir materiais e equipamentos para
recuperar o seu atelier destruído por um incêndio, aceitou o convite, com o
objetivo empreender estudos e trabalhos preparatórios para o levantamento da
Carta Geológica do Império do Brasil. Partiu do Rio de Janeiro a 10 de junho de
1875, a bordo do paquete Pará, chegando ao Recife em 18 de julho.
Depois de minuciosos estudos na capital
pernambucana e adjacências, especialmente dos arrecifes, a Comissão decidiu
explorar a Cachoeira de Paulo Afonso. Com efeito, a 16 de setembro, partiram
para Penedo no vapor nacional Ipojuca. Para tanto, o Presidente da Província de
Pernambuco, João Pedro Carvalho de Morais, determina à Companhia Pernambucana
que ofereça passagem para a Comissão até Penedo, oficiando à Presidência das
Alagoas que lhe ofereça transporte até Piranhas. Do mesmo modo, ordenou ao
Arsenal de Guerra que lhe fornecesse barracas, que seriam úteis aos seus
membros nos acampamentos.
Possivelmente já em preparativos para a
viagem, obteve uma bela vista da cidade, em que aparecem algumas igrejas e o
seu porto.
Penedo, 1875. Foto: Marc Ferrez |
Embora já houvesse linha regular de vapores,
a viagem de Penedo a Piranhas foi feita de canoa. De fato, para a realização de
suas pesquisas, era de todo conveniente que a Comissão pudesse dispor do seu
próprio meio de transporte para cumprir o percurso , cerca de 30 léguas (180 km).
A embarcação utilizada foi uma rústica canoa
de tolda, de tamanho médio, equipada com um “pano-de-asa”, como era
popularmente conhecido. Esse tipo de pano não era mais que um par de velas
latinas, presas a um único mastro.
Morro do Chaves, abaixo de Propriá, 1875. Foto Marc Ferrez |
Impulsionada pelo vento forte que soprava do
mar, a canoa da Comissão chegou ao Morro do Cal, que então já se tornara
conhecido por “Morro do Chaves”, em alusão ao proprietário daquelas terras, o
Tenente-Coronel João José de Medeiros Chaves, político e grande latifundiário
de Propriá (falecido nessa cidade, a 29 de janeiro de 1890, aos 70 anos). Nesse
local acha-se assentada a base sergipana da ponte sobre o rio São Francisco,
ligando Propriá (SE) a Porto Real do Colégio (AL). Marc Ferrez registrou ali
uma bela vista do morro, em cuja fotografia anotou: “Camadas do terreno cretáceo fortemente inclinadas no morro do Chaves,
perto de Propriá no rio S. Francisco”.
Propriá (SE), 1875. Foto Marc Ferrez (montagem) |
Porto Real do Colégio, 1875. Foto: Marc Ferrez |
Vista de Traipu, 1875. Foto: Marc Ferrez |
Morro de Belo Monte, 1875. Foto: Marc Ferrez |
Pão de Açúcar, AL, 1875. Ao fundo, o morro do Cavalete. Foto: Marc Ferrez. |
Chegando a Pão de Açúcar, os membros da Comissão acamparam mesmo ali à beira do rio. Anotação na própria foto indica: "Vista do morro do Cavallete, Pão d'Assucar, no rio São Francisco, olhando-se rio acima". Nela aparecem oito pessoas, sendo três da Comissão: o Professor Hartt e os engenheiros brasileiros Francisco José de Freitas e Elias Fausto Pacheco Jordão. Nota-se ainda, junto à proa e abaixo da tolda, uma réplica em miniatura da própria canoa. Foi, talvez, a partir dessa foto que Ferrez teve a ideia de subir até o alto do Cavalete, de onde se tem vista privilegiada de todo o entorno, tanto rio abaixo, alcançando até o Limoeiro, além do morro do Farias; como rio acima, vislumbrando o morro do Belmonte, entre o Bonsucesso e a Ilha do Ferro, onde naufragaria, 42 anos depois, a lancha Moxotó.
Marc fez, primeiro, algumas tomadas da Serra de Pão de Açúcar, também conhecida por Serra do Meirus. Na sequência, uma bela foto da Vila, que se tornaria cidade dois anos depois; outra em que focaliza o leito do rio e, finalmente, uma outra em que se vê a margem direita, pertencente à então Província de Sergipe, vendo-se o Morro do Saco Grande.
Pão de Açúcar vista do morro do Cavalete, 1875. Foto: Marc Ferrez |
O rio São Francisco visto do morro do Cavalete. Foto: Marc Ferrez |
Margem direita do rio S. Francisco vendo-se o morro do Saco Grande. Foto: Marc Ferrez |
Detalhe da Serra do Meirus, Pão de Açúcar, 1875. Foto: Marc Ferrez |
Virando-se para o Poente, o perspicaz fotógrafo dirige a sua lente para o leito do São Francisco, tendo-se uma sucessão de morros de ambos os lados: Pau-Ferro, Mampirá, Algodão, estes na margem alagoana. Completando o restante do percurso, obteve ainda imagens do cânion e da própria Cachoeira.
Vista do São Francisco a montante do morro do Cavalete. Foto: Marc Ferrez |
Cânion do São Francisco pouco abaixo das cachoeiras. Foto: Marc Ferrez |
Vista das principais cachoeiras em Paulo Affonso, 1875. Foto: Marc Ferrez |
Segundo se lê na "Biografia do Professor Americano Carlos Frederick Hartt" - 1878, feita pelo estudante Carlos Alberto Menezes, "Ferrez tirou as mais belas fotografias que se conhece e que foram mais tarde premiadas na Exposição da Filadélfia."
Os membros da Comissão encerraram os trabalhos em 1º de junho de 1877, durando apenas dois anos. Hartt, no entanto, para salvar o material coletado, conseguiu seu funcionamento até dezembro daquele ano.
OS MEMBROS DA COMISSÃO
Marc Ferrez nasceu no Rio de Janeiro a 7 de
dezembro de 1843. Era filho de Zépherin Ferrez e Alexandrine Ferrez. Faleceu em
12 de janeiro de 1923. Segundo Gilberto Ferrez, foi durante essa viagem que
Ferrez contraiu uma doença no fígado, da qual nunca se curou. Fonte:
http://brasilianafotografica.bn.br/?p=6305.
ELIAS
FAUSTO PACHECO JORDÃO
Elias Fausto Pacheco Jordão |
Após o curso primário em Rio Claro,
matriculou-se no Seminário Episcopal, na capital paulista, mas não se adaptou
ao clima e mudou-se para Itu. Residiu um breve período no Rio de Janeiro e mais
uma vez voltou para Itu, onde estabeleceu uma casa de comércio. Para completar
os estudos superiores, viajou para os Estados Unidos e formou-se em engenharia
civil na Universidade de Cornell, em 2 de julho de 1874. Fonte: CPDOC, Fundação
Getúlio Vargas.
Orville Adelbert Derby Nasceu a 23 julho 1851
em Kelloggsville, Cayuga, New York. Filho de John C. Derby (1808-1890) e
Malvina Adéia Lindsay (1818-1898). Chegou ao Brasil em 1870, integrando a
Comissão Morgan, organizada pelo Presidente da Universidade de Cornwell,
Ittaca, Estados Unidos.
Faleceu em 27 de novembro de 1915, cometendo
suicídio em seus aposentos no Hotel dos Estrangeiros, no Rio de Janeiro.
Naturalizado brasileiro pouco antes de morrer, era considerado o maior geólogo
da América Latina. Fonte: A Rua, RJ, 27 de novembro de 1915, p.2
John Casper Branner nasceu em New Market, Tennessee,
em 4 de julho de 1850. Formou-se em Cornell em 1882 e recebeu seu Ph.D na
Universidade de Indiana em 1885. Era filho de Michael T. Branner e Alsey Baker.
Em 22 de junho de 1883, casou-se com Suzan Dow Kennedy, com quem teve os fihos
John Kennedy Branner, George Carper Branner e Elsie Branner.
Faleceu aos 72 anos, em Palo Alto, Califórnia
(EUA)
Richard Rathburn ou Richard Rathbun
(25/01/1852 – 16/07/1918)) nasceu em Buffalo, Nova York , filho de Charles
Rathburn e sua esposa Marey (née Furey). Ele foi educado em Buffalo antes de se
juntar à empresa de pedreiras de seu pai, Whitmore e Rathbun, por quatro anos. Em
6 de outubro de 1880, casou-se com Lena Augusta Hume, em Eastport, Maine.
Ele morreu em 16 de julho de 1918, de doença
cardíaca resultante da febre amarela que sofrera 40 anos antes, [1] e foi
sepultado no Cemitério Rock Creek . [2] Ele deixou sua esposa e seu único
filho, o arquiteto Seward Hume Rathbun .
FRANK DE
YEAUX CARPENTER. Nasceu Highland on Hudson, Estado de New
York, Estados Unidos da América a 1º de setembro de 1848. Filho de Robert
Carpenter e Júlia Carpenter.
Logo depois de formado, trabalhou na Comissão
Geológica dos Estados Unidos. Em 1877, veio para o Brasil se incorporar à
Comissão do Império, a convite de Hartt. Infelizmete, a Comissão já estava no
fim. Mesmo assim, atuou como seu geógrafo e publicou livro a respeito da Comissão.
Fonte: Revista Novo Mundo, New York, Vol. IX, Nº 99, 1879.
Em 1878, estando o seu professor Hartt à
beira da morte, vítima da Febre Amarela, foi Carpenter que esteve com ele à sua
cabeceira. Poucos dias depois foi ele, Carpenter, quem caiu doente. Conseguiu,
porém, restabelecer-se. Retornando aos Estados Unidos, faleceu em sua terra
natal a 19 de dezembro de 1883, com apenas 35 anos. Fonte: Revista de
Engenharia, http://memoria.bn.br/DocReader/709743/1287.
HERBERT
HUNTINGDON SMITH
Herbert Huntingdon Smith ou Herbert Huntington
Smith (Manlius, Nova York, 21 de janeiro de 1851 - Tuscaloosa, Alabama, 22 de
março de 1919). Filho de Charles Smith e de Julia Maria Huntington.
Foi um naturalista americano e conchologista
amador que trabalhou na flora e fauna do Brasil. Escreveu o Brasil, as Amazonas
e a costa (C. Scribner's Sons, 1879) e Do Rio de Janeiro a Cuyabá: Notas de um
naturalista (1922).
Ele primeiro foi ao Brasil em 1870 na
expedição Morgan liderada por Charles Frederick Hartt. Ele voltou para ficar em
Santarém de 1874 a 1876, e depois passou um ano explorando os rios Amazonas e
Tapajós.
A morte de Smith foi trágica. Em sua
caminhada para trabalhar no Museu de História Natural do Alabama, o naturalista
surdo, que sofrera recentemente um surto de gripe, foi atropelado por um trem.
O local no campus da Universidade do Alabama era conhecido por muitos anos como
"Smith's Crossing".
JOHN
LUHER WAGONER
John Luther Wagoner, geólogo, nasceu em
Yadkin County, North Carolina, USA, a 16/02/1839 e faleceu a 2 de Janeiro de
1911. Foi sepultado no Macedonia Baptist Church Cemetery, Ronda, Wilkes County,
North Carolina, USA. Filho de William Wagoner e Fanny Waggoner; Casou-se com
Mary Jane Money Waggoner, com quem teve os filhos William Lee Waggoner. Chegou
ao Brasil em 12 de maio de 1874, segundo Diário do Rio de Janeiro, 13 de maio
de 1874, p. 3. Em 1876, substituiu Pacheco Jordão na Comissão. No ano seguinte
era substituído por Frank Carpenter.
NOTA:
Caro leitor,
Este Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E
LITERATURA”, contém postagens com informações históricas resultantes de
pesquisas, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência
bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso algumas delas seja do seu
interesse para utilização em qualquer trabalho, que faça uso tirando o maior
proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a
citação das referências. Isso é correto e justo. Segue abaixo, como exemplo, a
forma correta de referência:
AMORIM, Etevaldo Alves. O Baixo São Francisco
na Rota da Comissão Geológica. Maceió, Junho de 2018. Disponível em:
http://www.blogdoetevaldo.blogspot.com.br/. Acesso em: dia, mês e ano.
[i] A Nação,
RJ, 14 de maio de 1875, p. 2.
[ii] Fonte:
CPRM – Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais (Serviço Geológico
Brasileiro – Ministério das Minas e Energia).
[iii] Marc Ferrez nasceu no Rio de Janeiro, a 7 de
dezembro de 1843, filho de Zépherin e Alexandrine Ferrez, e faleceu em 12 de
janeiro de 1923
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