PÁGINAS

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

COMANDANTE SATURNINO – UM ALAGOANO NA 1ª GUERRA MUNDIAL


Por Etevaldo Amorim
O primeiro grande conflito de caráter mundial, ocorrido entre 1914 e 1918, inicialmente referido como “A Guerra Europeia”, e que se tornaria conhecido (até o advento da II Guerra Mundial), como “A Grande Guerra” ou “A Guerra das Guerras”, começou a tomar contornos decisivos no ano de 1917.
O Comandante Saturnino Furtado de Mendonça.
Os Estados Unidos da América eram os principais fornecedores de alimentos e armas para a França e Inglaterra (integrantes da Tríplice Entente, ao lado do Império Russo). Além disso, havia grandes investimentos e empréstimos de bancos norte-americanos àqueles países. Era do seu maior interesse, portanto, que a Entente saísse vencedora no seu confronto com os países da Tríplice Aliança (Alemanha, Itália e Império Austro-Húngaro).
Entretanto, a 31 de janeiro de 1917, a Alemanha anuncia o começo da guerra submarina para inicia-la efetivamente no dia seguinte, levando a efeito um bloqueio naval no intuito de impedir o suprimento de gêneros para os países com os quais estava em conflito. Essa atitude desencadeou uma série de acontecimentos:
No dia 3 de fevereiro, os Estados Unidos rompem relações diplomáticas com a Alemanha.
Durante os três primeiros anos da Guerra, o Brasil permaneceu neutro. Essa posição, respaldada na Convenção de Haia (1907), tinha por objetivo não prejudicar as exportações brasileiras, principalmente do café.
No dia 7 de fevereiro, ante o anúncio do Governo alemão, o Governo Brasileiro se manifesta, encaminhando, através da nossa Representação em Berlim, uma Nota em que conclui dizendo:

“Por isso o Governo Brasileiro, não obstante o seu sincero e vivo desejo de evitar divergências com as nações amigas, ora em luta armada, sente-se no dever de protestar contra esse bloqueio, como efetivamente protesta e, em consequência disso, de deixar ao governo imperial alemão a responsabilidade de todos aqueles casos que se derem com cidadãos, mercadorias e navios brasileiros, desde que se verifique a postergação dos princípios reconhecidos do direito internacional ou atos convencionais em que o Brasil e a Alemanha sejam partes”.[i]

Rui Barbosa, um entusiasta em defesa da tomada de posição do Brasil na guerra, se manifesta dizendo que a Nota Brasileira se tratava de um simples e tímido protesto. Disse ele ao jornal carioca A NOITE, edição de 10 de fevereiro de 1917:

“... a Nota é meramente um protesto, cujo objetivo declarado se resume a notificar a Alemanha de que, se cumprir o que ameaça, será ela a responsável pelos seus atos. Ora, não era necessário uma declaração do Brasil para se saber que a Alemanha é responsável pelos atos da Alemanha. A Nota não contém mais nada.”

Ignorando a “Nota”, os alemães torpedeiam, a 4 de abril, o navio brasileiro Paraná, na costa da França. Dois dias depois, os Estados Unidos declaram guerra à Alemanha. No dia seguinte foi a vez de Cuba e Panamá.
Apenas alguns dias depois, a 11 de abril, o Brasil rompe relações diplomáticas com a Alemanha.
No dia 20 de maio, outro navio brasileiro, o Tijuca, foi torpedeado perto da costa francesa por submarino alemão.
Nos meses seguintes o Brasil confiscou, a título de “indenização de guerra”, 42 navios alemães que se achavam em nossos portos, e os incorporou à frota do Lloyd Brasileiro.
Dando prosseguimento a sua escalada, a Alemanha volta a atacar um navio brasileiro. A 22 de maio de 1917, o “Lapa” foi atingido por três tiros de canhão disparados por um submarino. O cônsul brasileiro em Cádiz, Sr. Matheus Albuquerque, alagoano de Porto Calvo, prestou apoio às vítimas e conduziu inquérito para apurar caso.
Importante reunião é convocada pelo Presidente Wenceslau Brás, tendo como pauta a discussão da neutralidade brasileira na guerra.
Palácio do Catete, 27/05/2017. Reunião para discutir a neutralidade brasileira. Da esquerda para a direita: Nilo Peçanha, Rui Barbosa, o Presidente Wenceslau Brás, Rodrigues Alves e o Vice-Presidente Urbano Santos. Foto: Fon-Fon.
Um dos navios alemães confiscados pelo Brasil, o “Palatia”, rebatizado com o nome de “MACAU”, chega ao porto do Rio de Janeiro no dia 7 de setembro de 1917, procedente de Santos-SP, onde recebera reparos. A 17 de setembro, segue para a França, com carregamento de 92.000 sacos, sendo 52.000 de café e 40.000 de feijão e outros cereais apanhados no porto do Rio de Janeiro. Tentaria romper o bloqueio alemão, a exemplo do que já conseguira os vapores Jacuhy e Corcovado. Para tanto, o Lloyd Brasileiro fez um seguro de 100 mil libras junto ao Lloyd Belga.


O vapor Macau, ex-alemão Palatia.
Fabricado em 1912, e com tonelagem de 3.557, o navio possuía excelentes camarotes para a oficialidade e confortáveis alojamentos para toda a tripulação. Prestava-se muito bem à temerária travessia até o porto de Havre, França, para onde seguia com “carta de prego”. Essa é uma expressão utilizada para definir “carta fechada, contendo instruções secretas, as quais só devem ser conhecidas em determinadas circunstâncias e em determinado local.”.
Para essa arrojada empreitada, o Lloyd convocou um experimentado Comandante, o Capitão Saturnino de Mendonça, cuja nomeação aconteceu no dia 1º de agosto.
Já em 1889, ele morava no Rio de Janeiro e frequentava o Curso de Náutica do Lyceo Literário Português, uma Instituição de Ensino filantrópica, sem fins lucrativos, fundada por imigrantes portugueses.[ii]
Iniciou sua carreira no Lloyd Brasileiro a 10 de agosto de 1890, como 2º piloto do paquete “Alagoas”, desembarcando a 25 de março de 1894. A 26 de março de 1894, foi transferido para o “Porto Alegre”.
Exerceu o cargo de Prático da Associação de Praticagem do Porto de Vitória-ES, de que foi exonerado em 1899[iii]
Trabalhou também no paquete “Rio de Janeiro”; no “Meteoro”, “Brasil”, “Vênus”, “Itapemirim”, “Satélite”, “Guajará” e “Ibiapaba, onde passou oito anos”. O último navio que comandou foi o “Monte Moreno”, de propriedade do Sr. Antenor Guimarães, do qual saiu em virtude de doença de sua esposa.
No dia 18 de outubro, na altura do golfo de Biscaia, na costa espanhola, o a tripulação do Macau percebeu que estava sendo seguido por dois submarinos alemães. Relatos de sobreviventes, feito a repórteres do jornal A Razão (19/12/2917), dão bem a ideia do que se passou:
“No dia 18 de outubro, às 5:20 h da tarde, quando navegávamos a cerca de 250 milhas  do cabo Finisterra, surpreendeu-nos o estrondo tremendo de um torpedo rebentando de encontro ao nosso navio, a meia não, do lado de bombordo. O navio adernou logo desse lado, o que causou a morte de dois infelizes companheiros nossos, um carvoeiro e um foguista, que estavam tirando carvão e ficaram subterrados debaixo da hulha.”
Recebendo ordem de parar, o comando do navio brasileiro obedeceu. O Comandante de um dos submersíveis, acompanhado de alguns oficiais, subiu a bordo e exigiu que a tripulação abandonasse o navio, que seria bombardeado.
Já acomodados nas diversas baleeiras, a tripulação pode distinguir o submersível, cor cinza, ostentando o número U-93. Na ponte se achava o comandante que, pedindo para que se aproximassem, perguntou:
“El Capitán?”
- Soi yo!,”, respondeu o Comandante Saturnino, pondo-se de pé.
- Venga...
O bote encostou no submarino e o Comandante subiu, seguido do taifeiro Arlindo Dias dos Santos que, julgando tivesse o alemão mandado subir toda a equipagem, o acompanhou. Nunca mais se teve notícias de ambos...
Depois disso, o submarino afastou-se e disparou 12 tiros até afundá-lo. Isso se deu a 46º de latitude Norte e 11 de longitude de Greenwiche, às 5 horas da tarde, de 22 para 23 de outubro de 1917, sem prévio aviso.[iv]
Nas principais cidades brasileiras levantaram-se protestos contra o torpedeamento do Macau. Em Maceió, a 28 de outubro de 1917[v], aconteceu um grande Ato, em que discursaram os jornalistas Guedes de Miranda, Aurino Maciel e Rodrigues de Melo. Após as manifestações, saíram em passeata pelas ruas da cidade, visitando as redações dos jornais Diário do Povo, Correio da Tarde e Jornal de Alagoas.
MENSAGEM DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA AO CONGRESSO NACIONAL[vi]
“Senhores Membros do Congresso Nacional,
Cumpro o penoso dever de comunicar ao Congresso Nacional que, por telegramas de Londres e de Madri, o Governo acaba de saber que foi torpedeado, por um submarino alemão, o navio brasileiro “Macau”, e que está preso o deu comandante.
A circunstância de ser este o quarto navio nosso posto a pique por forças navais alemãs é por si mesma grave, mas esta gravidade sobre de ponto com a prisão do comandante brasileiro.
Não há como, Senhores Membros do Congresso Nacional, iludir a situação ou deixar de constatar, já agora, o estado de guerra que nos é imposto pela Alemanha.
A prudência com que temos agido não exclui, antes nos dá a precisa autoridade, mantendo ilesa a dignidade da Nação, para aceitar os fatos como eles são e aconselhar represálias de franca beligerância.
Se o Congresso Nacional, em sua alta sabedoria, não resolver o contrário, o Governo mandará ocupar o navio de guerra alemão que está ancorado no porto da Bahia, fazendo prender a sua guarnição, e decretará a internação militar das equipagens dos navios mercantes de que nos utilizamos.
Parece chegado o momento, Senhores Membros do Congresso Nacional, de caracterizar na lei a posição de defensiva que nos têm determinado os acontecimentos, fortalecendo os aparelhos de resistência nacional e completando a evolução da nossa política externa, à altura das agressões que vier a sofrer o Brasil.
Palácio da Presidência, Rio de Janeiro, 25 de outubro de 1917.
Wenceslau Brás Pereira Gomes.”


Deputados apreciam Mensagem do Governo proponto o Estado
de Guerra. Foto: Fon-Fon.

O Senado apreciando a Mensagem de Estado de Guerra contra
a Alemanha. O Senador Ruy Barbosa discursa. Foto: Fon-Fon.
Grande aglomeração em frente ao Senado, aguardando a decisão
acerta da Declaração de  Estado de Guerra. Foto: O Malho.


Finalmente, ante a forte pressão popular, o Brasil declara guerra à Alemanha no dia 4 de novembro de 1917.

O Presidente Wenceslau Brás assina o Decreto. De pé, a seu lado, o Ministro das Relações Exteriores, Nilo Peçanha. À esquerda, o Vice-Presidente Urbano Santos. À direita, Delfim Moreira e Arthur Bernardes, Governador (então chamado Presidente) do Estado de Minas Gerais, e Arthur Bernardes, Deputado Federal pelo mesmo Estado. Foto: Fon-Fon, RJ, 03/11/2917.

Vapor Paraná, da Companhia Comércio e Navegação,
aqui no cais de Christiania, Noruega, torpedeado nas
 proximidades de Cherburgo (Normandia-França).
Em destaque o seu comandante, Cap. José da Silva Peixe.
 Foto: Fon-Fon, RJ, 14/04/1917.
O Vapor Tijuca, aqui no porto de Nova York, Foi torpedeado 
nas costas da Bretanha a 20/05/2017. Em destaque o seu comandante,
 Sr. Carlos Antônio Duarte. Foto: Fon-Fon, RJ, 26/05/1917.
Vapor Lapa, torpedeado a 200 milhas do porto de Cádiz. Foto: Fon-Fon, RJ, 02/06/1917.


ERA ALAGOANO, O COMANDANTE DO “MACAU”.


Saturnino Furtado de Mendonça era um tipo moreno, baixo, acaboclado, rosto oval, ostentando bigode e cabelos pretos. Extremamente simpático e de uma palestra excelente.[vii]
Era muito conhecido e estimado em todos os portos onde atracava. No Recife, em uma das vezes em que esteve comandando o Ipiapaba, submeteu-se a uma cirurgia com o Dr. Arnóbio Margues, no Hospital Português. Naquele porto esteve, pela última vez, em 22 de maio de 1916, de regresso de New York, no Guarajá.
Nasceu na Vila de Barra de Santo Antônio Grande, então pertencente ao município de São Luiz do Quitunde, Estado de Alagoas, a 29 de novembro de 1867. Era um dos nove filhos do casal Manuel Saturnino de Mendonça e Anna Joaquina Barbosa de Mendonça.
Manuel Furtado de Mendonça, pai de
Saturnino.
Seu pai, também nascido naquela Vila, em 21 de fevereiro de 1825, ainda muito moço foi nomeado professor público de instrução primária, função que desempenhou até 1890, quando foi jubilado. Ali mesmo faleceu a 26 de junho de 1910.[viii] Sua mãe, também professora primária, lecionou na mesma Vila pelo menos entre 1877 e 1896.[ix] Eram seus irmãos: José Furtado de Mendonça e Maria José de Mendonça Barros.
No dia 10 de janeiro de 1893, em São Luiz do Quitunde, casa-se com Hortência Cavalcante de Albuquerque, filha de Manoel Cavalcanti de Albuquerque e Anna Maria Cavalcanti de Albuquerque. Desse consórcio, já residindo no Rio de Janeiro, nasceram quatro filhos: Samuel, Victoriano, Mathilde e Sylvia.
Sua esposa, entretanto, faleceria a 27 de junho de 1908. Nesse mesmo ano, no Recife, contrairia novas núpcias com a Srtª Josephina Guilhermina da Silva.
Viúva, e com duas filhas menores, D. Josephina requereu indenização ao Lloyd, que nunca foi paga. O Estado brasileiro ofereceu uma pensão, que chegou a ser suspensa dois anos depois.
Saturnino Furtado de Mendonça é sempre referido em todas as histórias sobre a participação brasileira na 1ª Guerra Mundial, mas pouco se diz a respeito da sua origem, afinal aqui ressaltada, para orgulho dos seus conterrâneos de Alagoas e, especialmente, dos seus patrícios da Barra de Santo Antônio.
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Sugestão para o registro de referência:

AMORIM, Etevaldo Alves. COMANDANTE SATURNINO, UM ALAGOANO NA 1ª GUERRA MUNDIAL. Maceió, janeiro de 2010. Disponível em: http://www.blogdoetevaldo.blogspot.com.br. Acesso em: dia, mês e ano.


[i] Correio da Manhã, RJ, 10 de fevereiro de 1917.
[ii] Jornal do Comércio, RJ, 9 de dezembro de 1889
[iii] A Imprensa, RJ, 14 de setembro de 1899.
[iv] O Estado, SC, 28 de setembro de 1917.
[v] Gazeta de Notícias, RJ, 29 de outubro de 1917, p. 5.
[vi] Relatórios do Ministério das Relações Exteriores (RJ) - 1891 a 1928.
[vii] Jornal Pequeno, Recife-PE, 26/10/2017, p. 2.
[viii] O Malho, RJ, 3 de setembro de 1910, p. 39.
[ix] Gutenberg, Maceió-AL, 20 de junho de 1896.

domingo, 13 de janeiro de 2019

ARAÚJO BIVAR


Por Etevaldo Amorim

MANOEL ALVES D’ARAÚJO BIVAR era filho de Américo Alves d’Araújo Bivar e Ritta Martins (Rita Leopoldina de Bivar). Nasceu no dia 15 de novembro de 1885 e foi batizado em 11 de julho de 1886, na Catedral de Maceió.[i]
O poeta Araújo Bivar
Não foi fácil identificar os seus dados biográficos, em virtude do aparecimento de mais de um “Manoel Bivar”. Mas, ele próprio o distingue dos outros quando, em protesto publicado no jornal Evolucionista, contra O Malho, pelo fato de aquela revista ter ridicularizado um poema supostamente de sua autoria, esclarece que havia em Maceió mais duas pessoas com nome semelhante: Manoel Souto Bivar (telegrafista), Manoel Costa Bivar (jornalista e deputado), e ele, Manoel d’Araújo Bivar.
Fez seus cursos de Preparatórios em Maceió, onde ainda residia em 1907, compondo a Diretoria da Sociedade Caritativa Mortuária Auxiliadora dos Cristãos. Participou ainda da Sociedade Literária Dias Cabral e da Escola Literária Cyridião Durval, do Lyceu Alagoano, bem como da Sociedade Literária Aristeu de Andrade.
Com vinte e seis anos, já residindo no Rio de Janeiro, casou-se, a 20 de julho de 1912, com a Srtª Maria Jacome de Araújo Maia (filha de Antônio Jácome de Araújo e Joanna Jácome de Araújo), viúva de Álvaro Maia e irmã do poeta Gonçalo Jacome (este funcionário dos Correios).
Em 1913, participava do Club Waldemar, atuando em saraus e recitando Remembrança, conto romano em verso[ii] e, por volta de 1920, participava dos eventos do programa “Brasil Falado”, promovido pelo Club Endiabrados de Ramos.[iii] Em 1921, publica o livro de poemas Exomologese. Foi Secretário da Revista A Crítica e colaborou para o hebdomadário Ilustração Moderna.
Em 1922, ele, que era praticante de condutor de trem, foi efetivado na Estrada de Ferro Central do Brasil.[iv]
Em 1923, compôs, com Jayme de Vasconcellos, a valsa Retraída, interpretada pelo seu colega de Central do Brasil, Noé Abalo.[v] Nesse mesmo ano, em 28 de novembro, proferiu Conferência na Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, discorrendo sobre o tema “A música, a dança e a poesia”.[vi]
A 4 de outubro de 1924, profere Conferência, na Associação Cristã Feminina, sob o tema “Música, Dança e Poesia”.
Araújo Bivar, em Conferência na Associação Cristã Feminina.
A mesma revista, na edição de 6 de dezembro daquele ano, publica uma caricatura sua, feita por um dos mais reconhecidos  desenhistas da imprensa brasileira: o seu amigo ÁLVARUS, como o próprio Álvaro Cotrin (Rio de Janeiro: 1904-1985) o define em sua dedicatória.
Araújo Bivar em caricatura de "ÀLVARUS". Ilustração Moderna.
Acometido por doença cardíaca, Araújo Bivar faleceu a 5 de julho de 1925, às 20:35 h, na residência do seu médico e amigo Dr. Emygdio de Barros, na Rua Dias da Cruz, nº 229, no Rio de Janeiro. Foi sepultado às 17:00 h, no Cemitério de Inhaúma.[vii]

Noticiando a sua morte, a revista Ilustração Moderna assim o definiu: "Poeta dos mais vibrantes, sentia-se nos seus versos as várias metamorfoses épicas e liricas, vibrava-se; havia um induzível arrebatamento ao lê-lo. Morreu como morrem os artistas: heroicamente humilde."
Em justa homenagem, foi dado o seu nome a uma importante via pública do bairro da Pajuçara, ligando as ruas Dr. Zeferino Rodrigues à Almirante Mascarenhas.


POEMAS

ÚLTIMO SOPRO
(A Olavo Bilac)

Quando a morte quebrou serena o tênue fio
Que te sustinha preso a dúbia luz da vida
Correu por todo o espaço um ríspido arrepio
Como um seco estalar de lira bipartida.

Vibrou na Natureza um surdo murmúrio
De espanto, que se avulta em fúria mal contida
O vento soluçou nostálgico, sombrio,
E a chuva foi do céu a lágrima sentida.

Agora que ascendeste à vida do mistério,
Vae as estrelas ver de perto os claros sóis,
As transfigurações do páramo sidério

Que foram do teu verso os mágicos faróis
No dia em que desceste ao pó de um cemitério
Subiste como um Deus à luz dos arrebóis.

________
28/12/1918. Fon-Fon, Ano XIII, Nº 2. 11/01/1919.


A IMORTALIDADE DA ARTE

Ao culto espírito de “ALVARUS”

A fornalha trepida, o caldeirão fumega
cheio me metal rubro, ardente, derretido,
a oficina faz crer vulcânico brasido
onde o vapor sufoca e desnorteia e cega.

Um operário vem, vermelho da refrega,
solta da cremalheira o grande tacho erguido
e empurra-o na carreta e o bronze refundido
nos tacelos de gesso aos poucos descarrega.

Alguns minutos mais e a forma despedaça
E a figura aparece em plena majestade,
Semideusa da forma, da beleza e graça.

Morre o Artista, mas toda a sua humanidade
fica naquela estátua erguida numa praça,
onde vai ver passar o tempo, a eternidade.
____________
Extraído da revista Ilustração Moderna, RJ, 12 de agosto de 1924.

MALDADE DIVINA

Dentro da seda fina e leve de  um vestido,
de vidrilhos, e gases e rendas enfeitado,
adivinho o mais branco e o mais aprimorado
corpo grego de deusa em mármore esculpido.

Por um poder oculto eu me sinto impelido
a cair aos seus pés de ninfa, ajoelhado,
Prometheu da volúpia eu fico acorrentado
ao meu próprio desejo, atônito, adormecido.

Deus me fez um grande mal: abriu as portas do ouro
da morada divina, as célicas alturas
e espalhou pelo mundo o mágico tesouro.

De mulheres da moda, as deusas, das loucuras,
que em vez de estarem lá, no céu, no excelso coro,
andam soltas aqui, tentando as criaturas.

­______________
Transcrito da revista Ilustração Brasileira, 30/09/1924.
________

Sugestão para o registro de referência:
AMORIM, Etevaldo Alves. ARAÚJO BIVAR. Maceió, janeiro de 2010. Disponível em: http://www.blogdoetevaldo.blogspot.com.br/. Acesso em: dia, mês e ano.



[ii] O Paiz, 4 de janeiro de 1913.
[iii] A Ração, 23 de março de 1920.
[iv] A Noite, RJ, 31 de outubro de 1922.
[v] O Jornal, 13 de fevereiro de 1923.
[vi] O Jornal, 27 de novembro de 1923.
[vii] A Noite, RJ, 6 de julho de 1925.

sábado, 12 de janeiro de 2019

A CADEIA PÚBLICA DE PÃO DE AÇÚCAR



Por Etevaldo Amorim

A Cadeia, tendo ao lado casebres sendo invadidos pelas
 águas do rio São Francisco, na Grande Cheia de 1919.
Na extremidade Oeste da Av. Bráulio Cavalcante, ocupando quase toda a largura do mais importante logradouro da histórica cidade, ainda se conserva, firme e inabalável, um dos seus mais antigos prédios: a Cadeia Pública de Pão de Açúcar.
A sua história tem início durante a Seca de 1877. A população de Pão de Açúcar padecia sob esse terrível flagelo, a que as populações nordestinas ainda hoje são submetidas.
Para mitigar os efeitos dessa catástrofe, e para socorrer também os imigrantes de vários pontos do sertão dos Estados limítrofes, o Juiz de Direito Dr. Alfredo Montezuma de Oliveira[i] conseguiu, junto ao Governo, recursos para abrir frentes de trabalho, ocorrendo-lhe empregá-los na construção desse prédio público. Ele era Presidente da Comissão de Socorros Públicos em favor das vítimas da Sêca.
Pão de Açúcar, 1875. Local onde seria construída a cadeia,
dois anos depois. Foto: Marc Ferrez. Disponível em: Fundação
Jean Paul Getty.

Com a fachada voltada para a extensa avenida, dando fundos para os lados da Lagoa da Porta (e, mais além, o Cavalete), foi assentada em local estratégico, como a indicar o exato ponto até onde a prudência recomendaria construir, ante o perigo das enchentes.
Sua construção foi iniciada no dia 27 de novembro de 1877, conforme notícia do jornal O Pão D’ Assucar, edição de 2 de dezembro daquele ano:
Cadeia. No dia 28 do passado, principiou-se a abrir os alicerces do edifício que há de servir de cadeia e Casa de Câmara desta Cidade.
A Comissão de Socorros Públicos empreendeu esta obra, e vai executa-la, para ter em que se ocuparem os emigrantes, a fim de incutir-lhes amor ao trabalho e livrá-los da ociosidade que sempre traz vícios.
Já tivemos ocasião de ver a planta levantada pelo Sr. Dr. Juiz de Direito Alfredo Montezuma de d’Oliveira; é uma obra magnífica. Oxalá que a concluam”.
O jornal O Monitor, BA, de 19 de fevereiro de 1878, reproduzindo notícia d’ O Pão de Assúcar
Continua em serviço a obra da cadeia, que já vai bem adiantada, trabalhando diariamente 100 operários, entre pedreiros e serventes.”
“Mesmo assim, impossível é satisfazer a todos os reclamos dos que querem e precisam trabalhar para ganhar o pão cotidiano, pelo que a Comissão vem fornecendo aos que não trabalham gêneros alimentícios”.
As notícias dão conta de que o projeto contemplava a construção de um prédio que servisse de Cadeia e Casa da Câmara. A Câmara, que tinha também funções executivas, funcionava no sobrado da Rua da Praia (hoje Av. Ferreira de Novaes), cedido pelo Major João Machado de Novaes Mello, o “Barão de Piaçabuçu”.
A obra, entretanto, não passou dos alicerces. Já em 1881, em documento encaminhado à Biblioteca Nacional, a Câmara Municipal dava conta de que a mesma se achava em construção, lamentando que “tão útil ideia não tenha sido, até hoje, louvavelmente aproveitada pelos poderes públicos, levando a cabo tão instante melhoramento”.[ii]
Em Relatório apresentado à Assembleia Provincial, em 16 de abril de 1882, o Presidente Dr. José Barbosa Torres, registra que, para a cadeia de Pão de Açúcar, “há um projeto que peca por exagerado; seria conveniente que se fizesse um plano mais modesto”.
Talvez por ser o projeto “exagerado”, os recursos não foram suficientes senão para a construção dos alicerces. Sobrevindo nova estiagem, quando o Regime já era República e sob o Governo do Coronel Pedro Paulino da Fonseca, em 1891, novos recursos foram alocados:
Paralisadas por muito tempo, as obras dessa cadeia, quando na vigência da República, sobreveio nova seca, tiveram elas, no governo do Cel. Pedro Paulino da Fonseca, o pequeno impulso que lhes poderia provir da insignificante verba de Rs 2.000$000 destina por aquele governador a atenuar o tremendo infortúnio coletivo.” (MORENO BRANDÃO – In Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Alagoano – Vol. IX, Ano 52 – 1924).
Passados 34 anos do seu início, a obra precisava ser concluída. E, para levar a cabo esse empreendimento, concorram decisivamente os esforços do então Senador Estadual Cel. Luiz José da Silva Mello[iii], político de grande influência àquela época.
O Cel. Luiz José da Silva Mello.
O jornal A Ideia, em edição de 2 de julho de 1911, em crônica de Hypólito de Souza, noticia a recepção feita ao Cel. Luiz José, no dia 24 de junho, quando de sua chegada de Maceió, ocasião em que foi dada a feliz notícia de que seria retomada a construção da cadeia, pois já se achava empreitada por 7:000$000 (7 contos de réis). Achava-se à frente do Governo do Estado o Cel. Macário das Chagas Rocha Lessa (12/06/1909-12/06/1912).
 O mesmo e importante semanário pão-de-açucarense, dirigido por Álvaro Machado, em sua edição do dia 23 de julho daquele ano, publicou outra crônica sob o título ESCOLAS! AÇUCDES! ESTRADAS”. Em tom satírico, expressa a opinião que se tinha a respeito da necessidade da Cadeia, sobretudo ao considerar outras carências, mais urgentes sob todos os aspectos:



“Do fenômeno das secas, nós, vitimas constantes, neste estiolante,

Nós, que morremos à mingua de instrução e também de água,

No centro sempre adverso (repare, o leitor, que é verso)

Pedido temos, e estamos clamando e pedindo sempre,

Sempre escolas e açudes, estradas que, menos rudes,

Se prestem melhor ao trânsito.

Pois o povo é paciente e, por índole, pacato.

A parte que habita no mato sofre mais do que parece.

Se dá-se, acaso, um delito que entre nós é muito raro,

Vai passando sem reparo!

Se capanga, o delinquente, enquanto o Júri trabalha,

Castiga-se o tal canalha, não se o levando à cadeia!

Se, porém, por um capricho da desdita, o criminoso for do grupo dinheiroso... Caluda! Não Mia prossigo” Exceção “tem na lei”.

Criminosos desta ordem!... “Cães amigos não se mordem, sim juntos mordem os outros”.

Eis porque nós, os malvistos dos presumidos grandolas,

pedindo água, estrada, escolas, teremos talvez cadeia”

Bem dispensável agora, pois nosso povo pacato,

bem ajeitado é um pato ou mosca em açucareiro.

O criador é sedento, de sede seu gado morre, e clama! Quem o socorre? ...

Console-se, na cadeia haverá muito serviço.

Entre na turma e se esqueça dessas dores de cabeça. Ganhe o seu pão na cadeia.

Na viveza de seus olhos, empoeirado almocreve, com dor que não se descreve,

lamentando um saco roto nos entulhos duma estrada,

se há que haver-se sozinho nos barrancos do caminho,

quase noite, na cadeia, haverá seu prejuízo.

Trabalhe, compre remédio e vá seu saco cosendo,

enquanto a triste orfãnzinha, a Instrução deserdada,
dormindo, acorda assustada do bulício, da zoada do serviço da cadeia.

Certo mais necessitando de socorros, a lavoura,

duma mão mais protetora que faça Leis Florestais

em garantia às caatingas contra a “onda” que as devasta,

não respeitando a “dinasta”, quanto mais os pobres donos...

Mas, a cadeia embeleza a mais a nossa “avenida”.

Se a virmos soerguida, teremos que lamentar não ser o grande edifício em escolas transformado, onde fosse divulgado o ensino à mocidade.”.

A desativação Cadeia Pública de Pão de Açúcar ocorreu em princípios de 2018, quando suas atividades passaram a ser desenvolvidas no Centro Integrado de Segurança Pública – CISP.

 
A Cadeia em foto recente.
NOTA:
Caro leitor,
Este Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, contém postagens com informações históricas resultantes de pesquisas, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso alguma seja do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo. Segue abaixo, como exemplo, a forma correta de referência:

AMORIM, Etevaldo Alves. A CADEIA PÚBLICA DE PÃO DE AÇÚCAR. Maceió, Janeiro de 2019. Disponível em: http://www.blogdoetevaldo.blogspot.com.br/. Acesso em: dia, mês e ano.


[i] Natural do Pará. Faleceu em Pão de Açúcar, Alagoas, a 20 de junho de 1881. Formou-se pela Faculdade de Direito do Recife em 1863.
[ii] Documento manuscrito remetido à Biblioteca Nacional, datado de 26 de abril de 1881, firmado por João Marinho de Novaes Mello (filho do Major João Machado de Novaes Mello – Barão de Piaçabuçu, Tertuliano José Eliseu Canuto, Justino Pereira da Luz (pai de Jovino da Luz), João Hipólito de Souza, Joaquim Antônio Martins Sobrinho, Joaquim Serafim da Silva Graça e José Venustiniano Cavalcante (pai de Bráulio Cavalcante).
[iii] Nasceu em Belo Monte, Comarca de Traipu, Alagoas. Filho de José Pedro de Mello e Francisca Maria da Silva. Casou-se com Anna Josepha de Campos Mello, filha de Manoel Gonçalves de Campos e Thomázia Cardozo de Campos. na Matriz de Porto da Folha, Sergipe, a 23 de fevereiro de 1884, sendo celebrante o vigário de Porto da Folha, Pe. Francisco José dos Santos. Viúvo em 03/09/1893, casou-se com Clara Maria de  Souza Mello. Faleceu o Cel. Luiz José em Pão de Açúcar, a 08/08/1919, em Pão de Açúcar, aos 65 anos.
FONTE: AMORIM, Etevaldo A. TERRA DO SOL, ESPELHO DA LUA. Maceió, 2004.