Por
Etevaldo Amorim
O
primeiro grande conflito de caráter mundial, ocorrido entre 1914 e
1918, inicialmente referido como “A Guerra Europeia”, e que se tornaria
conhecido (até o advento da II Guerra Mundial), como “A Grande Guerra” ou “A
Guerra das Guerras”, começou a tomar contornos decisivos no ano de 1917.
O Comandante Saturnino Furtado de Mendonça. |
Os
Estados Unidos da América eram os principais fornecedores de alimentos e armas
para a França e Inglaterra (integrantes da Tríplice Entente, ao lado do Império
Russo). Além disso, havia grandes investimentos e empréstimos de bancos
norte-americanos àqueles países. Era do seu maior interesse, portanto, que a
Entente saísse vencedora no seu confronto com os países da Tríplice Aliança
(Alemanha, Itália e Império Austro-Húngaro).
Entretanto,
a 31 de janeiro de 1917, a Alemanha anuncia o começo da guerra submarina para
inicia-la efetivamente no dia seguinte, levando a efeito um bloqueio naval no
intuito de impedir o suprimento de gêneros para os países com os quais estava
em conflito. Essa atitude desencadeou uma série de acontecimentos:
No
dia 3 de fevereiro, os Estados Unidos rompem relações diplomáticas com a
Alemanha.
Durante
os três primeiros anos da Guerra, o Brasil permaneceu neutro. Essa posição, respaldada
na Convenção de Haia (1907), tinha por objetivo não prejudicar as exportações
brasileiras, principalmente do café.
No dia 7 de fevereiro, ante
o anúncio do Governo alemão, o Governo Brasileiro se manifesta, encaminhando, através
da nossa Representação em Berlim, uma Nota em que conclui dizendo:
“Por
isso o Governo Brasileiro, não obstante o seu sincero e vivo desejo de evitar
divergências com as nações amigas, ora em luta armada, sente-se no dever de
protestar contra esse bloqueio, como efetivamente protesta e, em consequência
disso, de deixar ao governo imperial alemão a responsabilidade de todos aqueles
casos que se derem com cidadãos, mercadorias e navios brasileiros, desde que se
verifique a postergação dos princípios reconhecidos do direito internacional ou
atos convencionais em que o Brasil e a Alemanha sejam partes”.[i]
Rui Barbosa, um
entusiasta em defesa da tomada de posição do Brasil na guerra, se manifesta
dizendo que a Nota Brasileira se tratava de um simples e tímido protesto. Disse
ele ao jornal carioca A NOITE, edição de 10 de fevereiro de 1917:
“...
a Nota é meramente um protesto, cujo objetivo declarado se resume a notificar a
Alemanha de que, se cumprir o que ameaça, será ela a responsável pelos seus
atos. Ora, não era necessário uma declaração do Brasil para se saber que a
Alemanha é responsável pelos atos da Alemanha. A Nota não contém mais nada.”
Ignorando
a “Nota”, os alemães torpedeiam, a 4 de abril, o navio brasileiro Paraná, na
costa da França. Dois dias depois, os Estados Unidos declaram guerra à
Alemanha. No dia seguinte foi a vez de Cuba e Panamá.
Apenas
alguns dias depois, a 11 de abril, o Brasil rompe relações diplomáticas com a
Alemanha.
No
dia 20 de maio, outro navio brasileiro, o Tijuca, foi torpedeado perto da costa
francesa por submarino alemão.
Nos
meses seguintes o Brasil confiscou, a título de “indenização de guerra”, 42
navios alemães que se achavam em nossos portos, e os incorporou à frota do
Lloyd Brasileiro.
Dando
prosseguimento a sua escalada, a Alemanha volta a atacar um navio brasileiro. A 22 de maio de 1917, o “Lapa” foi atingido por três tiros de canhão disparados por
um submarino. O
cônsul brasileiro em Cádiz, Sr. Matheus Albuquerque, alagoano de Porto Calvo,
prestou apoio às vítimas e conduziu inquérito para apurar caso.
Um
dos navios alemães confiscados pelo Brasil, o “Palatia”, rebatizado com o nome
de “MACAU”, chega ao porto do Rio de Janeiro no dia 7 de setembro de 1917,
procedente de Santos-SP, onde recebera reparos. A 17 de setembro, segue para a França,
com carregamento de 92.000 sacos, sendo 52.000 de café e 40.000 de feijão e
outros cereais apanhados no porto do Rio de Janeiro. Tentaria romper o bloqueio
alemão, a exemplo do que já conseguira os vapores Jacuhy e Corcovado. Para
tanto, o Lloyd Brasileiro fez um seguro de 100 mil libras junto ao Lloyd Belga.
Importante
reunião é convocada pelo Presidente Wenceslau Brás, tendo como pauta a
discussão da neutralidade brasileira na guerra.
Palácio do Catete, 27/05/2017. Reunião para
discutir a neutralidade brasileira. Da esquerda para a direita: Nilo Peçanha,
Rui Barbosa, o Presidente Wenceslau Brás, Rodrigues Alves e o Vice-Presidente
Urbano Santos. Foto: Fon-Fon.
Fabricado em 1912, e com tonelagem de 3.557,
o navio possuía excelentes camarotes para a oficialidade e confortáveis
alojamentos para toda a tripulação. Prestava-se muito bem à temerária travessia
até o porto de Havre, França, para onde seguia com “carta de prego”. Essa é uma expressão utilizada para definir “carta fechada, contendo instruções secretas,
as quais só devem ser conhecidas em determinadas circunstâncias e em determinado
local.”.
Para essa arrojada empreitada, o Lloyd
convocou um experimentado Comandante, o Capitão Saturnino de Mendonça, cuja
nomeação aconteceu no dia 1º de agosto.
Já em 1889, ele morava no Rio de Janeiro e
frequentava o Curso de Náutica do Lyceo Literário Português, uma Instituição de
Ensino filantrópica, sem fins lucrativos, fundada por imigrantes portugueses.[ii]
Iniciou sua carreira no Lloyd Brasileiro a 10
de agosto de 1890, como 2º piloto do paquete “Alagoas”, desembarcando a 25 de
março de 1894. A 26 de março de 1894, foi transferido para o “Porto Alegre”.
Exerceu
o cargo de Prático da Associação de Praticagem do Porto de Vitória-ES, de que
foi exonerado em 1899[iii]
Trabalhou
também no paquete “Rio de Janeiro”; no “Meteoro”, “Brasil”, “Vênus”,
“Itapemirim”, “Satélite”, “Guajará” e “Ibiapaba, onde passou oito anos”. O
último navio que comandou foi o “Monte Moreno”, de propriedade do Sr. Antenor
Guimarães, do qual saiu em virtude de doença de sua esposa.
No
dia 18 de outubro, na altura do golfo de Biscaia, na costa espanhola, o a
tripulação do Macau percebeu que estava sendo seguido por dois submarinos
alemães. Relatos de sobreviventes, feito a repórteres do jornal A Razão
(19/12/2917), dão bem a ideia do que se passou:
“No dia 18 de
outubro, às 5:20 h da tarde, quando navegávamos a cerca de 250 milhas do cabo Finisterra, surpreendeu-nos o
estrondo tremendo de um torpedo rebentando de encontro ao nosso navio, a meia
não, do lado de bombordo. O navio adernou logo desse lado, o que causou a morte
de dois infelizes companheiros nossos, um carvoeiro e um foguista, que estavam
tirando carvão e ficaram subterrados debaixo da hulha.”
Recebendo ordem de parar, o comando do navio brasileiro obedeceu. O Comandante
de um dos submersíveis, acompanhado de alguns oficiais, subiu a bordo e exigiu
que a tripulação abandonasse o navio, que seria bombardeado.
Já
acomodados nas diversas baleeiras, a tripulação pode distinguir o submersível,
cor cinza, ostentando o número U-93. Na ponte se achava o comandante que,
pedindo para que se aproximassem, perguntou:
“El
Capitán?”
-
Soi yo!,”, respondeu o Comandante Saturnino, pondo-se de pé.
-
Venga...
O
bote encostou no submarino e o Comandante subiu, seguido do taifeiro Arlindo
Dias dos Santos que, julgando tivesse o alemão mandado subir toda a equipagem,
o acompanhou. Nunca mais se teve notícias de ambos...
Depois
disso, o submarino afastou-se e disparou 12 tiros até afundá-lo. Isso se deu a
46º de latitude Norte e 11 de longitude de Greenwiche, às 5 horas da tarde, de
22 para 23 de outubro de 1917, sem prévio aviso.[iv]
Nas
principais cidades brasileiras levantaram-se protestos contra o torpedeamento
do Macau. Em Maceió, a 28 de outubro de 1917[v],
aconteceu um grande Ato, em que discursaram os jornalistas Guedes de Miranda,
Aurino Maciel e Rodrigues de Melo. Após as manifestações, saíram em passeata
pelas ruas da cidade, visitando as redações dos jornais Diário do Povo, Correio
da Tarde e Jornal de Alagoas.
MENSAGEM DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA AO
CONGRESSO NACIONAL[vi]
“Senhores
Membros do Congresso Nacional,
Cumpro o penoso
dever de comunicar ao Congresso Nacional que, por telegramas de Londres e de
Madri, o Governo acaba de saber que foi torpedeado, por um submarino alemão, o
navio brasileiro “Macau”, e que está preso o deu comandante.
A circunstância
de ser este o quarto navio nosso posto a pique por forças navais alemãs é por
si mesma grave, mas esta gravidade sobre de ponto com a prisão do comandante
brasileiro.
Não há como,
Senhores Membros do Congresso Nacional, iludir a situação ou deixar de
constatar, já agora, o estado de guerra que nos é imposto pela Alemanha.
A prudência com
que temos agido não exclui, antes nos dá a precisa autoridade, mantendo ilesa a
dignidade da Nação, para aceitar os fatos como eles são e aconselhar
represálias de franca beligerância.
Se o Congresso
Nacional, em sua alta sabedoria, não resolver o contrário, o Governo mandará
ocupar o navio de guerra alemão que está ancorado no porto da Bahia, fazendo
prender a sua guarnição, e decretará a internação militar das equipagens dos
navios mercantes de que nos utilizamos.
Parece chegado o
momento, Senhores Membros do Congresso Nacional, de caracterizar na lei a
posição de defensiva que nos têm determinado os acontecimentos, fortalecendo os
aparelhos de resistência nacional e completando a evolução da nossa política
externa, à altura das agressões que vier a sofrer o Brasil.
Palácio da
Presidência, Rio de Janeiro, 25 de outubro de 1917.
Wenceslau Brás
Pereira Gomes.”
Deputados apreciam Mensagem do Governo proponto o Estado de Guerra. Foto: Fon-Fon. |
O Senado apreciando a Mensagem de Estado de Guerra contra a Alemanha. O Senador Ruy Barbosa discursa. Foto: Fon-Fon. |
Grande aglomeração em frente ao Senado, aguardando a decisão acerta da Declaração de Estado de Guerra. Foto: O Malho. |
Finalmente, ante a forte pressão popular, o Brasil declara guerra à Alemanha no dia 4 de novembro de 1917.
O Vapor
Tijuca, aqui no porto de Nova York, Foi torpedeado
nas costas da Bretanha a
20/05/2017. Em destaque o seu comandante,
Sr. Carlos Antônio Duarte. Foto:
Fon-Fon, RJ, 26/05/1917.
|
Vapor Lapa,
torpedeado a 200 milhas do porto de Cádiz. Foto: Fon-Fon, RJ, 02/06/1917.
|
ERA ALAGOANO, O COMANDANTE DO “MACAU”.
Saturnino
Furtado de Mendonça era um tipo moreno, baixo, acaboclado, rosto oval,
ostentando bigode e cabelos pretos. Extremamente simpático e de uma palestra
excelente.[vii]
Era
muito conhecido e estimado em todos os portos onde atracava. No Recife, em uma
das vezes em que esteve comandando o Ipiapaba, submeteu-se a uma cirurgia com o
Dr. Arnóbio Margues, no Hospital Português. Naquele porto esteve, pela última
vez, em 22 de maio de 1916, de regresso de New York, no Guarajá.
Nasceu
na Vila de Barra de Santo Antônio Grande, então pertencente ao município de São
Luiz do Quitunde, Estado de Alagoas, a 29 de novembro de 1867. Era um dos nove
filhos do casal Manuel Saturnino de Mendonça e Anna Joaquina Barbosa de Mendonça.
Manuel Furtado de Mendonça, pai de Saturnino. |
Seu
pai, também nascido naquela Vila, em 21 de fevereiro de 1825, ainda muito moço
foi nomeado professor público de instrução primária, função que desempenhou até
1890, quando foi jubilado. Ali mesmo faleceu a 26 de junho de 1910.[viii]
Sua mãe, também professora primária, lecionou na mesma Vila pelo menos entre
1877 e 1896.[ix]
Eram seus irmãos: José Furtado de Mendonça e Maria José de Mendonça Barros.
No
dia 10 de janeiro de 1893, em São Luiz do Quitunde, casa-se com Hortência
Cavalcante de Albuquerque, filha de Manoel Cavalcanti de Albuquerque e Anna
Maria Cavalcanti de Albuquerque. Desse consórcio, já residindo no Rio de
Janeiro, nasceram quatro filhos: Samuel, Victoriano, Mathilde e Sylvia.
Sua
esposa, entretanto, faleceria a 27 de junho de 1908. Nesse mesmo ano, no
Recife, contrairia novas núpcias com a Srtª Josephina Guilhermina da Silva.
Viúva,
e com duas filhas menores, D. Josephina requereu indenização ao Lloyd, que nunca
foi paga. O Estado brasileiro ofereceu uma pensão, que chegou a ser suspensa
dois anos depois.
Saturnino Furtado de Mendonça é sempre
referido em todas as histórias sobre a participação brasileira na 1ª Guerra Mundial, mas pouco se diz a respeito da sua origem, afinal
aqui ressaltada, para orgulho dos seus conterrâneos de Alagoas e,
especialmente, dos seus patrícios da Barra de Santo Antônio.
__________
Sugestão para o registro de referência:
AMORIM, Etevaldo Alves. COMANDANTE
SATURNINO, UM ALAGOANO NA 1ª GUERRA MUNDIAL. Maceió, janeiro de 2010.
Disponível em: http://www.blogdoetevaldo.blogspot.com.br. Acesso em: dia, mês
e ano.
[i]
Correio da Manhã, RJ, 10 de fevereiro de 1917.
[ii]
Jornal do Comércio, RJ, 9 de dezembro de 1889
[iii]
A Imprensa, RJ, 14 de setembro de 1899.
[iv] O
Estado, SC, 28 de setembro de 1917.
[v]
Gazeta de Notícias, RJ, 29 de outubro de 1917, p. 5.
[vi] Relatórios
do Ministério das Relações Exteriores (RJ) - 1891 a 1928.
[vii]
Jornal Pequeno, Recife-PE, 26/10/2017, p. 2.
[viii]
O Malho, RJ, 3 de setembro de 1910, p. 39.
[ix]
Gutenberg, Maceió-AL, 20 de junho de 1896.