PÁGINAS

sábado, 12 de janeiro de 2019

A CADEIA PÚBLICA DE PÃO DE AÇÚCAR



Por Etevaldo Amorim

A Cadeia, tendo ao lado casebres sendo invadidos pelas
 águas do rio São Francisco, na Grande Cheia de 1919.
Na extremidade Oeste da Av. Bráulio Cavalcante, ocupando quase toda a largura do mais importante logradouro da histórica cidade, ainda se conserva, firme e inabalável, um dos seus mais antigos prédios: a Cadeia Pública de Pão de Açúcar.
A sua história tem início durante a Seca de 1877. A população de Pão de Açúcar padecia sob esse terrível flagelo, a que as populações nordestinas ainda hoje são submetidas.
Para mitigar os efeitos dessa catástrofe, e para socorrer também os imigrantes de vários pontos do sertão dos Estados limítrofes, o Juiz de Direito Dr. Alfredo Montezuma de Oliveira[i] conseguiu, junto ao Governo, recursos para abrir frentes de trabalho, ocorrendo-lhe empregá-los na construção desse prédio público. Ele era Presidente da Comissão de Socorros Públicos em favor das vítimas da Sêca.
Pão de Açúcar, 1875. Local onde seria construída a cadeia,
dois anos depois. Foto: Marc Ferrez. Disponível em: Fundação
Jean Paul Getty.

Com a fachada voltada para a extensa avenida, dando fundos para os lados da Lagoa da Porta (e, mais além, o Cavalete), foi assentada em local estratégico, como a indicar o exato ponto até onde a prudência recomendaria construir, ante o perigo das enchentes.
Sua construção foi iniciada no dia 27 de novembro de 1877, conforme notícia do jornal O Pão D’ Assucar, edição de 2 de dezembro daquele ano:
Cadeia. No dia 28 do passado, principiou-se a abrir os alicerces do edifício que há de servir de cadeia e Casa de Câmara desta Cidade.
A Comissão de Socorros Públicos empreendeu esta obra, e vai executa-la, para ter em que se ocuparem os emigrantes, a fim de incutir-lhes amor ao trabalho e livrá-los da ociosidade que sempre traz vícios.
Já tivemos ocasião de ver a planta levantada pelo Sr. Dr. Juiz de Direito Alfredo Montezuma de d’Oliveira; é uma obra magnífica. Oxalá que a concluam”.
O jornal O Monitor, BA, de 19 de fevereiro de 1878, reproduzindo notícia d’ O Pão de Assúcar
Continua em serviço a obra da cadeia, que já vai bem adiantada, trabalhando diariamente 100 operários, entre pedreiros e serventes.”
“Mesmo assim, impossível é satisfazer a todos os reclamos dos que querem e precisam trabalhar para ganhar o pão cotidiano, pelo que a Comissão vem fornecendo aos que não trabalham gêneros alimentícios”.
As notícias dão conta de que o projeto contemplava a construção de um prédio que servisse de Cadeia e Casa da Câmara. A Câmara, que tinha também funções executivas, funcionava no sobrado da Rua da Praia (hoje Av. Ferreira de Novaes), cedido pelo Major João Machado de Novaes Mello, o “Barão de Piaçabuçu”.
A obra, entretanto, não passou dos alicerces. Já em 1881, em documento encaminhado à Biblioteca Nacional, a Câmara Municipal dava conta de que a mesma se achava em construção, lamentando que “tão útil ideia não tenha sido, até hoje, louvavelmente aproveitada pelos poderes públicos, levando a cabo tão instante melhoramento”.[ii]
Em Relatório apresentado à Assembleia Provincial, em 16 de abril de 1882, o Presidente Dr. José Barbosa Torres, registra que, para a cadeia de Pão de Açúcar, “há um projeto que peca por exagerado; seria conveniente que se fizesse um plano mais modesto”.
Talvez por ser o projeto “exagerado”, os recursos não foram suficientes senão para a construção dos alicerces. Sobrevindo nova estiagem, quando o Regime já era República e sob o Governo do Coronel Pedro Paulino da Fonseca, em 1891, novos recursos foram alocados:
Paralisadas por muito tempo, as obras dessa cadeia, quando na vigência da República, sobreveio nova seca, tiveram elas, no governo do Cel. Pedro Paulino da Fonseca, o pequeno impulso que lhes poderia provir da insignificante verba de Rs 2.000$000 destina por aquele governador a atenuar o tremendo infortúnio coletivo.” (MORENO BRANDÃO – In Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Alagoano – Vol. IX, Ano 52 – 1924).
Passados 34 anos do seu início, a obra precisava ser concluída. E, para levar a cabo esse empreendimento, concorram decisivamente os esforços do então Senador Estadual Cel. Luiz José da Silva Mello[iii], político de grande influência àquela época.
O Cel. Luiz José da Silva Mello.
O jornal A Ideia, em edição de 2 de julho de 1911, em crônica de Hypólito de Souza, noticia a recepção feita ao Cel. Luiz José, no dia 24 de junho, quando de sua chegada de Maceió, ocasião em que foi dada a feliz notícia de que seria retomada a construção da cadeia, pois já se achava empreitada por 7:000$000 (7 contos de réis). Achava-se à frente do Governo do Estado o Cel. Macário das Chagas Rocha Lessa (12/06/1909-12/06/1912).
 O mesmo e importante semanário pão-de-açucarense, dirigido por Álvaro Machado, em sua edição do dia 23 de julho daquele ano, publicou outra crônica sob o título ESCOLAS! AÇUCDES! ESTRADAS”. Em tom satírico, expressa a opinião que se tinha a respeito da necessidade da Cadeia, sobretudo ao considerar outras carências, mais urgentes sob todos os aspectos:



“Do fenômeno das secas, nós, vitimas constantes, neste estiolante,

Nós, que morremos à mingua de instrução e também de água,

No centro sempre adverso (repare, o leitor, que é verso)

Pedido temos, e estamos clamando e pedindo sempre,

Sempre escolas e açudes, estradas que, menos rudes,

Se prestem melhor ao trânsito.

Pois o povo é paciente e, por índole, pacato.

A parte que habita no mato sofre mais do que parece.

Se dá-se, acaso, um delito que entre nós é muito raro,

Vai passando sem reparo!

Se capanga, o delinquente, enquanto o Júri trabalha,

Castiga-se o tal canalha, não se o levando à cadeia!

Se, porém, por um capricho da desdita, o criminoso for do grupo dinheiroso... Caluda! Não Mia prossigo” Exceção “tem na lei”.

Criminosos desta ordem!... “Cães amigos não se mordem, sim juntos mordem os outros”.

Eis porque nós, os malvistos dos presumidos grandolas,

pedindo água, estrada, escolas, teremos talvez cadeia”

Bem dispensável agora, pois nosso povo pacato,

bem ajeitado é um pato ou mosca em açucareiro.

O criador é sedento, de sede seu gado morre, e clama! Quem o socorre? ...

Console-se, na cadeia haverá muito serviço.

Entre na turma e se esqueça dessas dores de cabeça. Ganhe o seu pão na cadeia.

Na viveza de seus olhos, empoeirado almocreve, com dor que não se descreve,

lamentando um saco roto nos entulhos duma estrada,

se há que haver-se sozinho nos barrancos do caminho,

quase noite, na cadeia, haverá seu prejuízo.

Trabalhe, compre remédio e vá seu saco cosendo,

enquanto a triste orfãnzinha, a Instrução deserdada,
dormindo, acorda assustada do bulício, da zoada do serviço da cadeia.

Certo mais necessitando de socorros, a lavoura,

duma mão mais protetora que faça Leis Florestais

em garantia às caatingas contra a “onda” que as devasta,

não respeitando a “dinasta”, quanto mais os pobres donos...

Mas, a cadeia embeleza a mais a nossa “avenida”.

Se a virmos soerguida, teremos que lamentar não ser o grande edifício em escolas transformado, onde fosse divulgado o ensino à mocidade.”.

A desativação Cadeia Pública de Pão de Açúcar ocorreu em princípios de 2018, quando suas atividades passaram a ser desenvolvidas no Centro Integrado de Segurança Pública – CISP.

 
A Cadeia em foto recente.
NOTA:
Caro leitor,
Este Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, contém postagens com informações históricas resultantes de pesquisas, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso alguma seja do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo. Segue abaixo, como exemplo, a forma correta de referência:

AMORIM, Etevaldo Alves. A CADEIA PÚBLICA DE PÃO DE AÇÚCAR. Maceió, Janeiro de 2019. Disponível em: http://www.blogdoetevaldo.blogspot.com.br/. Acesso em: dia, mês e ano.


[i] Natural do Pará. Faleceu em Pão de Açúcar, Alagoas, a 20 de junho de 1881. Formou-se pela Faculdade de Direito do Recife em 1863.
[ii] Documento manuscrito remetido à Biblioteca Nacional, datado de 26 de abril de 1881, firmado por João Marinho de Novaes Mello (filho do Major João Machado de Novaes Mello – Barão de Piaçabuçu, Tertuliano José Eliseu Canuto, Justino Pereira da Luz (pai de Jovino da Luz), João Hipólito de Souza, Joaquim Antônio Martins Sobrinho, Joaquim Serafim da Silva Graça e José Venustiniano Cavalcante (pai de Bráulio Cavalcante).
[iii] Nasceu em Belo Monte, Comarca de Traipu, Alagoas. Filho de José Pedro de Mello e Francisca Maria da Silva. Casou-se com Anna Josepha de Campos Mello, filha de Manoel Gonçalves de Campos e Thomázia Cardozo de Campos. na Matriz de Porto da Folha, Sergipe, a 23 de fevereiro de 1884, sendo celebrante o vigário de Porto da Folha, Pe. Francisco José dos Santos. Viúvo em 03/09/1893, casou-se com Clara Maria de  Souza Mello. Faleceu o Cel. Luiz José em Pão de Açúcar, a 08/08/1919, em Pão de Açúcar, aos 65 anos.
FONTE: AMORIM, Etevaldo A. TERRA DO SOL, ESPELHO DA LUA. Maceió, 2004.

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