Por De Castro e
Silva[i]
É ainda grande o prazer
que sinto ao ficar em contato com a Natureza, não como um panteísta, ajoelhado
perante ela, mas como um artista sedento de paisagem e harmonia, em todas as
suas cores, dando aos olhos uma alegria imensa.
Com esse desejo foi que
me decidi fazer uma excursão à Cachoeira de Paulo Afonso, esses 250.000 cavalos
vapor que correm, a esmo, num desperdício de força, sem que, até agora,
merecesse a boa vontade do seu aproveitamento integral.Cachoeira de Paulo Afonso - Queda "Os Três Mosqueteiros"
Eram 16 horas, num trem
da Great Western, quando larguei da estação central de Maceió, com os demais,
que, a despeito de vários pensamentos, se uniformizavam na vontade de ver a
cachoeira tão falada, que cada um imaginava a seu modo.
Sucederam-se as
estações e a noite caiu lentamente, quando o sol desapareceu por detrás dos
morros e dos canaviais que margeiam a estrada. Eram já 23 horas quando o trem,
cansado da subida, alcançou Palmeira dos Índios, ponto culminante desse ramal
da via férrea.
Pela manhã, ao nascer
do sol, saímos a respirar o ar cheiroso das manhãs, defendendo-nos dos “catabís”
ou “bacadas”, como se diz no Brasil central, existentes nos caminhos.
A vegetação desse
lugar, já no Sertão, é característica. Os cactos, a “coroa de frade”, o
“chique-chique” e marmeleiro enchem a paisagem por entre as pedras enormes,
tantas vezes aproveitadas por Lampião e seu grupo, em várias emboscadas.
Vão surgindo as
casinhas dos sertanejos e manadas de cabras moxotós, carneiros, os cercados de pedra,
e as plantações de palmas que os moradores, por causa das secas fazem,
previdentes.
Perto das 17 horas,
dentro da cidade da Pedra, no alto sertão alagoano, contemplamos o movimento
fabril por excelência. A par da pecuária e da agricultura regionais, ergue-se
uma bem aparelhada fábrica de fio, a maior ambição de um caboclo cearense que
conseguiu industrializar o algodão para a linha de coser – a tão falada “linha
da Pedra”.Estação Central de Maceió. Fonte: Site História de Alagoas.
Esse caboclo, que nunca
é demais repetir, é Delmiro Gouveia, o mais autêntico bandeirante dos sertões
nordestinos. Audacioso como todo cearense, e malgrado, como todos os que possuem
larga visão e combatem a rotina, Delmiro deu a Pedra um desenvolvimento e um
progresso tal que, enriquecendo as regiões circunvizinhas, viria a ser uma
larga fonte de turismo nacional.
É preciso visitar esse
deslumbramento para conhecer o valor e a capacidade criadora do seu realizador,
aproveitando a Paulo Afonso, em glorificação e tenacidade. Só assim poderá
observa a ousadia desse vencedor de obstáculos que parecem impossíveis de
vencer.
Delmiro deixou bem
gravadas, nas rochas de Paulo Afonso, há mais de 25 anos, um valioso exemplo a
seguir. No entanto... a nossa visita à cachoeira coincidiu com o vigésimo sexto
aniversário do crime que vitimou esse grande e esforçado, ferindo também, a
fundo, uma grande parte da economia nacional, a aproveitar com a força
hidráulica ali produzida.
*** ***
Num velho “Ford” de
bigodes virados e capotas de lona, quedamo-nos diante dessa cachoeira que Dom
Pedro visitou a 20 de setembro de 1859, 84 anos antes. Já se ouve, à distância,
o barulho de suas águas, despencando-se de uma altura considerável, e, pelo
caminho avista-se, aqui e ali, descoberto, o encanamento de umas 3 polegadas,
que conduz água para a fábrica da Pedra. Caminhamos agora a pé e daqui, do
“Alto do Imperador”, admirando a queda que nos fica em frente, o “véu da
noiva”, no lado baiano, a casa das máquinas encravadas nas pedras colossais, a
água espumosa e enredemoinhada que passa em procura do rio que corre – para
sentir em mistura com êxtases, a alegria, a tristeza de saber que ali, onde nos
encontramos agora, foram jogadas à água todas as máquinas que Delmiro adquiriu
e com que chegou a fábrica de linha de coser, concorrente de outra, de fama
mundial...
Recordamos sem querer
os versos de Olegário Mariano – “água corrente, vê que o teu destino é igual ao
destino da gente”...
Vamos passar agora com
um “trolley” velhinho que nos conduzirá ainda mais perto da cachoeira, à casa
das máquinas, à contemplação mais próxima desse assombroso panorama artístico!
Os nossos olhos deslumbram-se, o nosso coração parece que vai saltar e não
sabemos se, avançando ou parados, contemplaremos melhor esse quadro vivo que a
natureza nos mostra.
À direita, do lado de
Alagoas, os “Três Mosqueteiros” parecem esgrimir nas rochas e as suas
acrobacias e pelejas chegam até nós, trazida nas espumas, que se elevam ao
sentirem-se mais apertadas nos lados. Parece que uma noiva passou por aí a
arrastar o seu véu comprido. É isto o que nos lembra outra queda, à esquerda,
do lado da Bahia. A indecisão nos persegue e não sabemos para onde ir. Tudo nos
encanta e, perplexos, diante da Natureza, que é força e beleza, e da obra
realizada pelo homem, “que a conquistou para as grandes realizações da vida”,
como disse o jornalista Costa Rego, quando governador de Alagoas, andamos a
passos descuidados, invejando as andorinhas, que volteiam felizes sobre as
espumas, e as ervas, que se agarram às pedras brutas, molhadas
ininterruptamente pela água, que passa, numa vertigem louca... Por um mundo de
escadas de ferro e por um helicoidal, de 150 degraus, vendo a cachoeira e
abismo debaixo dos nossos pés, descemos para ver as máquinas possantes que a
coragem do nordestino Delmiro Gouveia, traiçoeiramente morto, por ser grande,
fez assentar na cachoeira, querendo aproveitar a sua força. Talhadas na rocha,
como os antigos egípcios fizeram, estão instaladas as turbinas, impulsionadas
por 3 dínamos trifásicos, de 7.000 volts.
Os canos que descem,
fazem uma sucção de 6.000 litros por segundo. Tem-se até agora apenas, um
aproveitamento de 1.500 HP.
Deixamos a casa das
máquinas e quisemos experimentar nova sensação. Trepamos numa caçamba, suspensa
por 2 cabos de aço ligando dois Estados que se olham através da cachoeira. Mais
um impulso e, eis-nos no meio do abismo de água e espuma, que passa dando mil
voltas e contorcendo-se no apertado das rochas marginais. Estamos a uns 200
metros de altura e a caçamba balança nos cabos, pondo os nossos nervos à prova.
Em baixo, formam-se lindos arco-íris, pela refração solar, e logo me lembrei de
haver admirado quadro idêntico em um dos últimos passeios de avião que fiz
sobre as salinas de Mossoró e Areia Branca, no Rio Grande do Norte.
Mais um impulso, e
chego às pedras da Bahia. Sobre elas, como o Cristo no sermão da montanha, tenho
a meus pés a água que passa cantando. As andorinhas continuam voando sem parar
e, em volta, por cima da cachoeira, numa frágil caçamba, pois tudo diante dela
se torna frágil e minúsculo... Revendo e subindo as mesmas escadas, deixo-me
fica, ainda uma vez, contemplando aquela maravilha.Excursionistas. Demócrito de Castro e Silva à esquerda.
Tentar descrever a
Paulo Afonso será tempo perdido, porque todas as palavras seriam pálidas, sem
justeza. Por isso apenas consegui deixar no álbum de impressões um quase nada
do muito que parecia falar dentro de mim: “A Paulo Afonso é o maior presente da
Natureza ao Brasil. Pena é que a sua queda seja ainda o “choro da energia
abandonada”! E foi por isso, também, que A. Austragésilo, aos escrever as suas
impressões, disse: “Feliz do home que puder gozar, um dia, a grandeza na
natureza brasileira representada pela bela, formidável e indômita Cachoeira de
Paulo Afonso”. E Castro Alves, em 1876, cantou-a, em oitavas camonianas, com a
grandeza da sua poesia e o segredo sublime de suas formosas rimas:
“A Cachoeira! Paulo
Afonso! O abismo!
A brica colossal dos
elementos
As garras do centauro
em paroxismo
Raspando os flancos dos
parcéis sangrentos
Relutantes na dor do
cataclismo,
Os braços do gigante
suarentos,
Aguentando o ranger
(espando! Assombro!)
O rio inteiro que lhe
cai no ombro!”
*** ***
Que bom seria que a
todos os brasileiros fosse fácil contemplar esta maravilha que nos pertence!
Se os matadores de Delmiro
Gouveia tivessem sabido admirar a Cachoeira de Paulo Afonso, não lhe teriam
assestado os rifles, porque haviam de ver naquele homem que descansava numa
rede, no alpendre, um novo Titã, alterando o próprio curso dos rios, dominando
a natureza para levar água às bocas sequiosas e às plantações crestadas pelo
sol.
Quem visitar Paulo
Afonso há de compreender as palavras do Cônego Luiz Barbosa: - “Nunca vi Deus
falar tão alto como na Cachoeira de Paulo Afonso”
*** ***
***
Transcrito da revista
VIDA DOMÉSTICA, Rio de Janeiro, Janeiro de 1944.
*** ***
Caro leitor,
Este Blog, que tem como
tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, contém postagens com informações históricas
resultantes de pesquisas, em geral com farta documentação e dotadas da
competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso
algumas delas seja do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que
faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário
registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.
Demócrito DE CASTRO E SILVA: Nasceu em Cruz do Espírito Santo, Estado da Paraíba, em 18 de setembro de 1913. Filho de Francisco Antônio da Silva e de Thereza da Silva Castro. A 5 de setembro de 1936, casou-se, em João Pessoa-PB, com Heloisa Machado de Castro e Silva, com quem teve os filhos Telmo de Castro e Silva e Tânia Maria.
Estudou na capital do
Estado, no Colégio Diocesano pio X e no Lyceu Paraibano, bacharelando-se em
Direito pela Faculdade do Recife, em 1946. Ainda, no Lyceu, De Castro e Silva
iniciou a sua carreira literária; fundou as Revistas O Álbum e Mocidade,
revistas que eram redigidas e datilografadas por ele mesmo e impressas nas
oficinas do Jornal A Imprensa. Exerceu a advocacia por algum tempo em João
Pessoa, depois, transferiu-se para São Paulo, onde manteve o seu escritório de
advocacia até se aposentar, mantendo, também, as suas atividades literárias.
Escrevia, regularmente, nos jornais A Imprensa e A União, colaborava com
freqüência em jornais e revistas de outros Estados. Escreveu nas Revistas Vida
Doméstica. Beira-Mar, Gazeta De Notícias, A Nação, Fru-fru e Revista da Semana,
do Rio de Janeiro; Revista O Globo, de Porto Alegre Correio do Povo de
Curitiba; Literatura e Arte, de Sérgio Millet, de São Paulo; A Gazeta, de São
Paulo; O Triângulo, I de Uberaba. Militou, ainda, na imprensa de Maceió, Goiás,
Maranhão, Bahia e Pernambuco e em La Vie Politique et literaire, de Bucarest,
Rumênia. Ele era poeta, romancista, contista e ensaísta. Ingressou na Academia
Paraibana de Letras em 10 de setembro de 1949, sendo recepcionado pelo
acadêmico Durwal Albuquerque. Trabalhos de sua autoria: Ritmos estranhos; Esse
colosso, o Brasil; Augusto dos Anjos- poeta da morte e da melancolia; Quatro
séculos de poesia; Classe média (duas edições); Maciel Pinheiro-peregrino
audaz(discurso de posse na APL); Augusto dos Anjos- o poeta e o homem; O arado
e o gafanhoto; Poemas da terra e do homem; Do bicho papão ao lobisomem. Em
elaboração: Os contos de Miquelina; Da importância política social e econômica
da classe média. Faleceu em São Paulo a (?) Fonte: https://novo.aplpb.com.br/academia/academicos/cadeiras-21-a-30/195-n-22-fundador-democrito-de-castro-e-silva-
Site da Academia Paraibana de Letras.
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