Etevaldo Amorim *
Os jornais são sempre uma boa fonte
de pesquisa para quem se interessa em desvendar os segredos do passado. Simples
episódios noticiados rotineiramente podem se transformar em peça chave para
dirimir qualquer dúvida do pesquisador. Do mesmo modo, a narrativa
pormenorizada de um fato oferece ao leitor a possibilidade de compreender
melhor a história e tirar dela os melhores ensinamentos.
Assim se dá com o jornal O
Trabalho, fundado em Pão de Açúcar no dia 4 de junho de 1882, por Achilles
Mello e Mileto Rego. Folheando suas páginas, pode-se saber, com riqueza de
detalhes, o modo como os pão-de-açucarenses ficaram sabendo da assinatura da
Lei Áurea pela Princesa Izabel.
Os repórteres do jornal
misturavam-se à multidão que aguardava a chegada do navio naquela manhã do dia
22 de maio de 1888. Quase 10:00 horas, todos os olhares se voltam para o morro
do Faria, onde o rio altera levemente o curso para a esquerda. Eis que surge o
vapor Maceió, da Companhia Pernambucana, atraindo a atenção de todos, desejos
de confirmar a notícia que circulava oficiosamente, inclusive por cartas
procedentes de Penedo, de que a Princesa Regente havia assinado a tão esperada
Lei desde o dia 13 daquele mês.
O tempo que levou o vapor para
cumprir o percurso até o porto, pouco mais de quatro quilômetros, parecia uma
eternidade, tal era a ansiedade dos que ali esperavam a comunicação oficial do
fato político que se tornaria um dos mais importantes de todo o Século XIX no
Brasil. Entre passageiros e cargas, desembarca também a mala do Correio.
Em frente à Travessa da Matriz, no
local que corresponde hoje ao Iate Clube Pão de Açúcar, explodem no ar diversas
girândolas, mandadas soltar pelo Juiz Municipal Dr. Luiz Gonzaga de Almeida
Araújo. Pouco mais abaixo, na saída da então denominada Travessa Gutemberg
(atualmente João Antônio dos Santos, mas que já se chamou João Pessoa e José da
Silva Maia), mais foguetes patrocinados pelos pretos saudavam a chegada do
vapor.
O foguetório, ainda que
intermitente, durou até a noite. Às dezenove horas, na Casa da Câmara, que
funcionava no mesmo sobrado em que se hospedou D. Pedro II em 1859, reuniram-se
as autoridades judiciárias, o Presidente da Câmara e um grande número de
pessoas, inclusive muitos negros, acompanhados de uma animada banda marcial.
O Presidente da Câmara, Sr. Manoel
Themóteo de Amorim pediu silêncio e leu o telegrama que recebeu do Presidente
da Província, Manuel Gomes Ribeiro (Barão de Traipu), que, como 1º
Vice-Presidente, sucedera Antônio Caio da Silva Prado, que deixou Alagoas para
presidir a Província do Ceará. A mensagem, que reproduzia Circular enviada a
todas as Províncias pelo Ministro da Agricultura - Deputado Rodrigo Augusto da
Silva,confirmava que fora sancionada a Lei que concedia liberdade plena a todos
os escravos brasileiros. Ao terminar a leitura, irromperam em aplausos e vivas
aos Deputados, à Princesa Regente e ao Ministério de 10 de Março. Esse
Gabinete, o penúltimo do Império, que chefiava o Governo no Sistema
Parlamentarista de então, era composto pelo Ministro da Fazenda, Senador João
Alfredo Correia de Oliveira, que o presidia; pelo Deputado José Fernandes da
Costa Pereira, Ministro do Império; pelo Deputado Antônio Ferreira Vianna,
Ministro da Justiça; Deputado Rodrigo Augusto da Silva, Ministro da
Agricultura; Senador Luiz Antônio Vieira da Silva; Senador Thomaz José Coelho
de Almeida, Ministro da Guerra e Senador Antônio da Silva Prado, Ministro dos
Estrangeiros.
Em meio a esta cerimônia, uma cena
comovente: Havia na Câmara um quadro com os retratos do Deputado Joaquim Nabuco
e do Dr. José Mariano. Um dos pretos quis saber quem eram e, quando lhe
disseram que eram os dois famosos abolicionistas pernambucanos, ajoelhou-se
diante do quadro e, na sua linguagem rude, agradeceu-lhes o benefício que
fizeram a ele e a todos os que há pouco viviam sob o jugo da escravidão.
Dali saíram todos em passeata a
percorrer as ruas da cidade. Muitas casas reforçavam a iluminação demonstrando
regozijo e apoio à manifestação, enquanto outras permaneciam em penumbra,
evidenciando franca oposição.
Em frente ao sobrado onde morava o
Dr. Jovino da Luz, uma pequena parada para ouvir dele uma bela poesia. Este foi
um dos mais importantes intelectuais de Pão de Açúcar. Na época com trinta e
três anos, além de poeta, já era doutor em Filosofia pela Universidade
Gregoriana de Roma. Logo depois o cortejo pára em frente à casa do Dr.
Francisco José da Silva Porto, digno Juiz de Direito da Comarca, ele que fora
nomeado em 18 de junho de 1883 pelo Presidente da Província Dr. Euthíquio
Carlos de Carvalho Gama. Ouviram dele um eloqüente discurso que terminou dando
vivas à Princesa Regente, aos Conselheiros Dantas e João Alfredo e a Joaquim
Nabuco.
Entrando pela Travessa da Matriz
(hoje Rua Padre José Soares Pinto), outra parada para ouvir a fala do Juiz
Municipal, que fez uma retrospectiva da luta abolicionista iniciada em 1830 com
a proibição do tráfico negreiro. Depois de percorrer outras artérias da jovem
cidade (Pão de Açúcar fora guinada a essa condição em 1877), a passeata seguiu
pela Rua do Comércio (hoje Av. Bráulio Cavalcante) para ouvir mais um discurso,
desta vez do Capitão João Alves Feitosa Franco.
Por fim, em frente à redação do
jornal O Trabalho, na Travessa Gutemberg nº 12-A, ouviu-se novo discurso do
Juiz Municipal Dr. Gonzaga Araújo, que ressaltou o papel da imprensa na luta
contra a escravidão. Foram então lembrados os nomes de Joaquim Nabuco, Quintino
Bocaiúva, José do Patrocínio e outros. Falou ainda o Professor Soares de Mello,
assegurando que a verdadeira liberdade da Nação brasileira se conquistava
naquela data, pois que se tornavam todos os homens iguais perante a Lei.
Dali foram todos para a Rua da
Praia (Av. Ferreira de Novaes) onde se concentravam os festejos dos pretos.
Deram vivas ao Imperador, à Princesa Regente, ao Gabinete de 10 de Março e aos
abolicionistas de um modo geral. Os negros, como que para retribuir o apoio das
autoridades e de todos os partidários da sua causa, ofereceram-lhes um bem
preparado chá, de que todos compartilharam com incontida satisfação.
Já passava das dez horas da noite
quanto terminou essa pequena cerimônia. Então os libertos, e somente eles,
começaram a tradicional dança do Côco, que demorou até as cinco da manhã.
O jornal também noticia, por seu
correspondente, o reflexo da boa nova em Traipu. Naquela vila, que logo se
tornaria cidade, havia apenas quarenta e um escravos. Mesmo assim, sabedores de
que estava sendo discutido o Projeto que culminaria na Lei Áurea, retiraram-nos
para fora da vila, tencionando mantê-los por mais tempo sob seu domínio.
Recebida a notícia oficial da
promulgação da Lei de 13 de Maio, o Juiz Municipal Dr. Miguel de Novaes Mello,
que viria a ser, em 1892, o primeiro Prefeito de Pão de Açúcar, tratou de
divulgá-la a todos os habitantes de sua jurisdição.
A exemplo do que ocorreu em Pão de
Açúcar, os abolicionistas locais organizaram uma passeata, com banda de música
e cerca de seiscentas pessoas. Durante a caminhada, alguns discursos: do Dr.
Juiz de Direito da Comarca, além dos doutores Manoel Leopoldino Pereira Netto,
Octaviano Rodrigues de Carvalho, Florentino de Barros Abreu e Araújo Jorge; do
Capitão Mariano Joaquim Cavalcante e do Alferes Manoel Firmino Menezes Mattos.
Ao passar pela casa do Capitão
Henrique Méro, a passeata, com a bandeira imperial à frente, foi saudada por
uma salva de vinte e um tiros. Todos pararam para ouvi-lo.
Tal como fizeram os negros e
abolicionistas destas duas pequenas localidades alagoanas, muitas outras, em
todos os recantos do País, festejaram com todo o entusiasmo a libertação total
dos escravos. E levaram dias e dias, pela dificuldade de comunicação. Como
vimos, só nove dias depois se soube, de forma oficial, da assinatura da Lei. A
rigor, demorou mais tempo do que a própria tramitação do Projeto no Congresso:
três dias no Senado e dois dias na Câmara. O próprio Vice-Presidente Manoel
Gomes Ribeiro, em relatório à Assembléia Provincial - relata:
“Este memorável acontecimento foi
recebido em quase todos os pontos da Província com as maiores expansões de
júbilo, tocando ao delírio o regozijo popular nesta capital, onde durante oito
dias não cessaram as manifestações de contentamento, sendo sempre
entusiasticamente saudados o Imperador, a augusta Princesa Imperial Regente, o
Ministério e os mais salientes propugnadores da abolição.
Cabendo-me a gloriosa tarefa de pôr
em execução na Província a áurea Lei, apenas tive conhecimento oficial de sua
promulgação, dirigi-me por ofício ao Juiz de Direito e Câmara da Capital e por
telegrama aos Juízes e Municipalidades das demais comarcas para que tivesse ela
imediata publicidade e produzisse logo seus humanitários efeitos.
Assim, em toda a Província,
conforme os intuitos da Lei, entraram sem grande demora na comunhão dos
cidadãos brasileiros os 15.269 indivíduos que, em face da nova matrícula, ainda
permaneciam em lastimável cativeiro.”
Alegra-nos saber que a sociedade
brasileira (e alagoana, em particular) soube comemorar condignamente um fato de
tamanha magnitude. A Lei 3.353, de 13 de maio de 1888 pôs fim a um período
vergonhoso da história do Brasil. Com ela puderam obter a liberdade cerca de
720 mil escravos em todo o País. As conseqüências, seja do ponto de vista
social, seja sob o aspecto econômico são dignas de estudo e de reflexão. Mas,
esse já é outro assunto.
(*) É autor do livro Terra do Sol,
Espelho da Lua. Este artigo foi publicado no caderno Saber do jornal Gazeta de
Alagoas em 03 de maio de 2008.
Joaquim Nabuco
José Mariano
Jornal O Trabalho
Pão de Açúcar, 1888. Fotos: Adolpho Lindemann.
COLEÇAO PRINCESA ISABEL: FOTOGRAFIA DO SECULO XIX
Bia Correa do Lago, Pedro Correa do Lago