Por Etevaldo Amorim
Dr. Sampaio Dória. |
Na montagem do ministério, foi escolhido para a Pasta da Justiça e dos
Negócios Interiores o renomado professor da Faculdade de Direito de São Paulo,
o Dr. Antônio de Sampaio Dória. Coube-lhe desempenhar a brilhante tarefa de
preparar a Nação para o pleito de que resultou a formação da Assembleia
Nacional Constituinte e, ao mesmo tempo, a eleição, pelo voto popular, do
Presidente da República. Ele foi o primeiro a ser empossado. Em seu discurso, procurando
definir a conjuntura política, assim se expressou[i]:
“Mas,
em verdade, estou deslumbrado com os sucessos políticos desses últimos dias. Assistimos
a um fenômeno singular na história das instituições políticas: deporem as
forças armadas a um ditador, e não instituírem, em substituição, outra
ditadura. No interregno entre a queda do poder ilegítimo e eleição popular,
apelam as forças vitoriosas para a imparcialidade do Poder Judiciário. Não foi
a cobiça do poder que as impulsionou; mas o sentimento de suas
responsabilidades para com a Nação em cujo seio se formaram. Acima de tudo,
colocaram o ideal da Pátria com instituições liberais, justiça efetiva e
opinião pública organizada. Nessa atitude que acabam de ter, há um exemplo
digno de memória: o desprendimento, a energia e o patriotismo, como nunca houve
em revolução nenhuma do mundo, em lugar dos institutos de caudilhismo, que
desgraçam os povos sem cultura política. A Nação, que nestes últimos meses as
vem acompanhando, vibrante e apreensiva, tem motivos do mais justificado
orgulho pela nobreza de que acabam de dar lição. Nelas repousam a segurança da
ordem e da justiça, até a volta do país à legítimo”.
Ao final, em declaração aos jornalistas presentes, afirmou que não
haveria delito de opinião e que o pensamento e a doutrina eram livres,
acrescentando: “Ninguém será preso por ser comunista, ou ateu, ou adotar a
corrente política que entender”
Especificamente quanto aos comunistas, fora o próprio Sampaio Dória que,
pouco tempo antes, enquanto Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, e em que
pese algumas diligências, subscreveu Parecer favorável ao Registro Provisório
do Partido Comunista do Brasil – PCB. Assim os comunistas puderam participar
das eleições, elegendo um Senador, Luiz Carlos Prestes, e uma aguerrida bancada
de Deputados Federais constituintes[ii],
até terem seus mandados cassados, em 1948, como consequência da cassação do
registro do Partido.
O Ministro da Justiça comandou o processo eleitoral. Em 20 de novembro
de 1945, expediu telegrama aos Governadores e Interventores Federais nos
Estados instruindo-os para a obediência ao Decreto-Lei nº 8.188, de 20 de
novembro de 1945. Segundo ele, os Prefeitos que até o mês anterior tivessem
sido membro de diretórios partidários, deveriam ser afastados e, assumindo o
expediente das Prefeituras o Juiz de Direito da Comarca. Foi assim que, em Pão
de Açúcar, por exemplo, foi afastado o Prefeito Augusto Machado, em 22 de
novembro de 1945, assumindo o comando do município o Dr. Olavo Acioli de Moraes
Cahet Filho, Juiz de Direito da Comarca, até o dia 4 de dezembro do mesmo ano,
quando retornou o titular.
Na
véspera das eleições, Sampaio Dória recebe jornalistas para uma entrevista,
entre estes Assis Chateaubriand, de terno branco, de perfil, à sua direita. Foto:
Arquivo Nacional.
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Dia 2 de dezembro de 1945. Dr.Sampaio
Dória exercendo o direito do voto após quinze anos de ditadura. Foto: Arquivo
Nacional.
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22 de dezembro de 1945. O Dr. Sampaio
Dória embarcando para São Paulo com membros de sua família. Foto: Arquivo
Nacional.
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Por problemas de saúde, deixou o cargo a 8 de janeiro de 1946, antes
mesmo de chegar ao fim o governo interino do Presidente José Linhares. Ficou respondendo
pelo expediente o Dr. Teodoro Camargo, titular da Agricultura.
Vale a pena conhecer um pouco da história desse ilustre alagoano.
O jovem Sampaio Dória. Fonte: O Imparcial. |
ANTÔNIO DE SAMPAIO DÓRIA[iii]
nasceu a 25 de março de 1883, em Belo Monte, Estado de Alagoas. Filho de
Cândido Soares de Mello Dória, de origem sergipana, e de Cristina Leite
Sampaio. No livro n. 1 de Batizados dessa Paróquia, a fls. 39-verso, consta o
assento de seu batismo, feito pelo padre Antônio Soares de Mello, a 5 de agosto
de 1888, sendo seus padrinhos Fortunato Francisco de Oliveira e d. Josefina
Leite Sampaio. Em sua terra iniciou apenas os estudos, tendo como professor seu
irmão mais velho, Pedro Soares de Sampaio Dória.
Em 1877, seu pai transferiu a residência de Lagoa Funda (atual Belo
Monte) para Pão de Açúcar[iv],
e em 1889, decidiu transferir-se com a família (mulher e onze filhos) para São
Paulo. Lá continuou como vendedor ambulante, vendendo móveis e utensílios para
casa, de cidade em cidade, até estabelecer-se em Santa Cruz do Rio Pardo, no
Oeste do Estado. Dalí atingiu Jacarezinho, no Norte do Paraná, onde adquiriu
fazenda de café.[v] Aliás,
ainda em Alagoas, e por volta de 1875, atuava como Caixeiro Despachante,
representando a empresa do italiano José Jacome Tasso.[vi]
Aliás, a origem dos Dória é italiana, tendo constituído no Brasil ramos em São
Vicente e na Bahia (que abrangia o território de Sergipe), mais precisamente na
região de Propriá (daí os Costa Dória, Rodrigues Dória, Seixas Dória).
O jovem Antônio pode, então, completar o curso primário e prosseguir nos
estudos secundários no Colégio Silvio de Almeida, prestando exames de
preparatórios.
Em 1904, matriculou-se na Faculdade de Direito, diplomando-se Bacharel
em Ciências Jurídicas e sociais, colando Grau em 10 de dezembro de 1908. Aliás,
seu irmão Pedro, que fora seu primeiro professor, o precedera no curso de
Direito, tendo sido fundador e primeiro Presidente do famoso Centro Acadêmico
XI de Agosto, da Faculdade do Largo de São Francisco.
O Professor Antônio de Sampaio Dória |
Foi professor, durante alguns anos, do Ginásio Macedo Soares, exercendo
ainda o cargo de vice-diretor do Externato. Em 1914, após brilhante concurso,
em que se classificou e m 1.° lugar, foi nomeado professor catedrático de
Psicologia, Pedagogia e Educação Cívica, da Escola Normal Secundária da
Capital.
Inscreveu-se, em 1919, no concurso para professor substituto da 2.a
Secção, (Direito Público e Constitucional, Direito Internacional Público e
Privado), desta Faculdade. Reuniu suas dissertações de concurso no volume
Problemas de Direito Público. Aberto concurso para provimento do cargo de professor
substituto da 5.a Secção.
Durante o curso jurídico, dedicou-se ao ensino no antigo Ginásio Macedo
Soares, onde regeu a cadeira de Psicologia e Lógica e, na Escola de Comércio
Álvares Penteado. Uma vez diplomado, por pouco tempo exerceu a advocacia, para
dedicar-se ao jornalismo, ocupando o lugar de Redator-chefe de O Imparcial, do
Rio de Janeiro. Voltando a São Paulo, concorre, em 1914, à cadeira de pedagogia
da Escola Normal da Praça da República, que obteve após brilhantes provas.
Em 1920, sendo ainda professor da Escola Normal, por convide do Presidente
do Estado de São Paulo, Washington Luiz, foi chamado à direção geral da
Instrução Pública do Estado, tendo tido a oportunidade de realizar uma profunda
reforma no aparelhamento escolar paulista. Sua administração foi assinalada com
medidas de grande alcance prático, como o recenseamento escolar, pela primeira
vez realizado no Brasil, a criação das delegacias regionais de ensino, a escola
alfabetizante, a unificação das escolas normais, a sistematização da prática
pedagógica, a organização da assistência escolar, além de outras.
Deixando o cargo na Instrução Pública, a 2 de maio de 1921, foi algum
tempo depois convidado para superintender o Banco de São Paulo. Vagando-se, em
1925, a cadeira de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de São Paulo,
o Dr. Sampaio Dória a ela concorre, obtendo o primeiro lugar e sendo nomeado catedrático.
Homenagem de seus amigos ao Dr.
Sampaio Dória por ocasião da sua nomeação para a Faculdade de Direito de São
Paulo. Foto: Fon-Fon, 5 de fevereiro de 1927.
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Sempre ligado aos ideais de ensino e à sua propagação, fez parte do
primeiro Conselho Diretor do Liceu Franco-Brasileiro e presidiu o Liceu
Nacional Rio Branco, de que é um dos fundadores. Dentre suas obras, vale destacar: Princípios da Pedagogia (1914);
Ensaios (1915); O que o Cidadão deve Saber (1917); Problemas de Direito Público
(1919); A Questão Social (1920); Questões do Ensino (1923); Como se Aprende a
Língua (1922); Como se Ensina (1922); Psicologia – 2ª edição (1928, 1930); Princípios
constitucionais (1926); O espírito das democracias (1925); e “Sobre a formação
da linguagem”.
Aos 81 anos de idade, vítima de infarto, faleceu em São Paulo, a 26 de
dezembro de 1964, sendo sepultado no mesmo dia, às 16;30 h, no cemitério de São
Paulo. Compareceram diversas personalidades, entre elas o reitor da USP Prof.
Luiz Antônio da Gama e Silva e o advogado João de Oliveira Filho.[vii]
Era casado com Estefan Carvalho de Sampaio Dória (conhecida por Fanny),
com que teve os filhos Luiz Antônio de Sampaio Dória (casado com Jandira de
Sampaio Dória), Maria Helena Dória Leme da Fonseca, casada com Antônio Leme da
Fonseca; Maria Regina Dória Ribeiro, casada com Pedro Surreaux Ribeiro; e Omar
de Sampaio Dória, casado com Lúcia Goulart.
Em 1968, atendendo o seu desejo, a família doou o acervo de sua
biblioteca particular à Faculdade de Direito de Alagoas. Em sua terra natal, e em São Paulo, há escolas com o seu nome e, em
Maceió, uma rua em Ponta Grossa.
Grupo Escolar Sampaio Dória em Belo Monte, 1965. |
Belo Monte - 1869. Foto: Abílio Coutinho (disponível IMS). |
Belo Monte, década de 1960. Fonte: IBGE. |
Belo Monte, foto recente. Fonte: http://www.alagoasnumclick.com.br/municipios/belo-monte. |
[i]
Diário Carioca, 1º de novembro de 1945.
[ii]
Carlos Marighela, Gregório Bezerra, Jorge Amado, João Amazonas, José Maria
Crispim, Maurício Grabois, Joaquim Batista Neto, Milton Cayres de Brito,
Agostinho Dias de Oliveira, Alcedo Coutinho, Claudino José da Silva, Alcides
Sabença, Osvaldo Pacheco e Abílio Fernandes.
[iii]
Antônio de Sampaio Dória, por Ernesto Leme.
[iv] Jornal do Penedo, 22 de junho de 1877.
[v]
Museu da Pessoa, relato de Fábio Dória do Amaral, disponível em http://www.museudapessoa.net/pt/conteudo/historia/historia-de-vida-45489.
[vi]
Jornal do Recife, 12 de maio de 1875.
[vii]
Correio da Manhã, RJ, 29 de dezembro de 1964, p. 3.
Etevaldo Amorim, leituras como esta que acabo de fazer além de me agregar conhecimento, me dar enorme prazer por tê-la recebido de você, um ex-colega de escola e a quem tenho uma grande satisfação em fazer parte do ciclo de amizades.
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