Por
Etevaldo Amorim
Padre José Soares Pinto |
Sempre
que posso, recorro aos arquivos da Paróquia de Pão de Açúcar, repositório de
valiosos documentos da história daquela cidade sertaneja do São Francisco. Numa
dessas visitas, entre uma pilha de livros de assento de nascimentos, casamentos
e óbitos, lanço mão do Livro nº 05, que contém uma nota de significativa
importância. Ali, o vigário de Belo Monte, que substituía o titular da
paróquia, anotou o fato contristador:
“Aos dois de
fevereiro de mil, novecentos e trinta e nove, no Rio de Janeiro, em Madureira,
Freguesia de São Luiz de Gonzaga, na residência do Monsenhor Achilles Mello,
vigário da Paróquia, faleceu piedosamente, confortado com todos os sacramentos
que a Santa Igreja concede in articulo
mortis, o Revmº Vigário desta Paróquia de Pão de Açúcar, o sempre saudoso
Pe. José Soares Pinto, que, aos seus últimos momentos, ainda pronunciou
palavras de saudades para sua cara Paróquia. Ao seu funeral compareceram muitas
pessoas, inclusive alguns Sacerdotes que o acompanharam até o Cemitério de
Jacarepaguá, onde está sepultado em túmulo, e mais uma vez foi encomendada a
sua alma. E para constar mandei fazer este assento que assino. O vigário
encarregado, Pe. Jasson Souto”
Falecia,
longe de seus conterrâneos, o Padre José Soares Pinto. O Monsenhor Achilles
Mello, vigário de Madureira, seu primo, que o acolheu no Rio de Janeiro para
onde fora em busca de tratamento, faz publicar no jornal A Noite, edição daquele
mesmo dia 2 de fevereiro, uma nota de falecimento, convidando os amigos para o
seu sepultamento, às 16:00 horas, no cemitério de Jacarepaguá, saindo o cortejo
da sua residência, à rua Cândido Benício, 698.
A
morte o levou aos 55 anos, interrompendo uma trajetória de intensa atividade,
tanto na prática religiosa como na atividade política. Difícil dizer em qual
delas foi mais efetivo. Fiquemos, então, com esses breves traços sobre a vida
dessa destacada personalidade pão-de-açucarense, que foi um dos mais destacados
clérigos de Alagoas, estando à frente da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus
durante 29 anos.
Em
artigo de publicado na Gazeta de Alagoas, edição de 21 de novembro de 1954,
Adherbal de Arecippo o descreve como possuidor de boa dicção e voz potente, a
qual, ajudada pela acústica do templo, dispensaria alto-falantes. Destaca ainda
uma de suas grandes qualidades: a elevada atenção e piedade com que ele atendia
aos moribundos que necessitavam e pediam a sua assistência espiritual nos
últimos instantes da existência humana.
Era
filho do Capitão José Soares Pinto e de Rosa Maria Dória; esta, filha de
Bernardo Machado da Costa Dória e de Maria das Dores da Costa Dória.
Sendo
sua mãe natural do povoado Mocambo, município de Porto da Folha, Estado de
Sergipe, situado na margem oposta do rio São Francisco, e sendo comum naquele
tempo as primíparas terem seus filhos sob os cuidados da mãe, nasceu a 8 de
fevereiro de 1884 naquele pequeno lugarejo fronteiriço ao morro do Farias, acidente
geográfico de Pão de Açúcar e referência natural dos que por ali navegavam.
Em
1902, ainda aos 18 anos, iniciou seus estudos no recém-criado Seminário de
Alagoas, fundado pelo bispo D. Antônio Brandão, instalado a 15 de fevereiro
daquele mesmo ano, funcionando provisoriamente na cidade de Alagoas (hoje
Marechal Deodoro). O jornal penedense A Fé Cristã, em sua edição de 22 de
novembro, noticia a presença, naquela cidade sanfranciscana, dos seminaristas
daquela cidade que, oriundos do Seminário de Maceió, que para ali retornavam
para passar férias, entre eles José Soares Pinto.[i]
No
dia 10 de novembro de 1907, então com 23 anos, em Ato do bispo D. Antônio
Brandão, o então Diácono recebeu o grau de Presbítero, juntamente com Júlio
Albuquerque e Affonso Tojal.[ii]
Já
ordenado, achava-se em Pão de Açúcar quando foi chamado para ocupar a Freguesia
em Maceió, durante a ausência do Cônego Machado e de seu coadjutor[iii] e já em 20 de maio de
1909 tomou posse como vigário da Freguesia de Nossa Senhora Mãe do Povo, em
Jaraguá.[iv] Foi nomeado vigário de
Pão de Açúcar e 13 de outubro de 1910.
O Padre Soares Pinto com um
grupo de teatro amador de Pão de Açúcar, em 1916. Fonte: Pão de Açúcar,
história e efemérides, Aldemar de Mendonça.
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Não
tardaria, entretanto, que lhe aflorasse a vocação política. Tanto que, em 1917,
adere à campanha do General Gabino Besouro, participando como sócio de um Centro
Cívico em prol daquela candidatura. Com efeito, em excursão do candidato ao
interior do Estado, este visitou Pão de Açúcar. Na ocasião, hospedou-se na casa
do Cel. Perdiliano de Carvalho Mello, mas visitou o Padre Pinto, que lhe ofereceu
um brinde de champanhe.[v] O Coronel Perdiliano,
aliás, já presidia um Centro Cívico Pró-Gabino Besouro, que se compunha com os
seguintes membros efetivos: Pedro Souto, Olegário Simas, e Theodoro Barbosa,
além do Dr. Manoel Lyra como orador e Euclydes Souza como tesoureiro.
O Padre Pinto acompanha
distribuição de víveres para os flagelados da enchente de 1919, em Pão de
Açúcar.
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Eleito
Deputado, em 2 de abril de 1923, assiste à abertura dos trabalhos da Assembleia
Estadual.[vi] No ano seguinte,
juntamente com Euclides Malta, Eusébio de Andrade, Araújo Gois, Natalício
Camboim, Alipio Minervino da Silva, os Coronéis João Lessa e José Malta de Sá,
Antônio Florentino e Manoel Francelino dos Santos, assina manifesto de apoio às
candidaturas do Dep. Federal Costa Rego e do Dr. Luiz Torres para Governador e
Vice-Governador, respectivamente.[vii]
Em
1927, lança-se candidato ao Prefeito. A imprensa pernambucana repercute o fato
com destaque:
“Em Pão
de Açúcar, o candidato apresentado por uma das correntes em que se bifurcou ali
o Partido Democrata, encontrará o antagonismo de outra corrente, que lançará a
candidatura do respectivo vigário da Freguesia, Padre José Soares Pinto,
ex-Deputado Estadual.
Este
último candidato é amparado pelos mais valiosos elementos daquela Unidade do
Estado, e reúne todos os requisitos indispensáveis para merecer espontâneos e
entusiásticos sufrágios populares.
Espírito
moderado, cheio de abnegação e tolerância, o Padre José Soares Pinto granjeou a
estima de todos os seus paroquianos, dispondo de ótimos recursos que lhe
assegurarão completa vitória sobre o seu competidor.
Num
pleito livre, como vai ser o de 7 de novembro, os pao-de-açucarenses
absolutamente não abandonarão o seu respeitável cura, que até hoje nunca visou
o seu proveito pessoal, tendo-se consagrado, com o maior fervor, ao bem da
sociedade em cujo regaço nasceu e tem vivido. ”[viii]
Naquele
Pleito, o Padre sagrou-se vencedor contra o Cel. Perdiliano por 189 a 136
votos.[ix]
Ainda
hoje é lembrada essa campanha. Havia até uma musiquinha cantarolada pelos seus
adversários. Algo assim:
“Linda morena, eu quero ver,
Nessa
eleição, Padre Pinto vai perder.
O
Padre Pinto já mandou tocar o sino
No
salão da Prefeitura, onde está seu Agripino...
Linda
morena eu quero ver...”
Mas, Perdiliano não era o
único adversário do Padre Pinto. O colunista João Domingos, do Jornal Pequeno,
do Recife, falando acerca do ódio dos inimigos políticos ao político
pernambucano Etelvino Lins, lembra o ódio de um político de Penedo, em relação
ao Padre. Dizia esse adversário:
- Aquele sujeito é tão
desgraçado que nem ao menos tem uma amante, como vários dos seus colegas, para
a gente falar dele.
O fato é que, como
Prefeito, Soares Pinto foi bastante efetivo. Em 1929, contribui
consideravelmente com o Governo Estadual, tendo à frende o Dr. Álvaro Corrêa
Paes, na ampliação da malha viária, abrindo novas estradas, continuando os
esforços iniciais dos governadores Fernandes Lima e Costa Rego. O primeiro, diz
o Diário de Pernambuco em sua edição de 13 de outubro de 1929, “pôs em comunicação franca a metrópole do
Estado com o extremo Norte, abrindo uma rodovia, que é geralmente louvada pelos
serviços que presta a uma região de difícil acesso”.
A
Costa Rego coube ligar Maceió ao Pilar e à Zona Sul de Alagoas. Por fim, veio o
Dr. Álvaro Paes, que visou a região sertaneja. Mandou abrir a estrade de
Atalaia a Palmeira dos Índios e conseguiu com que as prefeituras dos municípios
adjacentes se comprometessem em fazer outras estradas de interesse local,
propiciando, mediante autorização legislativa, a concessão de pequenos empréstimos.
E prossegue o mesmo jornal: “Dessas
estradas de interesse local se salientam pela perfeição de seu acabamento a que
se dirige de Pão de Açúcar para Santana do Ipanema e a que vai desta para
Palmeira dos Índios.”, para depois
concluir: “Os gabos que se fazem a essas rodovias
são unânimes e recaem sobre os prefeitos que as fizeram: o Padre Soares Pinto,
de Pão de Açúcar; e Graciliano Ramos, de Palmeira dos Indios.”
Cabe
destacar, conforme Mensagem do Governador Álvaro Paes ao Congresso Legislativo,
em 19 de novembro de 1929, que coube ao Prefeito de Santana do Ipanema, Sr.
Ormindo Barros, a construção das referidas estradas nos trechos incluídos em
seu território, isto é, da cidade até Olho D’Água das Flores e, por outro lado,
da Sede até o limite com Palmeira dos Indios, totalizando aqui 14 km.
Em
1930, o Padre Pinto recebe o Governador Álvaro Paes, que em viagem de oito dias
pelo interior do Estado inspecionando obras de estradas, participa de reunião
para a criação do Banco Agrícola de Pão de Açúcar, com capital inicial de Cinquenta
Cotos de Réis.[x]
O
jornalista Garcia de Rezende, colunista do jornal carioca Diário de Notícias,
que esteve em Alagoas com o fim de observar os resultados da Revolução de 30,
relata uma viagem que fez em companhia do Padre Soares Pinto, de Penedo a
Maceió. Em oito horas de viagem, num “fordinho” sujo e desengonçado, o padre,
que segundo o jornalista, envergava uma batina enlameada e rota, trazia na face
visíveis sinais de abatimento. Inquirido sobre as razões do seu desalento,
esboçou um sorriso amargo e desabafou:
“Acabo de viver dez dias no mato, acossado de
perto pelo bando de Lampião. O facínora entrou com os seus cabras em Pão de
Açúcar, levando os seus habitantes a viver horas amargas de provação. O senhor
não pode imaginar o que significa, como espetáculo de degradação humana, a
passagem do bando de Lampião por um povoado. É uma tragédia imensa. O país
possui exército, polícia, aviões, metralhadoras, mas Lampião continua a
infelicitar o Nordeste com o seu bando sinistro. Quanto mais o perseguem mais
sanguinário e forte ele se torna, elevando-se à condição de Rei da horda do
cangaço. Amanhã ou depois essa horda sinistra virá fazer o saque e a matança no
litoral”.
Por
Ato de 6 de setembro de 1934, o Interventor Federal, Sr. Osman Loureiro,
exonera, a pedido, o Sr. Augusto de Freitas Machado e nomeia o Padre Pinto para
o cargo de Prefeito.[xi]
Prefeito
pela segunda vez, assim que toma posse, encaminha telegrama ao Interventor
comunicando a composição do Partido Republicano Conservador em Pão de Açúcar:
Presidente: Padre José Soares Pinto; Secretário: farmacêutico Antônio de
Freitas Machado; membros: Manoel Pastor da Veiga, João Freias, Mário Soares
Vieira, Manoel Rego, José Gonçalves Filho e Antônio Silva Pereira. (Diário de
Pernambuco de 21 de setembro de 1934).
Em 8
de janeiro de 1935, conforme noticia o Jornal do Brasil, em edição do dia 16
daquele mês e ano, o mesmo Interventor o exonera para nomear Seraphim Soares
Pinto.
[i] A
Fé Crhistã, 11 de janeiro de 1902, p. 3.
[ii]
GUTENBERG, 10 de novembro de 1907, p. 2.
[iii]
GUTENBERG, 24 de janeiro de 1908.
[iv]
GUTENBERG, 20 de maio de 1909.
[v]
CORREIO DO POVO, 18 de novembro de 1917, p. 2.
[vi]
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 17 de abril de 1923, p. 4.
[vii]
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 9 de março de 1924, P. 5.
[ix]
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 17 de novembro de 1927, p. 5.
[x] O
MUNICÍPIO, Seabra, BA, 2 de fevereiro de 1930, p. 2.
[xi]
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 18 de setembro de 1934, p. 4.
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