Por Etevaldo
Amorim
Ainda ao tempo do
Império, durante o Governo do “Gabinete de 7 de março”, chefiado pelo Visconde
do Rio Branco, o Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Dr. José
Fernandes da Costa Pereira Júnior, pensou em estabelecer no Brasil uma
exploração regular e sistemática do seu vasto território. Assim, em Aviso
dirigido ao Dr. Charles Frederick Hartt[i],
em 30 de abril de 1875, comunica os objetivos e o nomeia para Chefe da
Comissão:
“O
governo imperial resolveu mandar proceder aos estudos preparatórios para o
levantamento de uma carta geológica do Império. Esses estudos deverão
habilitá-los a conhecer, dentro de alguns anos, a estrutura geológica do país,
a sua paleontologia, a riqueza dos seus minerais e facilidade de explorá-los”.
Nesse mesmo expediente,
o Ministro autoriza o Dr. Hartt a contratar os ajudantes de que necessitar. Assim,
em Portaria do Ministério da Agricultura, de 30 de abril de 1875, foram
nomeados os seus membros: Chefe: Carlos Frederico Hartt; Richard Rathbum; John
Casper Branner; Orville A. Derby e dois engenheiros brasileiros, Francisco José
de Freitas e Elias Fausto Pacheco Jordão,
Dela faziam parte, ainda, Frank de Yeaux Carpenter (Engenheiro Civil, formado
na U. de Cornell) e Herbert H. Smith e Luther Wagoner.
Já em final de 1875, Pacheco
Jordão envia ao Jornal do Recife ligeiras notas do que observara do decorrer
dos trabalhos da Comissão, publicada na edição de 17 de fevereiro de 1876, que
ao final transcrevemos.
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Dr. Elias Fausto Pacheco Jordão |
O
Dr. Elias Fausto Pacheco Jordão nasceu em São João do Rio Claro (SP), a 18 de
fevereiro de 1849. Era filho de José Elias Pacheco Jordão e de Marcolina da
Silva Prado Jordão. Seu pai foi Deputado Provincial em São Paulo.
Após
o curso primário em Rio Claro, matriculou-se no Seminário Episcopal, na capital
paulista, mas não se adaptou ao clima e mudou-se para Itu. Residiu um breve
período no Rio de Janeiro e mais uma vez voltou para Itu, onde estabeleceu uma
casa de comércio. Para completar os estudos superiores, viajou para os Estados
Unidos e formou-se em Engenharia Civil na Universidade de Cornell, em 2 de
julho de 1874. Fonte: CPDOC, Fundação Getúlio Vargas. Foi o primeiro brasileiro
a estudar Engenharia Civil na Universidade de Cornell, onde se doutorou em
1874, no mesmo ano do doutoramento de Orville Derby.
Elias
Fausto Pacheco Jordão, que também foi Deputado Federal por São Paulo, faleceu em
Paris, no dia 26 de março de 1901.
Em1875, integrou a
Comissão Geológica, chefiada pelo canadense (naturalizado americano) Charles
Frederick Hartt. (ver http://blogdoetevaldo.blogspot.com/2018/06/o-baixo-sao-francisco-na-rota-da_0.html)
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Universidade de Cornell_O Novo Mundo_New York_24/06/1871 |
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EXCURSÃO
AO BAIXO S. FRANCISCO – DESCRIÇÃO GEOLÓGICA – A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO
Senhores Redatores d’A
Província,
Diversos motivos
obrigaram-me a demorar a notícia que havia prometido dar sobre a viagem ao
Baixo S. Francisco, e só agora é que posso enviar esta ligeira nota.
A 16 de setembro,
partimos da cidade do Recife para Penedo, via Maceió. A 19, entramos no rio S.
Francisco, cuja foz, larga bastante, porém obstruída por grandes bancos de
areia, só oferece um canal estreito para passagem dos vapores, sendo esta
bastante difícil e algumas vezes perigosa.
O panorama aí é
magnífico: aqui são casas de palha de pescadores, grandes montes de areia de
forma cônica, formadas pelo vento; ali ilhas e vegetação luxuriosa como que
comprovando a fecundidade do solo.
Os terrenos em ambas as
margens são baixos e planos, até pequena distância de Penedo (7 léguas); eles
consistem geralmente em areia com uma camada superficial de argila aluvial de
cor amarela escura, o que os torna muito férteis e apropriados à cultura da
cana, algodão , mandioca, etc.
Infelizmente, porém,
eles são pouco cultivados, e as plantações que existem são pequenas; a margem
direita, província de Sergipe, é a mais aproveitada, principalmente nas
imediações da povoação de Piaçabuçu, onde o fabrico do açúcar e cachaça é de
alguma importância, apesar do atraso dos agricultores e dificuldade que o
sistema usado cria por si mesmo.
Depois de duas e meia
horas de viagem, chegamos a Penedo, cidade antiga, construída pelos holandeses,
com população de 8.500 habitantes.
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Vista do Penedo_AL vendo-se o platô terciário ao fundo, na Vila Nova, atual Neópolis. Foto Marc Ferrez, 1875 |
A perspectiva da
cidade, vista de longe, é soberba. Porém ela, em si mesma, está em estado de
decadência e sem vida comercial. Essa cidade é, pois, o antípoda do que devia
ser. Por isso que seu local e posição fornecem meios para ser a metrópole das
Alagoas, um grande centro de comércio e indústria da Província.
Aos sábados, há ali uma
feira, que atrai os habitantes todos da circunvizinhança de Penedo.
Penedo se acha sobre um
morro de formação cretácea, composto de grossas camadas de sandstone[ii],
sem fósseis, e xisto argiloso, predominando a primeira. O sandstone é muito
compacto e de excelentes qualidades para construção. Não muito distante desta
cidade, no interior, existem terrenos calcários que produzem muito boa cal.
Não sendo possível
seguir a vapor de Penedo para diante, por se achar o rio muito baixo e porque
os vapores não são próprios para a navegação fluvial, a viagem é feita em canoa
até Piranhas (31 léguas). De Penedo, os terrenos em ambas as margens começam a
elevar-se. Os morros, entre esta e a cidade de Propriá (7 léguas), são muito
irregulares e muitas vezes isolados; eles compõem-se geralmente de sandstone
cretáceo com camadas terciárias.
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Terreno cretáceo no Morro do Chaves, Propriá_SE. Foto Marc Ferrez, 1875. |
No morro do coronel
Chaves, junto a Propriá, as rochas compõem-se de séries de calcário, xisto e
sandstone calcário ocorrendo, na primeira, fósseis, de algum modo decompostos e
em quantidade tão apegados uns aos outros, que pouco são de utilidade aos
estudos da paleontologia. Ali, todavia, a Comissão conseguiu obter uma pequena
coleção em bom estado.
De Propriá a Pão de
Açúcar a vegetação é pobre e os terrenos não são bons; estes compõem-se de
rochas metamórficas que se estendem a alguma distância acima da Cachoeira de
Paulo Afonso.
Pão de Açúcar é uma
Vila, cujo nome parece ser derivado da forma de um dos morros junto a ela, com
uma população de cerca de 2.000 habitantes, sem importância alguma, sendo seu
comércio principal de gado vacum. A diversidade das formas dos morros e posição
relativa que ocupam entre si, bem como a grande altura que se acham acima do
rio, fazem com que seja este um dos lugares mais pitorescos do Rio S.
Francisco.
À distância de 2 km
desta vila está a Serra do Pão de Açúcar, extremamente fértil, e de altura de
600 metros, formada de rochas de gneiss[iii]
silicoso, de idade antiquíssima.
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Terreno cretáceo no Morro do Chaves, Propriá_SE. Foto Marc Ferrez, 1875. |
De Pão de Açúcar para
diante o vale do rio é muito profundo, as rochas sólidas em ambas as margens,
elevando-se a altura de 60 a 80 metros. A vegetação aí desaparece
completamente; a topografia é sempre diferente e peculiar.
Piranhas é o nome de
uma pequena povoação edificada sobre bancos de areia e cascalho, semi-cercada
de morros compostos de gneiss.
Não sendo o rio
navegável nem por canoas de Piranhas para a Cachoeira, a jornada é feita por
terra (14 léguas).
No lugar denominado
Olhos D’Água[iv],
4 léguas além de Piranhas e 185 metros acima da mesma, existem serra e morros
compostos de sandstone, cuja idade, não se tendo encontrado fósseis, não pode
ser determinada imediatamente.
No riacho do Talhado, 7
léguas aquém da Cachoeira, aparecem as mesmas rochas sandstone, com camadas de
diversas cores: branca, amarela, vermelha e roxa. A direção geral destas
camadas é 50º SO e a inclinação, se não me fala a memória, 24º NE.
Junto às camadas
inferiores existe uma cavidade pouco profunda, mas bastante longa, de cuja
abóbada desprende-se quantidade de magníficos stalactites e, no chão, os correspondentes stalagmites, muitas vezes de altura de dois metros.
Cerca de 4 quilômetros
acima deste lugar encontra-se, nas rochas, muitas figuras grotescas feitas
pelos indígenas. O professor Hartt, tendo feito estudo especial e já publicado
uma obra sobre a arqueologia brasileira, não deixou escapar essa grande
curiosidade, mandando tirar fotografias dos que se achavam mais conservados, e
fazendo desenhos dos outros.
Villa de Piranhas olhando - se rio abaixo. Foto Marc Ferrez, 1875.
De Piranhas para a
Cachoeira não há vegetação alguma, os terrenos são áridos e o sol ardentíssimo:
tivemos ocasião de observar por diversas vezes 95º e 100º Fath[v],
na sombra.
Há diversos cactos,
ente os quais abunda mais uma espécie de cercus chiquechique (Atalia funifera) e um melocactus-palmatoria variedades de
Opuntias.
Na Cachoeira de Paulo
Afonso, as rochas são compostas de gneiss com veios de granito. A geologia statigráfica
dessa região é extremamente difícil.
Por enquanto, não é
possível dizer com exatidão sua formação geológica; o Professor crê que seja
archeana[vi]
ou paleozoica[vii]
e provavelmente da mesma idade das montanhas de gneiss das vizinhanças do Rio
de Janeiro.
A Cachoeira de Paulo
Afonso, conquanto de volume d’água muito menor que a do Niagara e talvez mesmo
de forma muito menos bonita, não é inferior àquela. Há, na brasileira, mais
variedades de cascatas, e sua altura 79,8 m (triangulações e observações
barométricas feitas ali) é muito superior à americana, que só tem 53,3 m.
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Cachoeira de Paulo Afonso. Foto Marc Ferrez, 1875. |
Na Cachoeira e
proximidades, o rio é muito estreito e sinuoso; 500 metros depois da última
cascata ele forma um ângulo reto, aproximadamente. A água espumosa
precipitando-se contra os rochedos, vai bater de encontro ao banco do rio. Aí a
água em o lado esquerdo do lugar do contrato não encontrado passagem livre,
fica em moção constante, como as ondas do mar. Deste constante movimento,
resultou a formação de uma enseada, e, como quer Halfeld, de uma furna que ali
existe e cujas dimensões são: comprimento 97 metros, largura 12 e 13 metros,
altura na entrada 30 metros mais ou menos.
Nessa furna, habitação
de morcegos, vê-se uma grande fenda em toda a sua extensão, o que faz crer que
a existência da caverna é devido a ela; e esta a decomposição do spatho
calcário junto aos veios de granito.
Junto à Cachoeira, as
rochas são muito lustrosas e pretas, sendo esta cor produzida pelo manganês
depositado pela água.
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As Pedras Negras na Cachoeira de Paulo Afonso. Foto Marc Ferrez, 1875 |
Nas estações chuvosas o
rio, segundo o que pudemos observar, sobe à altura de 12 metros acima do nível
em que se achava.
A 15 quilômetros da
cachoeira, não sendo muita a correnteza aí, conseguimos atravessar o rio e visitamos
então a Serra do Retiro, na Bahia, ponto terminal de nossa viagem. Essa serra,
que se acha a 270 metros acima do nível do rio, é composta de rochas de
sandstone e provavelmente da mesma idade que as serras dos Olhos D’Água e Talhado.
Rio de Janeiro, 21 de
novembro de 1875.
E. F. Pacheco Jordão.
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Jornal do Recife, 17 de
fevereiro de 1876.
http://memoria.bn.br/DocReader/705110/11487
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Caro leitor,
Este Blog, que tem como
tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, contém postagens com informações históricas
resultantes de pesquisas, em geral com farta documentação e dotadas da
competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso
algumas delas seja do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que
faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário
registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo. Segue
abaixo, como exemplo, a forma correta de referência:
[i] Nasceu
a 23 de agosto de 1840, em Fredericton, Canadá. Faleceu a 8 de março de 1878,
no Rio de Janeiro.
[iv]
Atual Olho D’Água do Casado, Estado de Alagoas.
[v]
Fahrenheit, correspondente a 35 e 38 Celsius, respectivamente.
[vi]
Arqueana. Na escala de tempo geológico, o Arqueano, Arcaiqueano ou Arcaico é o
éon que está compreendido aproximadamente entre há 3850 milhões de anos e 2500
milhões de anos. O éon Arqueano sucede o éon Hadeano e precede o éon
Proterozoico. O início do Arqueano é marcado pelas primeiras formas de vida
unicelulares da Terra. Éon significa um intervalo de tempo muito grande,
indeterminado. A história da terra está dividida em quatro éons: Hadeano,
Arqueano, Proterozoico e Fanerozoico.
[vii]
Na escala de tempo geológico, o Paleozoico é a era do éon Fanerozoico que está
compreendida entre há 542 milhões e 251 milhões de anos, aproximadamente. A era
Paleozoica sucede a era Neoproterozoico do éon Proterozoico e precede a era
Mesozoica de seu éon.