Waldemar Cavalcanti[i]
Os ruídos da civilização, em Maceió, parece-me que somente têm feito com que se mudem os nomes
Valdemar Cavalcanti, foto O Malho, 29/10/1932 |
antigos de nossas ruas.
As placas de esquina de outrora, com uns
nomes saborosos, de tão pitorescos, foram substituídos sob a orientação de um
literato, amoroso na certa de nossas poucas letras.
Noutro dia, num ligeiro passeio a pé
pela cidade, tive a impressão de ser ela um compêndio de literatura ou um
manual prático de história política local. Parece-me que esse é o único meio de
a terra tirar do anonimato os seus homens ilustres. Uns pobres homens, cuja
obra se restringiu desgraçadamente a um meio e a uma época.
E se há de louvar essa iniciativa das
Prefeituras pelo seu sentido humano, pelo lado propriamente intelectual bem que
parece uma censura: é que vem pôr em relevo nomes sem eco, sem coisa nenhuma. Felizmente
esse relevo apenas se observa entre os carteiros.
Para mim é que essa retificação ao
batismo de nossas ruas assume um caráter muito ruim de anti-tradicionalismo.
Não digo que se deve observar em todas
as ruas e em todas as praças o seu nome primitivo. Ninguém não gosta de ter
para cartão de visita o endereço: Rua dos Cachorros, ou Beco das Vacas. Assim
por diante. Além disso, há nomes que nada têm de interessante. A Rua do Apolo é
um exemplo. É tão precioso, tão parnasiano, que instintivamente a gente se
lembra do fim de um soneto. Neste caso, é bem melhor o novo: Rua Dr. Melo
Morais.
Porém, há nomes com doçuras de poemas.
Bem que há um ritmo cheio em Praça Nossa Senhora das Graças. Dir-se-ia que esse
nome, que entra assim terno no ouvido do povo, é para a conquista de mais
devotos para a Santa. (hoje é Praça
Guimarães Passos; mas parece que a designação não agradou nem nos Grêmios de
letras). A Praça de São Benedito é Praça Dr. Tavares Bastos.
Mais: se se anda pela Rua do Comércio
tem-se que dizer Rua Dr. Rocha Cavalcante; dobra-se pela Rua Augusta e estamos
na Ladislau Netto; quebra-se pelo Mercado e andamos na Rua Barão de Alagoas; se
seguimos pela do Hospital, vamos pela Rua Barão de Maceió.
Em Pajuçara, então, as ruas tinham nomes
saborosos: Rua do Cravo (hoje Dr. Antônio Pedro de Mendonça)[ii];
do Araçá (Epaminondas Gracindo)[iii];
da Caridade (Comendador Almeida Guimarães)[iv];
do ABC (Coronel Pedro Lima)[v];
do Gameleiro (Elysio de Carvalho)[vi].
E a Rua do Jasmim é a Rua de São Pedro[vii]:
Um bairrismo exaltado por demais quis
ter uma Avenida. Daí a Avenida Presidente Bernardes. Mas ninguém assim chama. Só
se conhece é a Rua Primeiro de Março.
Não sei de coisa mais intimamente
popular que a designação de certas ruas de gente pobre: Sovaco da Ovelha, Pilão
sem Boca[viii],
Furna da Onça, Beco do Castola, Beco do Sururu. São coisas gostosas. E, mais
que tudo, são nossas.
O que não vai é essas história de uns
finos de paladar macio tirarem da boca do povo isso que depende justamente de
sua criação fertilíssima.
Transcrito da Revista NOVIDADE, nº 5, 9
de maio de 1931.
http://memoria.bn.br/DocReader/721158/64
[i]
VALDEMAR CAVALCANTI. Nasceu em Maceió a 6 de abril de 1912 e faleceu no Rio de
Janeiro a 19 de junho de 1982. Filho de Pedro Alvino Cavalcante e de Francisca
de Souza Almeida. Sobrinho de Bráulio Cavalcante. Foi casado com Jeruza Xavier
Cavalcanti (filha de Luiz Leão Xavier da Costa e Augusta Camelo Xavier da Costa),
com quem teve os filhos Sérgio Xavier Cavalcanti (Advogado) e Roberto Xavier
Cavalcanti (Economista).
[iii] Notícia do jornal Evolucionista, de Maceió, edição de 23 de junho de 1905, dá conta de que os moradores da Rua do Araçá pretendiam requerer ao Intendente a mudança do nome para Sadok de Sá.
[iv] Rua Comendador Almeida Guimarães, que liga a Rua Sampaio Marques à R. Epaminondas Gracindo.
[v] Que liga a R. Rocha Cavalcante à Av. Walter Ananias.
[vi] Que liga a R Almirante Mascarenhas à Av. Walter Ananias.
[vii] Denominou-se Agostinho Guimarães (Major), próximo à Capitania dos Portos.
[viii]
No bairro da Levada.
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