C. Nery Camello[i]
Propriá e Penedo são as
duas principais cidades do B. São Francisco. A primeira, em Sergipe; a segunda,
em Alagoas. Rivalizam-se em população, comércio e adiantamento. Separa-as uma
distância de dez léguas aproximadamente. Os vapores que fazem a linha até
Piranhas efetuam apenas uma viagem por semana.
Há, porém, nesse trecho
do rio um tráfego constante de pequenos barcos, todos com a denominação de
canoas. São embarcações à vela, com uma cobertura de palha, proporcionando
relativo conforto aos passageiros. Possuem apenas uma estreita e acanhada porta
de entrada e meia dúzia de janelinhas laterais, pelas quais peneira o vento
pelas horas de canícula.
Embora de igual tamanho,
essas canoas não obedecem à mesma planta original das barcas do Alto S.
Francisco que têm, de ordinário, na proa, uma escultura monstruosa,
representando, às vezes, um busto de mulher com cabeça de dragão. Pintadas com
cores berrantes, sugerem-nos uma ideia das antigas galeras fenícias.
A rapidez ou demora da
viagem, entre as duas cidades, depende das condições do vento. Em certas
ocasiões, o trajeto é feito em menos de duas horas. Não raro, porém sucede
ficarem as embarcações uma noite inteira flutuando, seguindo morosamente, à
força de remos, contra a maré. De qualquer maneira, não deixa de ser um prazer
viajar-se no histórico rio, a quem João Ribeiro chamou “o caminho da
civilização brasileira”.
Eu tive sorte, pois na
tarde em que me transportei de Penedo a Propriá – uma tarde clara e de céu
muito azul – a ventania soprava fortemente. Com a enorme vela enfunada, o barco
singrava célere, a caudalosa corrente, em que os raios do sol punham
cintilações metálicas. Dezena de embarcações, subindo e descendo cruzavam-se,
dando-nos a idéia de grandes pássaros, brancos e vermelhos, com as asas
abertas, sobre as águas. Numa e noutra margem, vastos arrozais a cobrir a
planície imensa. Nas ribanceiras, pouco elevadas, velhas e frondosas
mangueiras. Surgem, em meio do rio, pequenas ilhas coroadas de verdura,
seguidas de alvos bancos de areia.
E, enquanto a canoa
avança sem interrupção, ora se aproximando de uma, ora de outra margem, os
passageiros que vão fora da tolda divertem-se. Outros cantam modinhas, sambas e
cocos, ao som estridente de um cavaquinho. Do meu beliche forrado com uma
esteira macia, tendo junto à cabeceira uma efígie de Santa Terezinha, escuto as
trovas e canções enternecedoras, saídas dos lábios daquela gente simples,
despreocupada e feliz.
São quadrinhas deliciosas
de autoria de poetas anônimos:
Menina dos olhos grandes
Não zombes tanto de mim,
Que até as penas têm pena
De me ver sofrer assim
Menina dos olhos verdes
De um lenço da mesma cor,
Diz a teu pai que te case
Que eu serei o teu amor.
Ninguém faça pontaria
Onde o chumbo não
alcança,
Ninguém ponha o seu
sentido
Onde não tem esperança.
A tarde já vai morrendo
Vai morrendo vagarosa,
Tão triste que até parece
O desfolhar de uma
rosa...
Canoa no porto de Penedo. Foto: Pierre Verger |
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Transcrito da revista Vida
Doméstica, Vitória-ES, 30 de julho de 1938. http://memoria.bn.br/docreader/156590/14276
Constantino Nery Camello, filho de Antônio Nery Camello e Luzia de Barros Camello, nasceu na Fazenda Favela, município de Santa Quitéria-CE, em 25 de dezembro de 1898, casou-se com sua prima, a quiteriense Sra. Geracina Catunda Camelo, filha de Antônio Luduvico Catunda e Quitéria Camello Catunda, em 16 de setembro de 1939, na cidade do Rio de Janeiro, (RJ). Dessa união tiveram uma filha a Sra. Ana Maria Camelo, atualmente residente em Fortaleza (CE).O intelectual Nery Camello como era conhecido foi folclorista, escritor, membro da Associação Cearense de Imprensa - ACI e da Associação Cearense de Folclore, funcionário público federal onde ocupou cargo de direção nos Correios.
Nery Camelo teve vários livros de destaque nacional, entre eles “Alma do Nordeste”, “Através dos Sertões”, “Viagens na Nossa Terra” e Poemas do Meu Sertão, seus trabalhos eram inspirados na vida rústica do sertanejo do Nordeste. Em sua homenagem existe hoje uma rua com seu nome no bairro Vicente Pinzon, em Fortaleza (CE) e outra no bairro Pereira Barretos em São Paulo (SP).
Nery Camello faleceu na cidade de Fortaleza, aos 75 anos de idade, no dia 3 de novembro de 1974, está sepultado no Cemitério de São João Batista.
Fonte: http://albsq.com/32.html
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