De
Isabel Marsiglia de Oliveira[i]
Igreja e ruinas do convento. Ilha de S. Pedro-Porto da Folha-SE |
Linda
manhã de abril. O caudaloso rio São Francisco desliza, belo e sereno, dividindo
Sergipe e Alagoas, então províncias, onde as seguintes cenas foram
desenroladas.
As
primeiras chuvas reverdeceram os montes e fizeram desabrochar as flores
silvestres. Sabiás, canários, galos-de-campina, desferiam acordes maviosos,
glorificando, com a natureza engalanada, o sublime Artista – Deus!
Da espaçosa casa do fazendeiro de “Timbaúba”, à margem direita do rio, saiu uma
linda jovem, acompanhada de sua não menos jovem escrava. Da margem oposta, uma
canoa, impelida pelos robustos braços de um escravo, conduzia Luiz, filho do
rico fazendeiro de “Boa Nova”.
A
embarcação ancorou no porto da fazenda “Timbaúba”, onde já estavam à espera a
jovem Inez e sua escrava. Inez, filha única dos proprietários da “Timbaúba”,
amava desde a infância Luiz, sendo igualmente amada. Partidários, porém, de
políticas opostas aos pais, apesar do parentesco, se odiavam. À medida que no
coração dos filhos a seiva do amor se desenrolava, o ódio, no coração dos pais,
maior domínio fazia.
Sabendo
a oposição que os pais faziam ao casamento que tanto almejava, Luiz pedira a
Inez uma entrevista. Estavam, assim, reunidos a combinar a fuga para a cidade
próxima, onde se uniriam perante o altar de Deus, quando dois gritos foram
ouvidos. Gritos de ódio, que fizeram estremecer os amorosos jovens! Por
coincidência, passava, perto da margem, o pai de Luiz, em uma canoa, ao mesmo
tempo que o de Inez, com alguns hóspedes, saía à caça. Vendo os filhos a
conversar, todo o ódio se levantara e fizera com que soltassem duas exclamações
terríveis. Inez foi conduzida à casa, Luiz seguiu com o pai, e os escravos
receberam logo tremendos castigos.
Seguiram-se
dias de provações terríveis para aqueles corações amantes. Quinze dias depois,
ao fazer a viagem de regresso ao porto de Penedo, no pequeno vapor “Maceió”,
Luiz, triste e abatido, acompanhava o pai. Ia tomar o vapor que passava para o
Recife, pois seu pai, a fim de impedir o casamento, o obrigara a seguir a
carreira sacerdotal.
Meses
mais tarde, Inez, na igreja do Convento de São Pedro, recebia o hábito de beata
(Ordem que permitia viver fora da comunidade). Por esse tempo, Luiz cursava o
primeiro ano no Seminário de Olinda.
No
pátio exterior do Convento de São Pedro, índios, catequizados pelo abnegado
franciscano Frei Dorotheo, fincavam mastros enfeitados. Era a Festa de Reis,
célebre em toda a margem, e que levara à pequenina povoação numerosas famílias.
Uma
grande canoa de tolda subia o rio em direção a Piranhas. Recostado a uma
espreguiçadeira, um sacerdote, olhando o céu argenteado, parecia absorto em
contemplação.
O
vento escasseava. Súbito, foguetes espocaram. O padre interrompeu a
contemplação para interrogar os canoeiros o motivo daqueles foguetes. Soube que
festejava Reis em São Pedro e. como faltasse vento, as asas da embarcação foram
descidas. Ancorada a canoa, saltaram.
Foi
então que o sacerdote se recordou do sítio e, dirigindo-se a um velhinho, pediu
notícias dos proprietários da “Timbaúba”. Soube, então, que eram mortos, mas
Inez, sua filha, morava em São Pedro, bem perto do porto. Era amada por toda a
aldeia, pois personificava a virtude.
Desejando
ver a beata, sua ex-amada, pois o sacerdote era o Luiz de quinze anos passados
e que se tornara um virtuoso ministro de Deus, certificou-se da casa e para lá
se dirigiu.
A
beata Inez, à luz de uma vela, lia, na sala de jantar de sua casa. Ouvindo
pancadas, levantou-se para abrir a porta, pois sua fiel escrava ainda estava na
igreja. Ao abrir da porta, dois nomes, suaves e vibrantes, soaram: - “Inez” e
“Luiz”! Nada mais puderam dizer aquelas duas criaturas que o ódio paterno
desunira.
A
lua resplandecia e mais negra tornava as vestes dos dois. Inez atentou em seu
hábito negro e, sem mesmo convidar seu amigo a entrar em casa, entrou. Luiz,
vendo entrar sua amiga tão querida, recordando-se também de seu passado,
retornou ao porto.
Momentos
depois, o padre Luiz, sentado à borda da canoa, desferia ao som de um violão
que ali encontrara, canções de amor esquecidas a três lustros. Na soleira da
porta do quintal que deitava para o rio, soluçava a beata Inez. O amor de
tantos anos, oculto no recesso do coração, por um minuto reapareceu. Surgira na
ocasião em que pronunciados foram seus nomes. Logo, porém, voltara a se
ocultar, deixando o consolo tão distante e quase olvidado das lágrimas. Era a
saudade de um passado que voltava nessa enluarada noite...
E
à margem do São Francisco, enquanto um coração soltava seus queixumes em notas
sonoras, um outro, em soluços amargurados, respondia...
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Publicado na
revista FON-FON, Rio de Janeiro, 8 de setembro de 1928, disponível em
http://memoria.bn.br/DocReader/259063/66097
Caro leitor,
[i]
ISABEL MARSIGLIA DE OLIVEIRA, filha do professor e telegrafista João Valeriano
de Oliveira, natural de Jatobá, Estado de Pernambuco, e de Maria da Glória
Marsiglia, natural de Pão de Açúcar-AL. Seus avós paternos eram Joaquim
Valeriano de Oliveira e Ângela Maria de Sá (Oliveira), que faleceu em Maceió a
20 de maio de 1906. Os maternos eram Bráz Antônio Marsiglia (italiano naturalizado,
estabelecido em Pão de Açúcar) e Francisca de Jesus Marsiglia.
Nasceu no dia 29 de março de
1908. Foi batizada na Capela do Poço em 5 de março de 1911, tendo como celebrante
o Pe. Celestino Antoniette, sob licença do pároco de Jaraguá Pe. José Moreira
Pimentel. Os padrinhos foram o Dr. José da Cruz Oliveira, seu tio (irmão de seu
pai) e Cecília Evangelina do Rego Oliveira.
Maravilha!! Vc realmente é muito competente. Grata
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