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quarta-feira, 19 de junho de 2024

A FUGA DO CORONEL JOSÉ PEREIRA

Por Etevaldo Amorim


O Cel. José Pereira

É por muitos conhecida a história da cidade paraibana de Princesa, que sob a liderança política do Coronel José Pereira Lima, declarou-se “território independente”, constituindo suas próprias leis, sua imprensa, hino, bandeira, ministros e forças de defesa.

No contexto dos acontecimentos políticos que culminaram com a Revolução de 1930, vitoriosa com a Aliança Liberal, o episódio de Princesa foi um capítulo à parte, sendo amplamente divulgado pela imprensa nacional.

Em entrevista concedida ao jornalista José Leal[i], publicada na revista O Cruzeiro, de 8 de outubro de 1949, o Coronel José Pereira revela as circunstâncias que o levaram a romper com João Pessoa, Presidente do Estado, e descreve a fuga que teve de empreender ante a reação que se contrapôs à ousadia daquele reduto sertanejo.

Na primeira parte do seu itinerário, Zé Pereira atravessou o Estado de Pernambuco, alcançando o município alagoano de Paulo Afonso (atual Mata Grande), transpôs o rio São Francisco, atingindo Sergipe e chegou no Estado da Bahia.

O que despertou nosso interesse neste assunto foi o fato de José Pereira citar Pão de Açúcar como parte da sua rota de fuga. Ele não afirma, categoricamente, que esteve na cidade; mas, ao indicar o local donde partira em direção a Sergipe, dá a entender que pisou em território pão-de-açucarense.

Como se verá no seu próprio relato, que adiante transcrevemos, o coronel de Princesa diz que deixou a Fazenda Nova, do Cel. Yoyô, então pertencente a Santana do Ipanema (atualmente a Olivença), e chegou ao lugarejo chamado Restinga, de onde atravessou o rio São Francisco para território do município sergipano de Porto da Folha, em uma canoa de pescaria.

Restinga pertence ao município de Belo Monte, e fica à margem esquerda do riacho Jacaré (ou riacho Salgado), acidente geográfico que estabelece o limite entre este e o município de Pão de Açúcar.

Tendo embarcado na Restinga (que, aliás, fica afastada da margem do rio), demandando a cidade de Porto da Folha, Pereira pode ter descido em terras da Fazenda Araticum ou da Fazenda Júlia, ou mesmo ter ido diretamente para Ilha do Ouro, localidade que serve de porto à sede do Município.

A cidade de Princesa-PB em 1949. Foto José Medeiros. Revista O Cruzeiro.


Vamos ao relado do Coronel José Pereira:

...   ...

“Em 4 de outubro, à noite, eu desconhecia tudo que se passava no mundo exterior, quando oficiais do 19º e do 21º estiveram em minha casa e convidaram-me a abandonar Princesa, dando-me a notícia de que havia rebentado a Revolução no Rio Grande do Sul, na Paraíba e em mais treze Estados. Disseram-me, ainda, que iam se retirar da rua onde estava situada a minha casa. Desarmado, e com a ameaça de ficar sem proteção do Exército, deixei Princesa e retirei-me para Triunfo no dia 5, à noite.

Dormi, e na manhã seguinte fui informado de que uma tropa volante da polícia paraibana me perseguia , tentando capturar-me e que estava nas imediações de Triunfo. Vi que as coisas se tornavam pretas para o meu lado. Segui para Flores, outra cidade pernambucana, contando com o destacamento policial que permanecia fiel à legalidade. Aí obtive armas que estavam guardadas nos limites de Princesa. Em Flores, soube do assassinato do general Lavenère e do domínio da Revolução na Paraíba e em Pernambuco. Consegui reunir uns duzentos homens, garanti-me contra uma investida sobre a cidade e contra a minha pessoa, quando fui surpreendido com a chegada de toda a Força Federal que estava em Princesa. Os mesmos oficiais que eu já conhecia pediram que eu me retirasse de Flores e tentaram me convencer de que era inglória a minha resistência ali, porque quinze Estados já se encontravam em poder dos revolucionários e polícia pernambucana tinha também aderido à Revolução.

Iniciei, então, o mais penoso capítulo de toda a minha vida; a fuga, marcada de episódios curiosos, dramáticos e até espirituosos. Ainda estava com a disposição de lutar. Frente a frente com uma situação de absoluta insegurança e perigo, abandonei Flores levando comigo, em dois automóveis, dez companheiros armados a fuzis e com uma metralhadora. Dissolvi o resto da tropa. Emprenhei-me pelo Estado de Pernambuco adentro, rumo a Alagoas, onde pensava encontrar companheiros para um contra-revolução. Minha família ficara em Flores.

JOSÉ PEREIRA TROCA DE NOME

Essa marcha começa em 7 de outubro de 1930. Atravessei Pernambuco e alcancei a cidade alagoana de Paulo Afonso[ii], pernoitando nas vizinhanças.

De manhãzinha tomei café num hotel de Paulo Afonso e segui para Piranhas, nas margens do rio São Francisco. Parei antes numa localidade para arranjar o transporte dos automóveis e atravessar o rio. Não fui feliz, porque todas as canoas e “paquetes” tinham seguido para Penedo, por requisição dos revoltosos. Voltei a Piranhas e de lá fui para Pedra e Santana do Ipanema. Estive dois dias numa fazenda, sabendo que os revoltosos se aproximavam de Maceió, tendo o governador Álvaro Paes abandonado a Capital, transferindo-se para Palmeira dos Índios. Certificado assim de que a Revolução estava vitoriosa em Alagoas, resolvi fazer voltar os meus companheiros, aconselhando-os a abandonar os automóveis em certa altura da viagem.

Eu já não me chamava mais José Pereira: troquei o nome para Honorato Cavalcante. Um dos meus companheiros ficou ao meu lado, Abílio Cosme, que passou a ser Pedro Aprígio. Os amigos tomaram o meu conselho e eu e Pedro Aprígio seguimos para uma região mais vasta e ignorada.

Fiquei numa fazenda, a Fazenda Nova, do Capitão Ioiô[iii], com Pedro Aprígio, quando recebi a notícia de que meus amigos tinham sido presos em Paulo Afonso. Temendo que a polícia os forçasse a confessar o meu paradeiro ou o rumo que tomara, escondi-me numa serra, distante doze quilômetros, até o dia 22 de outubro, no rancho de um preto, morador do Capitão Ioiô. Desse rancho deliberei seguir viagem em companhia de um pescador para as margens do São Francisco, alcançando o lugar Restinga, para depois atravessar o rio numa canoa de pesca e atingir o município sergipano de Porto da Folha.

Cheguei a Porto da Folha a pé, e arranjei condução dizendo ter deixado os animais com carga de fumo e redes em Pão de Açúcar, Alagoas, para poder disfarçar-me em comerciante. Abílio, ou Pedro Aprígio, permanecia firme, como meu único companheiro.

No dia 24 de outubro, data em que a Revolução venceu completamente, segui para Itabaianinha, onde havia uma fábrica de redes. Mas, no caminho, mudei de objetivo, rumando para Nossa Senhora da Glória, confundindo o próprio portador encarregado de voltar com os animais e despistando os revolucionários que por acaso estivessem no meu encalço. Ao meio-dia encontrei na estrada três pessoas em carreira desabalada.

Perguntei-lhes o que havia. Responderam-me que a povoação estava ocupada pelo bando de Lampião. Estávamos a menos de dois quilômetros do lugar. Entramos numa casa que avistamos à margem da estrada para almoçar e receber orientações, evitando encontrar os bandidos e o próprio Lampião, a quem eu perseguira durante dois anos com forças volantes. Meu encontro com ele poderia ser fatal. Às duas da tarde continuei viagem para Nossa Senhora da Glória. À noitinha, chegamos. Ouvi um barulho. Voltei-me e verifiquei um grande grupo armado numa esquina; pensei que fosse a gente de Lampião e tive um susto danado, dizendo para com os meus botões: “Pois como é que eu me livrei desses bandidos e venho agora me encontrar novamente com eles”!

Pensei que ia morrer... Agarrei-me então com os “bentinhos” do Carmo... Raciocinei e concluí que poderia ser a população local em armas para se defender do terrível bandoleiro. E acertei!

Fui à casa do Intendente e ali informado de que o povo estava pronto para guerrear contra Lampião. Colocaram-me sobre uma terrível confissão, não acreditando que eu era comerciante. Queriam saber se eu era revolucionário ou perrepista[iv]. A todas as perguntas respondi que não, que era simplesmente Honorato Cavalcante, vendedor de fumo e de redes. Insistiram por toda a noite para que eu me identificasse. A minha roupa cáqui e as alpercatas alagoanas ajudaram, de certo modo, a convencê-los. Por fim, mais atenciosos, quiseram que eu fosse conhecer as trincheiras.

Visitei os pontos guarnecidos e dei minha opinião contrária ao sistema de defesa que estava sendo empregado contra um ataque de Lampião. Disse-lhes que seria melhor guardar os fundos das casas e as entradas da povoação. O Coronel Zuza Cavalcanti, Intendente Municipal, agradeceu-me.

Estivemos o resto do tempo vigilantes. Os animais haviam regressado com os guias. No dia seguinte, consegui condução e fui para Patrocínio do Coité[v], nos limites de Bahia com Sergipe. Ali, no escritório de Jonathas Lima[vi], um comprador de peles, tentei arranjar novo meio de transporte para continuar minha peregrinação.”

O Povoado Restinga, Município de Belo Monte-AL, onde José Pereira atravessou para o Estado de Sergipe.


...   ...

JOSÉ PEREIRA LIMA. Nasceu em Princesa-PB em 4 de dezembro de 1884. Filho do Cel. Marcolino Pereira Lima e de Águida Maria de Andrade. Faleceu no Recife-PE, a 13 de dezembro de 1949. Casado com Alexandrina Pereira Lima – Xandu.

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Transcrito da revista O Cruzeiro, RJ, 8 de outubro de 1949.

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NOTA:

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.

Tratamento de imagens: Vívia Rodrigues Amorim.



[i] José Leal Ramos nasceu na fazenda Ponta da Serra, no município de São João do Cariri, no dia 16 de julho e 1891. Era filho de Antônio Claudino dos Santos Leal e de Inácia Leal Ramos. Viveu os últimos anos de sua vida no bairro de Jaguaribe em João Pessoa, vindo a falecer no dia 25 de outubro de 1976, vítima de Enfisema Pulmonar.

[ii] Paulo Afonso, atual Mata Grande, no Estado de Alagoas.

[iii] Capitão João José da Silva Yoyô, pai do Dr. João da Silva Yoyô Filho, primeiro diretor do Colégio Santanense, em Santana do Ipanema. Fazenda Nova, atualmente pertence ao município de Olivença, antigo povoado Capim.

[iv] Perrepista. Adepto do PRP - Partido Republicano Paulista.

[v] Patrocínio do Coité, antigo nome de Paripiranga, Estado de Bahia.

[vi] Em 1929, Jonathas Lima era Prefeito de Patrocínio do Coité (atual Paripiranga-BA) e entusiasta apoiador das candidaturas Júlio Prestes/Vital Soares. Fonte: O Paiz, RJ, 16 de agosto de 1929. 

2 comentários:

  1. Uma saga Interessante, descrita pelo autor. Às vezes fico imaginando quão difícil e sacrificante era transitar naquela época por nossa região. Transportes diversos e adversos, estradas, travessias de riachos do Velho Chico... uma verdadeira saga.

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  2. Você está de parabéns, cada dia eu leio ,muito interessante e de muita sabedoria,imagino os sofrimentos destas pessoas e continua os absurdos.

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