Postado por Etevaldo Amorim
LAMPIÃO CONTINUA A ATEMORIZAR OS SERTÕES[i]
“Da última vez que Lampião esteve no
município de Pão de Açúcar abandonou a estrada real, em seu regresso, e seguiu
por uma vereda.
Caminhando, encontrou uma camponesa de nome
Maria Gato e dois irmãos desta – Luiz e Francisco – os quais por ali se meteram
para evitar um encontro com o grupo do bandoleiro.
Logo que Lampião avistou a senhorita
Maria Gato, fez-lhe propostas julgadas menos honestas, que foram repelidas.
Francisco aconselhou a irmã a se deixar matar com eles, antes de ceder o que o
bando queria. Nesse comeno, Lampião ameaçou-a de disparar-lhe um tiro, dizendo
a moça que podia fazê-lo, porquanto ela não tinha medo da morte.
Recuando de seus propósitos, Virgulino
prometeu-lhe avultada quantia para que a moça aquiescesse aos seus desejos. Mas
a sertaneja não quis.
O chefe dos bandoleiros declarou que
desistia absolutamente do propósito de conquista Maria Gato, ou mesmo de
subtrair-lhe a existência. Ouvindo isso, um do bando estranhou que aquela moça
ficasse viva, quando Lampião já havia morto tantas moças brancas e bonitas, ao
passo que aquela era mulata e feia.
Ao seu interlocutor respondeu Virgulino
Ferreira, com um tom de absoluta firmeza, que aquela moça não morreria.
A conversa mudou de rumo e o facínora
procurou sindicar dos rapazes quais eram as pessoas abastadas daqueles
arredores.
Os dois camponeses, na melhor intenção e
certos de que Virgulino não ousaria penetrar no perímetro urbano de Pão de
Açúcar, informaram-no de que na rua (na cidade propriamente dita) havia muita
gente rica.
Virgulino disse, então, que queria saber
quais eram os ricos do interior. Responderam Luiz e Francisco que por ali
reinava absoluta miséria, não havendo quem dispusesse de recursos. Mas o
facínora perguntou se um tal de Janjão Maia não era rico, obtendo resposta
negativa. Não convencido, Lampião forçou Luiz Gato a servir-lhe de guia até a
propriedade do fazendeiro, sem conhecer que estava tratando com um campônio
extremamente ladino e astuto.
Marchando, Luiz falou tanto que os
cangaceiros lhe puseram a alcunha de “Canário”.
Este Canário, porém, conseguiu
demonstrar que Janjão Maia não passava de um reles tirador de toneladas (lenha
para o cotonifício de Penedo, vendida às toneladas) e que era apenas rico de
filhos.
Preservando o fazendeiro da espoliação
ou da desgraça iminente, Luiz Gato ainda atirou Lampião e o seu bando, que
então se compunha de sete pessoas, ao risco de ser pegado, pois dizendo não conhecer
veredas escuras por onde os levasse, intencionalmente os guiou pela estrada
real, pelos lugares povoados.
Em um desses, denominado Quixaba, três léguas
a montante de Pão de Açúcar, dormiram eles sossegadamente, sem serem
incomodados pela numerosa tropa que ficava perto.
São assim os sertanejos, tão mal
julgados por quem não lhes conhece a alma pura e bondosa.
[i]
Extraído de A Nação, Fortaleza (CE), 16 de fevereiro de 1932, p. 8, dirigido
por Júlio de Matos Ibiapina.
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