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domingo, 4 de setembro de 2016

HISTÓRIAS DO CANGAÇO EM PÃO DE AÇÚCAR (I)

Postado por Etevaldo Amorim

LAMPIÃO CONTINUA A ATEMORIZAR OS SERTÕES[i]

“Da última vez que Lampião esteve no município de Pão de Açúcar abandonou a estrada real, em seu regresso, e seguiu por uma vereda.
Caminhando, encontrou uma camponesa de nome Maria Gato e dois irmãos desta – Luiz e Francisco – os quais por ali se meteram para evitar um encontro com o grupo do bandoleiro.
Logo que Lampião avistou a senhorita Maria Gato, fez-lhe propostas julgadas menos honestas, que foram repelidas. Francisco aconselhou a irmã a se deixar matar com eles, antes de ceder o que o bando queria. Nesse comeno, Lampião ameaçou-a de disparar-lhe um tiro, dizendo a moça que podia fazê-lo, porquanto ela não tinha medo da morte.
Recuando de seus propósitos, Virgulino prometeu-lhe avultada quantia para que a moça aquiescesse aos seus desejos. Mas a sertaneja não quis.
O chefe dos bandoleiros declarou que desistia absolutamente do propósito de conquista Maria Gato, ou mesmo de subtrair-lhe a existência. Ouvindo isso, um do bando estranhou que aquela moça ficasse viva, quando Lampião já havia morto tantas moças brancas e bonitas, ao passo que aquela era mulata e feia.
Ao seu interlocutor respondeu Virgulino Ferreira, com um tom de absoluta firmeza, que aquela moça não morreria.
A conversa mudou de rumo e o facínora procurou sindicar dos rapazes quais eram as pessoas abastadas daqueles arredores.
Os dois camponeses, na melhor intenção e certos de que Virgulino não ousaria penetrar no perímetro urbano de Pão de Açúcar, informaram-no de que na rua (na cidade propriamente dita) havia muita gente rica.
Virgulino disse, então, que queria saber quais eram os ricos do interior. Responderam Luiz e Francisco que por ali reinava absoluta miséria, não havendo quem dispusesse de recursos. Mas o facínora perguntou se um tal de Janjão Maia não era rico, obtendo resposta negativa. Não convencido, Lampião forçou Luiz Gato a servir-lhe de guia até a propriedade do fazendeiro, sem conhecer que estava tratando com um campônio extremamente ladino e astuto.
Marchando, Luiz falou tanto que os cangaceiros lhe puseram a alcunha de “Canário”.
Este Canário, porém, conseguiu demonstrar que Janjão Maia não passava de um reles tirador de toneladas (lenha para o cotonifício de Penedo, vendida às toneladas) e que era apenas rico de filhos.
Preservando o fazendeiro da espoliação ou da desgraça iminente, Luiz Gato ainda atirou Lampião e o seu bando, que então se compunha de sete pessoas, ao risco de ser pegado, pois dizendo não conhecer veredas escuras por onde os levasse, intencionalmente os guiou pela estrada real, pelos lugares povoados.
Em um desses, denominado Quixaba, três léguas a montante de Pão de Açúcar, dormiram eles sossegadamente, sem serem incomodados pela numerosa tropa que ficava perto.
São assim os sertanejos, tão mal julgados por quem não lhes conhece a alma pura e bondosa.




[i] Extraído de A Nação, Fortaleza (CE), 16 de fevereiro de 1932, p. 8, dirigido por Júlio de Matos Ibiapina.

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