sábado, 18 de maio de 2019

MESTRE MINERVINO E A CANOA “SERGIPANA”

Por Etevaldo Amorim
O processo evolutivo da navegação no Sub-Médio São Francisco se deu lentamente e atingiu o seu ápice sob a influência do curso baixo do rio. Desde a primitiva canoa indígena, feita de “um pau só”, surgiu, por volta de 1823, um tipo peculiar de embarcação a que se chamava “Ema” ou “Tapa-de-gato”. Eram grandes barcas, impulsionadas por varas que mediam de seis a sete metros de comprimento, operadas por cerca de quinze remeiros, que as empurravam com os ombros.
Barca do tipo "Ema" ou "Tapa de Gato". Foto: Reginald Gorhan, 1927.
Era à custa desse enorme sacrifício que se realizava o transporte de cargas entre Juazeiro (BA) e Januária (MG), até o início da década de 1940. Nessas demoradas viagens, chegavam a até a criar animais dentro das próprias barcas, para deles se alimentarem enquanto estivessem a bordo.
O modo de navegar, e mesmo as técnicas de construção e de manejo das embarcações, conferiam aos navegadores do Baixo São Francisco uma notável superioridade em relação aos seus colegas do “rio de cima”. Essa vantagem tecnológica se deveu, provavelmente, à proximidade do oceano, notadamente pelo acesso dos mais variados tipos de embarcação ao porto de Penedo.
A canoa Vanderlita, de Joãozinho Rodrigues, Bonsucesso)SE)

As inovações e o aprimoramento não tardariam a chegar ao curso Médio do rio. Entretanto, talvez demorasse muito mais, não fosse a visão empreendedora de Manoel Vieira Rocha[i], um industrial estabelecido em Propriá no ramo de beneficiamento de arroz e algodão. Pretendendo mudar-se para Juazeiro, levou consigo a ideia de introduzir a nossa tão famosa “canoa de tolda”.
Pondo em prática o seu intento, “Nozinho Rocha”, como era conhecido, contratou, por 9 Contos de Réis, o renomado “mestre” Minervino[ii], que lhe deveria construir uma canoa com capacidade para 300 sacos (sacos de 60 kg = 18.000 kg). Posteriormente, essa capacidade foi aumentada para 400 sacos (24.000 kg) e a quantia para 11 Contos de Réis.
Manoel Vieira Rocha - Nozinho Rocha

No dia 25 de maio de 1944, uma quarta-feira, às cinco horas da manhã, “Mestre Minervino” e seus filhos José, Pedro e Álisson, partiram de Propriá com destino a juazeiro, no Estado da Bahia.
Daí em diante, a abordo do São Francisco, um vapor propulsado por roda traseira, já em companhia de um irmão do contratante, Agripino Rocha, viajaram seis dias e quatro noites, percorrendo 140 léguas (840 km) até chegaram a um lugar denominado Sítio do Mato, acima do qual se encontra e embocadura do rio Corrente[iii]. Seguiram a pé por cerca de 13 léguas, até conseguirem montarias e cumprirem as 7 léguas que faltavam para chegar a Santa Maria da Vitória, o que veio a acontecer às 11 horas de uma bela manhã de sábado.
Mestre Minervino, construtor naval.

Nozinho Rocha não falou a verdade. Havia informado que a distância de Juazeiro a Santa Maria da Vitória não ia além de 30 léguas, talvez receoso de que, sabendo a distância certa – 140 léguas, “Mestre Minervino” jamais aceitasse pôr os pés naquele fim-de-mundo.
O rio Contente, em Santa Maria da Vitória-BA. Foto: O Malho
Ano XXXII, nº 14-07/09/1033.
O ardil do contratante deu resultado. Já estando em plena viagem, não havia outro jeito senão continuar a jornada em busca da madeira abundante e de boa qualidade, razão maior de tamanho sacrifício.
Ao chegarem, procuraram alugar uma casa e, à noite, ficaram a pensar prá que lado ficaria Propriá... Inicialmente tomados por “retirantes”, já no domingo espalhou-se a notícia de que, em Santa Maria, haviam chegado uns “engenheiros”...
Já em junho, puseram-se a trabalhar na retirada da madeira. Depois, a espera para secar, a feitura das tábuas, a montagem do estaleiro e, enfim, a obra.
Mestre Minervino diante da sua obra: a canoa "Sergipana"
no estaleiro, em Santa Maria da Vitória - BA.
Sete meses haviam passado. Finalmente, no dia 18 de dezembro de 1944, estava pronta a canoa de “seu Nozinho Rocha”, que se constituiria num marco da navegação no Médio São Francisco. Associada a ela, o talento de um legítimo limoeirense, que ainda retornaria ao “rio de cima” para construir a lancha “Nova Olinda”.
A lancha Nova Olinda, construída por Mestre Minervino em Juazeiro-BA.
Mestre Minervino e seus discípulos conduziam a Sergipana com exímia maestria pelo rio Corrente. Os ventos fracos e mal direcionados muitas vezes dificultavam a viagem nos seus 80 metros de largura, em média. Só quando atingiram as águas do São Francisco, puseram-se a bordejar[iv], serpenteando rio abaixo, aproveitando o vento forte, outrora um obstáculo para os bravos canoeiros.
Sob enorme expectativa, chegaram a Juazeiro no dia 3 de janeiro de 1945[v]. No porto, as apostas se sucediam. Muitos não acreditavam que se pudesse navegar assim, sem que se recorresse aos antigos remos, recurso extenuante e já em desuso no bairro São Francisco. Tudo era novidade. Quando ao “virar o bordo”, o piloto abaixou a tábua de bolina, um baiano gritou assustado:
- Ô moço, caiu um trem aqui dentro d´água!!!!!
_________
NOTA:
Este artigo é uma adaptação do capítulo Fazendo Escola, do livro Terra do Sol – Espelho da Lua, de minha autoria, publicado em 2004, feito a partir do relato de Pedro Amorim durante uma de suas visitas a minha casa em Pão de Açúcar.
Pedro Amorim, radicado em Propriá, era um dos ajudantes do pai, Minervino Tavares Amorim (meu tio-avô paterno), junto com seus irmãos José e Álisson (conhecido por Agiso) nessa empreitada para a construção da canoa Sergipana.
Os filhos do Mestre se dedicaram à mesma atividade, inclusive Agenor, que não o acompanhou na viagem para poder ficar tomando conta da mãe e das irmãs que ficaram em Propriá. A exceção foi Álisson, que se tornou funcionário do antigo SESP.
Joãozinho Rodrigues, proprietário da canoa Vanderlita (aqui exibida) era também primo do meu pai (Agnelo Tavares Amorim), por parte de mãe.
José Amorim.

Álisson Amorim, conhecido por Agiso.
Pedro Amorim


[i] Manoel Vieira Rocha nasceu em Amparo do São Francisco.  Casado com Alice Santana, Cícero Simões, seu genro. Sérgio Simões seu neto.
[ii] Minervino Tavares Amorim, natural de Limoeiro (Município de Pão de Açúcar-AL). Nasceu no dia 5 de abril de 1894, filho de Pedro José de Amorim e de Maria das Dores Lima de Amorim. Casado com Maria Verdulina de Amorim (Dona Vida).
[iii] Um dos principais afluentes do São Francisco, tem uma extensão de aproximadamente 120 km, desde a confluência dos seus formadores (os rios Formoso e Correntina, ou Rio das Éguas), localizada 7 km a montante de Santa Maria da Vitória-BA.
[iv] Modo de navegar rio abaixo e contra o vento, calçando-se a verga até formar um ângulo de aproximadamente 45º com o sentido longitudinal da embarcação. Em zigue-zague, chega-se a quase tocar, ora numa margem oura noutra, baixando-se alternadamente a tábua de bolina.
[v]Informação de Pedro Amorim, filho do Mestre Minervino.

A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

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Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


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PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia