sábado, 17 de julho de 2021

LAGOA COMPRIDA – SOB O OLHAR DO CÔNEGO THEOTONIO RIBEIRO E SILVA

Por Etevaldo Amorim


As principais povoações do baixo São Francisco, primitivas Vilas que galgaram a condição de cidade e Sede de Municípios, como Piaçabuçu, Penedo, Igreja Nova, Porto Real do Colégio, São Brás, Traipu, Belo Monte, Pão de Açúcar e Piranhas (só para falar das alagoanas, situadas à margem esquerda), contemplam em seu território alguns povoados que, embora ainda se mostrem acanhados em seu desenvolvimento, trazem consigo um cabedal imenso de conteúdo histórico, muitas vezes desconhecido.

Vez por outra, encontramos registro de fatos ou mesmo menção expressa a algumas dessas localidades, verdadeiros achados, indispensáveis para a formação historiográfica da nossa Região.

É o caso dessas notas publicadas pelo Cônego Theotonio Ribeiro e Silva no jornal A Pyrausta, de propriedade do pão-de-açucarense Moreno Brandão – Maceió, 4 de abril de 1917, em que descreve o Povoado Lagoa Comprida, município de São Brás, Estado de Alagoas. Pela sua originalidade e conteúdo, preferimos transcrevê-la na íntegra, apenas acrescentando alguns esclarecimentos ou atualizações.

Capela de São Sebastião, Lagoa Comprida-São Brás-AL-Vídeo Gustavo Lucena(YouTube)


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Já no princípio do século 18 havia na Lagoa Comprida, à margem esquerda do Baixo S. Francisco, um aldeamento de índios – os Carapotós – além de mais algumas outras aldeias com sede no Colégio (Porto Real)[i], na Barra de Traipu, em Pão de Açúcar (Pam de Assuquar), em Itacaratu e na Lagoa da Serra do Comonaty (território de Águas Belas)[ii], aldeamentos esses que ficavam todos dentro do terreno da Vila do Penedo, que abrangia também a Freguesia do Poxim, separando-se precisamente então a Comarca das Alagoas da de Pernambuco, pelo sertão, em a serra de Comanaty.

Estavam todas aquelas missões a cargo de Missionários seculares, sacerdotes do Hábito de S. Pedro, afora a do Colégio, que sempre se manteve sob a direção de Religiosos da Companhia de Jesus, vulgo jesuítas.

Pelos livros antigos do arquivo da Freguesia de N. Senhora do Ó do Traipu, sabemos hoje que já em 1730 todas aquelas aldeias faziam parte da mesma Freguesia, a qual por seu turno fazia parte do distrito do Penedo; constando, outrossim, que já naquele mesmo ano eram dez na comarca das Alagoas, as Freguesias existentes, a saber: S. Bento, Porto Calvo, Camaragibe, o Curato de Santo Antônio Meirim (Pióca), Santa Luzia, Alagoas, São Miguel, Curato de Poxy (Poxim), Penedo e N. Senhora do Ó.

A paróquia, pois, de N. Senhora do Ó devia conter naquele tempo em sua periferia os territórios das atuais Freguesias de S. Brás, Colégio, Belo Monte, Pão de Açúcar, Santana do Ipanema, Sertãozinho, Mata Grande, Água Branca, Águas Belas e Tacaratu, contando-se entre suas sete capelas filiais a de N. Senhora dos Prazeres da Barra do Panema, construída em 1624.

Sendo seu primitivo nome “Nossa Senhora do Ó” ou “N. S. do Ó do Saco”, por ter sido o “Saco do Medeiros” sua primeira sede oficial, segundo consta da tradição e dos “Anais da Biblioteca Nacional” – começou a denominar-se N. S. do Ó do Porto da Folha logo em 1746, e N. S. do Ó do Traipu desde 1770 até os nossos dias.

Povoado Lagoa Comprida, São Brás-AL


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Antiquíssimo – como de fato o é – o Povoado da Lagoa Comprida, fez ele primitivamente parte da Freguesia do Penedo, passando depois a pertencer à do Traipu com a criação desta última Freguesia, e achando-se de presente incorporada à de São Brás.

Povoação de bela perspectiva, com ótimo porto de embarque e uma capela bi-secular de pedra e cal dedicada a São Sebastião desde seus inícios – está assentada ao ocidente de uma lagoa de um quarto de légua, da qual lhe adveio o nome de Alagoa Comprida, como protesicamente se escrevia outrora.

Possui cerca de 200 fogos, se não mais, e também há lá uma cadeira de primeiras letras, para ambos os sexos, cuja criação data de tempos mui remotos, que se não pode bem precisar.

Não faz muitos anos que funcionava ali com muito progredimento uma importante fábrica de descaroçar algodão, havendo também uma concorridíssima feita semanal, que acabou por ficar suplantada pela atual feita de S. Brás.

Foi ainda celebrado o nosso povoado pelos especiais chapéus de couro e afamados calçados de pobres, que em grande quantidade ali se fabricavam numa vasta oficina em que mourejavam numerosidade de sapateiros- indústrias estas que havendo decaído com a emigração espontânea do pessoal em alta escala para os seringais do Amazonas, foram substituídas pela do fabrico de tamancos, que fizeram sua época, porém tiveram de desaparecer por sua vez.

Pelo que respeita à lavoura, é ela mais ou menos regular, produzindo o terreno muito milho e legumes, além de mandioca, algodão, mamona, e subproduto o arroz, sendo todos os gêneros, inclusive os cereais, exportados para a cidade do Penedo e outras praças comerciais.

Há, outrossim, terrenos apropriados para a criação, sendo muito substancioso e delicioso o leite de gado, que ali vive desassombradamente a pascer, sem que haja a mínima desavença entre lavradores e criadores.

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Conquanto se veja hoje dizimada a população da Lagoa Comprida com a leva quase periódica e ininterrupta de seus moradores para a região do Amazonas e limítrofes, e a despeito mesmo de sua relativa decadência, - uma glória no entanto não se poderá jamais contestar àquela povoação, porquanto nos diz a História que lhe coube a honra de haver sido a primeira sede, bem que provisória, da Freguesia de N. Senhora do Ó, e isto no correr de vinte anos a mais, - tantos quantos ali pastoreou o primeiro pároco do Traipu, o Pe. João Ferreira Bello, que era Licenciado pela Universidade de Coimbra, Vigário da Vara e Colado, e vencia em cada ano 50$000 de “ordenado e ordinária”, vindo a falecer com cerca de 80 anos a 29 de dezembro de 1750.

Por haver servido de Matriz por vários anos a capela da Lagoa Comprida, segundo ficou dito, - teve aquela hospitaleira e sadia terra a altanada honra de hospedar e acolher em seu seio vários Visitadores diocesanos e entre eles, o Reverendo José da Cruz Monteiro, em outubro de 1738; o cônego Dr. Antônio Saraiva de Leão, em setembro de 1740; o reverendo F. Azevedo, em agosto de 1742; o Dr. Antônio Soares Barbosa, em setembro de 1744 e 1748; o Dr. Félix Machado Freire, em outubro de 1746; e J. Machado, em setembro de 1750, ano de trespasse do veterano e venerando Vigário Bello, que legou para sua dileta Matriz um cálice de prata com a respectiva patena e uma imagem de Santa Ana, além de um exemplar da Constituição do Arcebispado, que já não existe.

Em compensação do que respinguei e aí deixo exarado, poder-se-á ler o vol. XXVIII dos Anais da Biblioteca Nacional, pgs. 321, 412, 428 e 463; bem como o fascículo do Instituto Arqueológico e Geológico Alagoano, correspondente a junho de 1904; e também o vestuto arquivo da Freguesia do Traipu, as três fontes históricas a que me socorri para delinear o objetivo destas despretensiosas Notas.

Cônego Theotônio Ribeiro e Silva

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THEOTONIO RIBEIRO E SILVA. Filólogo, latinista e historiógrafo. Filho do Cel. Theotonio Ribeiro e Silva (+1878) e de Maria Lucinda da Silva. Tinha como irmãos os juristas Aureliano Antônio Ribeiro e Silva e ­­Deocleciano Augusto Ribeiro e Silva. Nasceu em Penedo. Ordenou-se em Roma e exerceu, com a maior competência, o magistério do Seminário de Olinda. Foi também Lente Substituto da Cadeira de Latim existente em Penedo.

Entre suas obras, ressalta-se à referente aos limites entre Alagoas e Pernambuco; bem como o Esboço Biográfico do Padre Francisco José Correia de Albuquerque, lendário taumaturgo, Presbítero Secular do Hábito de São Pedro, conhecido vulgarmente por Santo Padre Francisco. Nascido, talvez, em 1757, em Penedo-AL, “que morreu em ardor de santidade, deixando imperecível tradição de suas grandes virtudes nas paragens sanfranciscanas.”[iii] Além dessas, um Dicionário de Brasileirismos, cujos originais estavam depositados no arquivo da Academia Brasileira de Letras.

Em 1877, esteve em Roma por ocasião das comemorações do quinquagésimo aniversário da sagração episcopal do Papa Pio IX. Por carta imperial de 24 de agosto de 1882, foi empossado na Cadeira de Meia Prebenda do Seminário de Olinda, tendo feito renúncia dos seus benefícios e, a 26 de fevereiro de 1883, do próprio cargo.

Foi vigário de Santana do Ipanema, Triunfo (atual Igreja Nova) e Penedo até 1904, quando foi substituído, a seu pedido a D. Antônio Brandão, pelo Padre Manoel Vieira Ribeiro. Em 1905, esteve à frente das obras de construção da Igreja de Santo Antônio do Barro Vermelho, em Penedo, que se concluiu quase que totalmente às suas expensas. Manteve, no Penedo, a obra do Pão de Santo Antônio, que distribuía entre os pobres Ensino, vestes, alimentos e apoio espiritual.

Sobre ele, e a propósito de sua reconhecida dedicação à caridade, transcrevemos o Diário de Pernambuco, de 8 de março de 1928:

“UMA OBRA BENEMÉRITA – Há em Penedo um sacerdote, que junta à mais lúcida inteligência e à cultura mais vasta e profunda, o verdadeiro sentido evangélico da caridade.

Sem gestos nem atitudes que o recomendem à popularidade derivada da simpatia que se pode inspirara, o levita do Senhor veio, entretanto, para o bem a que se entrega com demasiado fervor, não trepidando em sacrificar aos seus desígnios filantrópicos os seus reditos, a sua saúde e o seu conforto.

Esse filantropo e erudito é o cônego Dr. Theotônio Ribeiro e Silva.

Cultor das ciências eclesiásticas, tem notório preparo em assuntos teológicos do que há dado exuberantes demonstrações.

Prezando muito o idioma vernáculo, estudou-o a fundo, elucidando, em artigos magníficos, diversos pontos obscuros do mesmo idioma.

O seu patriotismo insigne levou-o a se dedicar vorazmente ao estudo da história pátria, sobre a qual já tem escrito valiosas monografias, tratando principalmente de assuntos regionais.

O Cônego Theotonio Ribeiro e Silva é também excelente latinista e conhece não só o grego antigo como o moderno, que aprendeu, transpondo quotidianamente o São Francisco para receber lições de um grego que morava na cidade de Vila Nova (atual Neópolis-Sergipe).

Em uma dessas viagens, o dedicado sacerdote teve a desventura de naufragar, escapando miraculosamente da morte.

Se pelo conjunto de seus predicados morais e intelectuais, é o virtuoso ministro de Deus verdadeiramente digno da admiração de seus conterrâneos, o seu altruísmo tornou-o merecedor das bênçãos da pobreza a que ele tem liberalizado as mais fartas esmolas.

Com o intuito de ir em socorro dos numerosos indigentes que moram no bairro proletário do Barro Vermelho, em Penedo, S. Reverendíssima criou, no mesmo ponto, a Pia União de Santo Antônio dos Pobres, erigindo uma igreja, fundando aulas, socorrendo famílias necessitadas, liberalizando tratamento médico aos enfermos, enterrando pessoas falecidas em estado de miserabilidade.

E tudo isso tem sido feito à custa dos seguintes minguados subsídios: arrecadação dos zeladores – 1:125$400; rendimento do cofre – 590$540; subvenção do Estado – 372#500; ofertas de diversos devotos; rendimento dos prédios – 1:320$000.

Como se vê, a obra realizada pelo Cônego Dr.Theotonio Ribeiro e Silva é realmente valiosa e evidencia o seu altruísmo.”

Em 1919, foi nomeado Governador do Bispado do Penedo, onde faleceu a 20 de junho de 1929, aos 74 anos. Outras fontes dizem ser 64 anos[iv].

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Caro leitor,

Este Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, contém postagens com informações históricas resultantes de pesquisas, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso algumas delas seja do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.



[i] ACCONANS. Esta tribo ocupou outrora o Distrito de Lagoa Comprida, na Província de Pernambuco, depois instalou-se na freguesia do Colégio, às margens do Rio São Francisco. Fonte: L’ART DE VÉRIFIER LES DATES – Depuis l’année 1770 jusq’a nos jours, 1832. Paris. Biblioteca Nacional da França. Disponível em https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5754434g.r=%22lagoa%20comprida%22?rk=21459;2#

 

[ii] Os Carapotós, que viveram na Serra de Cuminaty, na província de Pernambuco, reúnem-se com os Acconans, nas margens do São Francisco. Fonte: L’ART DE VÉRIFIER LES DATES – Depuis l’année 1770 jusq’a nos jours, 1832. Paris. Biblioteca Nacional da França. Disponível em https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5754434g.r=%22lagoa%20comprida%22?rk=21459;2#

 

[iii] Diário de Pernambuco, 17 de janeiro de 1924.

[iv] Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 22 de junho de 1925. Diário de Pernambuco, 21 de junho de 1929. 

A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


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PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia