sábado, 25 de agosto de 2018

LIVINO FARIAS BRAZÃO – POETA SERTANEJO


Texto de Álvaro Antônio Machado[i]


O poeta Livino Farias Brazão
A região sertaneja de Alagoas é uma das mais ricas em termos de Literatura de Cordel. Se, hoje em dia, esta arte popular parece estar em decadência, pois são poucos os novos poetas que surgem, ainda há grande procura por parte dos amantes do Cordel, no sentido de adquirir os folhetos nas feiras livres das cidades, mesmo que estes sejam cópias de folhetos famosos ou simplesmente narrem acontecimentos destacados que ocorreram e movimentaram a região em épocas passadas.
Mas os bons poetas de antigamente, os “reis do cordel”, estão desaparecendo. Tanto que no próprio Sertão, são raros os que ainda sobrevivem sendo respeitados e admirados como nomes de destaque na literatura de cordel. Entre esses escassos nomes, encontramos um que se destacou nessa arte popular e ainda hoje realiza trabalhos em prol da divulgação e melhoria da qualidade dos livros de cordel. Trata-se do Sr. Livino Farias Brazão, 78 anos de idade, conhecido nos sertões de Alagoas e Sergipe como “poeta sertanejo de primeira”.
QUEM É?
Livino Farias Brazão, ou simplesmente “Livino Bola”, apelido de infância que o torna mais conhecido entre os conterrâneos, nasceu em Pão de Açúcar a 12 de abril de 1902 e até hoje reside em sua terra natal. Poeta sertanejo, “trazendo na veia o sangue da poesia”, desde rapazinho começou a mexer com a rima e com os versos, elaborando folhetos, mas encontrando dificuldades em imprimi-los e vende-los nas feiras livres de Pão de Açúcar. O jeito era escrever os versos num papel e recitá-los numa roda de amigos ou numa festinha. Mas, aos poucos, a sua arte foi sendo respeitada, e os primeiros livros foram aparecendo: “O Combate de Piranhas”, “Pão de Açúcar em Foco” e “O Católico Combatendo Contra o Protestante” foram alguns deles.
Em 1933, Livino Farias Brazão casou-se com d. Rosalina Gomes da Silva, que sempre lhe incentivou na criação de novos livros. Deste casamento surgiram três filhos que já deram a “seu” Livino a alegria de ser um vovô alegre e feliz.
Em sua residência encontram-se dependurados na parede de uma das salas, dois diplomas dos quais Livino muito se orgulha: o que lhe concede a Medalha de Ouro por participar, com destaque, do II Congresso Nacional de Trovadores e Violeiros, realizado em São Paulo em 1969, e o de Sócio Delegado do Grêmio Brasileiro de Trovadores.
Além de poeta sertanejo e escritor de cordel, Livino Brazão reúne também as qualidades de “mezinheiro” (fabricante de remédios). Nessa nova arte, Livino diz que fabrica “remédios contra qualquer incômodo ou inflamações de qualquer tipo. Hoje, devido à idade, diminuí a quantidade do fabrico de remédios, mas sempre que me pedem para fazer alguns, eu faço”.
SUA OBRA
O seu trabalho em literatura de cordel está bastante enriquecido, após mais de cinquenta anos de pesquisas e publicações. Livino sempre foi muito procurado pelos leitores e, na banca de cordel da feira de Pão de Açúcar, seus livros eram dos mais vendidos. De linguagem simples e objetiva, seus versos facilmente agradavam.
“Caros leitores presentes/ leiam com bem atenção/ o povo está revoltado/ é triste a situação/ só Deus do céu apascenta/ sobre a era de sessenta/ o problema da Nação”.
“Está tudo revoltado/ com o Regime do Brasil/ se não mudar direção/ começa guerra civil/ esta nação brasileira/ entra todos na fileira/ para pegar no fuzil.”
Livino sempre tratou dos problemas nacionais, locais e, principalmente, dos relacionados com a classe trabalhadora rural, à qual pertencia:
“Para melhorar a Nação/ tem que haver um formulário/ registrar os agricultores/ em outro vocabulário/ matricular os trabalhadores/ com ganhos compensadores/ tendo direito a salário”.
“Os trabalhadores do campo/ que vivem da agricultura/ É quem sustenta a Nação/ do baixo à literatura/ com este modo moderno/ quando cair o inverno/ na terra se vê fartura”.
“Pelo contrário, ninguém/ melhora a situação/ continua a carestia/ cada dia alteração/ em nada se vê tabela/ pobre não ferve panela/ só se derem comissão”.
Para quem passou pouco tempo nas bancas escolares, Livino tinha uma visão extraordinária para compreender as coisas. E sempre expressou sua opinião nos livros que fazia:
“Os homens se candidatam/ ao governo da Nação/ gastam uma fortuna/ organizando a eleição/ ficando prejudicados/ os gastos são duplicados/ devido à exploração”.
“Todos que se elegem/ têm força independente/ começa do Prefeito/ a chegar no Presidente/ quando entra Governo novo/ precisa cobrar do povo/ o dinheiro decadente”.
“Se todos votarem lícitos/ como é nosso dever/ melhor situação/ futuramente se vê/ não sendo experiente/ votando inconsciente/ muito pior vai haver”.
OS LIVROS
Livino não possui, e isto ele lamenta muito, a relação de todos os livros que publicou até hoje. Mas fazendo um esforço de memória, ele consegue relacionar os principais:
“O Combate de Piranhas”, “A Seca de 1932”, “Pão de Açúcar em Foco”, “O ABC poético contra o Comunismo”, “O ABC poético sobre a Aliança Liberal”, A Civilidade dos Casamentes sem Futuro”, “O Católico Combatendo contra o Protestante”, “O ABC poético sobre os Tempos Mudados”, “A Morte de Joaquim Cruz Rezende”, “Versos sobre a Eleição de 1960”, “A vida do Tenente Bezerra”, “As Diligências do Capitão Lucena”, “Bendito e Profecia de Frei Enoque e Frei Elias”, entre outros.
Os seus livros estão enquadrados, segundo a classificação do professor José Maria Tenório da Rocha em “O Mundo Maravilhoso da Literatura de Cordel”, como sendo do tipo “História e Fatos Reais”, onde se encontram “os folhetos que tiveram a preocupação de relatar fatos reais e acontecimentos verdadeiros, que existiram no Brasil e particularmente no Nordeste, embora que deformados pela visão do poeta”.
Segundo revelação do próprio autor, os seus livros atingem uma vendagem que varia entre mil e dois mil exemplares por edição, dependendo da data em que foi publicado e sua aproximação com a data do acontecimento relatado no folheto.
Outra particularidade da arte de escrever de Livino Brazão é o seu gênero poético, onde ele utiliza quase que exclusivamente as Septilhas. Estas, são formadas por versos heptassílabos, com o seguinte esquema de rima: A B C B D D B, como neste exemplo:
“Quem comprar este livro (A)/ Tem muita felicidade (B)/ Prolonga bem sua vida (C)/ Procura ter humildade (B)/ Estudando esta lição (D)/ Tem a paz no coração (D)/ Ama Deus e a verdade (B).”
Livino Brazão, como todo bom poeta, além dos livros de cordel compôs vários hinos para clubes, escolas, e inclusive para destacar acontecimentos famosos que ocorreram no Brasil, como é o caso da inauguração de Brasília e em comemoração ao Dia da Bandeira, ocasião em que Livino compôs, respectivamente, o “Hino Oferecido a Brasília” e o “Hino Sob a Bandeira Brasileira”.
E mesmo beirando a casa dos oitenta anos, morando modestamente numa residência defronte ao Rio São Francisco e passando a maior parte dos dias sozinho, longe até da própria família, Livino ainda tem forças para fazer ressurgir novos versos sertanejos e conservar bem rica e viva a mais autêntica literatura do homem que nasce e habita os sertões do Nordeste.
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Publicado no jornal Gazeta de Alagoas, Maceió, domingo, 17 de agosto de 1980.





[i]
Médico pão-de-açucarense formado pela Universidade Federal de Alagoas, com Especialização em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz. Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, membro da Academia Alagoana de Medicina e da Academia de Letras de Pão de Açúcar.








A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

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Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


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PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

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Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia