segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

O CÔNEGO DE DONA MAROCA

Monteiro Lobato


O Dr. J. C. Alves de Lima[i] vem de publicar um precioso livro de recordações de homens e coisas do seu tempo.
O seu tempo consta de 74 anos que já viveu neste mundo sublunar na mor parte transcorridos em viagens pelo estrangeiro e estadias na América do Norte, onde foi cônsul do Brasil por mais de três décadas. Está claro que tem muito o que recordar.
Encontros com homens célebres ou que vieram a sê-lo, incidentes de viagem, ideias que ocorrem pelo caminho, anedotas, sugestões aos nossos governantes, mil coisas.
Gaveta de sapateiro, chama o povo às miscelâneas —  porque há de tudo numa gaveta de sapateiro, menos sapatos. Qualquer memória de homem é gaveta de sapateiro — é riquíssima em casos como os do Dr. Alves de Lima, homem andejo, metade por natureza, metade por dever de ofício.
Não se trata de um escritor. O Dr. Alves de Lima não “liga” muito à língua, nem ao estilo, nem sequer à gramática. Não tem tempo. E como passou a maior parte do tempo no estrangeiro, onde a língua portuguesa é tão morta quanto a hebraica, escreve melhor em inglês ou francês do que na língua própria.
Mas justamente o despretensioso alinhavado da sua prosa, menos escrita do que conversada, dá grande sabor às suas confidências — e por ela nos vamos embora, mais agradavelmente do através de pomposos estilos catedralescos, onde tudo são lambrequins logotécnicos de difícil ingestão e pior digestão. Gênero conversa ao pé do fogo – conversa amiga e bonacheirona de quem, por muito vivido, se convenceu de que a vida não passa de uma... conversa.
O caso de Dona Maroca[ii], por exemplo. Não tem, na aparência, a mínima importância, simples caso de “passagem” que é. Mas não deixa de provocar reflexões, tanto mostra como as Marocas dirigem o mundo, dirigindo os homens — e que homens! Tribunos como Silveira Martins, imperadores como D. Pedro II.
— Eu sou o jequitibá da floresta. O machado que há de derrubar-me não se forjou ainda, tonitruava ao parlamento, batendo no peito largo o Mirabeau rio-grandense.
De fato, só depois de forjado o machado da República, é que o jequitibá aluiu. No entanto, uma Dona Maroca o fazia dúctil como uma vara de matambú.
Não era Dona Maroca nenhuma mulher de truz, das que atravancam a história com os seus espaventos, ao tipo das Dubarry, das Hamilton, das Domitillas, das Lianch. Boa dona de casa, doceira insigne talvez, experiente em chás e semicúpios com que curava as macacoas do seu marido, Soares Brandão[iii], bela figura de Senador do Império.
Soares Brandão era Presidente da Província das Alagoas, isto nos últimos anos da Monarquia. Numa viagem que com sua esposa fez ao Rio São Francisco, parou na pequena cidade de Penedo, onde recebeu a visita do humílimo vigário local. Conversa vai, conversa vem, dona Maroca pergunta ao padre qual a coisa que mais desejava no mundo.
— Ser cônego, dona Maroca. Se me pilho cônego, acabo o homem mais feliz da terra.
— Pois será cônego, respondeu dona Maroca e, voltando-se para o marido, intimou-o a operar o milagre.
Soares Brandão relutou. Fez ver como era D. Pedro II pontilhoso nesse pormenor, exigindo condições e desatendendo a pedidos.
— Com jeito tudo se arranja, retrucou dona Maroca, que já previa o advento da nossa república do arranjo. Na Corte, tecerei os pauzinhos.
E teceu — que paus! Meteu na dança, logo de cara, o jequitibá da floresta, nesse ano ministro do Império.
— Preciso de um cônego, senhor Ministro. Tenho em Penedo uma boa massa de cônego e preciso que Sua Majestade me faça presente de um.
Silveira Martins coçou a barba. Tantos problemas sobre a mesa e ainda por cima aquele cônego de encomenda! Mas não podia recusar-se a um pedido de dona Maroca – tão boa criatura, tão amável! — e levou ao imperial despacho a proposta conegadora do humilíssimo vigário do Penedo.
O Imperador, que tudo via e cheirava, impugnou a proposta, que não vinha com os requisitos legais. Não era caso e o papel foi posto de parte.
Silveira Martins insistiu e, no próximo despacho a proposta, sem alteração nenhuma, reaparecia. Reapareceria para sofrer nova preterição imperial. E foi um jogo. Dona Maroca a não desistir, o jequitibá a insistir e o imperador a resistir.
Na terceira ou quarta tentativa, D. Pedro cochilou e, apôs o seu ambicionado “P” grande sobre o renitente decreto.
Estava elaborado o cônego de dona Maroca, uff! Silveira Martins se apressou em passar pela rua Marquês de Olinda, onde a boa dama residia, e já do portão lhe foi gritando:
— A sua receita está aviada! Custou, mas saiu uma beleza de cônego.
A excelente senhora não ocultou uma infantil alegria, e sem tardança telegrafou ao padre de Penedo.
Foi uma bomba, como diria o Paulo Setúbal. O excelente padre duvidou dos seus olhos, como diria um romancista old style, e depois saiu, agitadíssimo, a pernejar pelas ribanceiras do rio, delirando de contentamento.
— Estou cônego! Estou o Senhor Cônego!, exclamara às pedras, às águas, às árvores, às gentes atônitas. Cônego, e dos bons, ouviram?
Os penedenses reuniram-se em grupos ressabiados, cheios de dó e vaticínios.
— Enlouqueceu, o pobre? Eu bem andava notando qualquer coisa...
Mas o padre exibiu o telegrama de dona Maroca e a alegria foi geral. Penedo, enfim, dava um cônego! Viva Penedo! E tudo acabou em generalizada alegria de coração, exceto para o pedreiro livre local, que amuou.
Não é, como se vê, um transcendente episódio histórico, nem as demais anedotas que recheiam o livro do Sr. Alves de Lima se medem por padrão mais alto. Mas é humaníssimo e mostra com as donas Marocas dirigem a sociedade. Se fosse possível uma investigação a fundo sobre todos os Atos governamentais, talvez assombrasse ao sociólogo o número dos que embricam, na origem, em caprichos de mulher. Capricho, desejo ou ódio. É estudo que merecia ser feito, a determinação do quantum de parte feminina nos negócios públicos.
Psicólogos há que o avaliam em 70 %. Outros, em mais. Se as paredes, que têm ouvidos, também tivessem bocas, se falassem as paredes das alcovas...
Os governos se agitam. As saias os conduzem.

______________
Extraído do jornal carioca A MANHÃ, 19 de dezembro de 1926.




[i] José Custódio Alves de Lima nasceu em Tietê, Estado de São Paulo a 7 de setembro de 1852. Filho do comendador Antônio Manuel Alves de Almeida Lima e de Maria Leopoldina de Almeida Lima. Estudou em São Paulo e no Rio de Janeiro e, em 1873, foi para os Estados Unidos, onde fez o curso de Engenharia nas Universidades de Cornell e Syracuse. Terminado o curso, casou-se com Ella Barber Alves de Lima nasceram os filhos: Frederico; Gay; Antônio; Paulo e Maria. Foi cônsul do Brasil em Havana e, após a Grande Guerra (1ª Guerra Mundial), foi cônsul geral do Brasil nos Estados Unidos. Faleceu no dia 2 de fevereiro de 1938. Fonte: Correio Paulistano, 3 de fevereiro de 1938, p. 4.

[ii] Maria Anna Paes Barreto. Nascida em 21 de julho de 1847. Era sobrinha-neta do do Marquês do Recife, o famoso Morgado do Cabo. Faleceu no Rio de Janeiro no dia 24 de julho de 1917. Fonte: O Paiz, RJ, 25 de julho de 1917. Foi sepultada no Cemitério São João Batista no dia 25 de julho de 1917. Saíu o féretro da Travessa Marquês de Paraná, nº 23. Tinha 70 anos. Fonte: Gazeta de Notícias, RJ, 26 de julho de 1917.

[iii] Filho de Francisco Pedro Soares Brandão e Maria Rita Gonçalves da Rocha, nasceu em Jaboatão, Pernambuco, a 31 de outubro de 1839. Formou-se pela Faculdade de Direito do Recife em 1861, após o que abriu escritório de advocacia. Em fins de 1866, foi nomeado ao cargo de juiz de órfãos de Recife, que se manteve até 1872. Na vida pública, foi deputado provincial (1864 e 1869), deputado geral (1878-1881), presidente de província (de Alagoas, Rio Grande do Sul e São Paulo), ministro dos Negócios Estrangeiros e Senador do Império do Brasil, do qual foi escolhido, na vaga do senador Barão de Pirapama, em 29 de outubro de 1882. Foi empossado em 22 de maio de 1883 até o ano 1889. Quando do advento da República, foi morar no Rio de Janeiro, abrindo escritório de advocacia, onde veio a falecer no dia 1º de setembro de 1899. No curto período em que foi Presidente da Província de Alagoas (de 11 de março a novembro de 1878), visitou Pão de Açúcar, em viagem que demandava a Cachoeira de Paulo Afonso.





Maria Anna Paes Barreto - Dona Maroca. Acerco Fundação Joaquim Nabuco.

Dona Maroca. Acervo Fundação Joaquim Nabuco.

Francisco de Carvalho Soares Brandão. Acervo Fundação Joaquim Nabuco.

Soares Brandão e D. Maroca. Jornal do Brasil, 30/10/1040.

Gaspar da Silveira Martins. 

José Custódio Alves de Lima. Foto: O Malho, RJ.






sábado, 7 de fevereiro de 2015

UFAL 1979 — A GREVE DA ENGENHARIA



Por Etevaldo Amorim

            Há poucos dias li, com agradável surpresa, um novo artigo no Blog do meu prezado amigo Edberto Ticianeli Pinto, sob o título “A GREVE DA ENGENHARIA DE 1979 E O AUTORITARISMO NA UFAL”.

Esse pão-de-açucarense, que divide o sobrenome entre a descendência materna italiana e a procedência lusitana dos Soares Pinto, de Pão de Açúcar, narrou, com conhecimento de causa, aquele episódio marcante do movimento estudantil alagoano. E não se limitou a relatar o fato em si, mas discorreu sobre os antecedentes e o contexto político em que se deu.
           
            Eu próprio, que como estudante de Agronomia apenas engrossava o coro e fazia número na plateia, já esboçara um arremedo de artigo, sem, contudo, me arriscar a publicá-lo por considerá-lo pobre de informações, circunscrito apenas ao relato do que a memória conseguiu guardar.
                       
Era tarde do dia 29 de novembro de 1979, uma quinta-feira. Centenas de estudantes dos mais diversos cursos da UFAL se reúnem na Praça Sinimbu, em frente ao prédio da Reitoria. O ato fora convocado pelo comando de greve dos alunos de Engenharia Civil, cuja paralisação já contava mais de trinta dias. O objetivo do movimento era a substituição do Professor Arlindo Cabús, titular da disciplina Resistência dos Materiais, recordista em reprovações. Naquela tarde se realizaria a solenidade de posse no novo Reitor da Universidade, o Professor João Azevedo[i], que sucederia a Manuel Ramalho[ii].

            As lideranças estudantis se revezavam em discursos, entre elas o Deputado Estadual Renan Calheiros e Aldo Rebelo[iii], recém-eleito Secretário Geral da UNE – União Nacional dos Estudantes, cujo Congresso de Reconstrução se realizara recentemente em Salvador. Destacavam-se também Maurício de Macedo, Presidente do DCE – Diretório Central dos Estudantes, Edberto Ticianeli e Thomás Beltrão, ambos da Turma de Engenharia.

Empunhando um grande número de faixas e cartazes, com dizeres como: “ABAIXO O CABUS, POR UMA UNIVERSIDADE DEMOCRÁTICA” e “500 x 1 CONTRA O CABUS”, os estudantes expressavam o seu descontentamento com aquele professor, mas também levantavam bandeiras histórias do movimento estudantil: “MAIS AUTONOMIA E MAIOR PARTICIPAÇÃO NOS RUMOS DA UNIVERSIDADE” e “COMISSÕES PARITÁRIAS DECIDIRÃO O FUTURO UNIVERSITÁRIO”.

            Aproximava-se o horário de início da Solenidade. No momento em que o Governador Guilherme Palmeira e sua Comitiva dirigiam-se à porta principal do prédio, os estudantes entoaram uma sonora vaia, a que a Banda da Polícia Militar, perfilada na calçada, tentava superar tocando tão alto quanto possível.

            As vaias não puderam ser abafadas. Assim que o último membro da comitiva transpôs a porta, os estudantes se puseram em marcha em direção à entrada. Um funcionário ainda tentou impedir, mas sem sucesso. Naquelas circunstâncias, nada os deteria. E foram entrando, acotovelando-se e gritando palavras de ordem, enquanto algumas funcionárias se protegiam por detrás de um balcão. Uma delas, senhora de idade, temendo pelos danos que poderiam causar, sobretudo à solenidade tão cuidadosamente preparada, suplicava aos gritos:

            - Pelo amor de Deus, meus filhos... Hoje não!

            Mas, aquele era o dia. E não havia predisposição para depredação ou algo parecido. E foram subindo pela escadaria que dava para o Auditório. Todos os lugares já estavam tomados. Muitos convidados, funcionários, familiares dos reitores e professores. Ocuparam, então, os espaços do fundo e dos corredores do recinto. Lotação total! Foi um assombro geral. Os convidados olhavam aquilo com verdadeiro espanto. Alguns, com caras de poucos amigos, chegaram a trocar ofensas com os “invasores”.

            Compôs-se a Mesa que deveria dirigir a solenidade. Além do Governador do Estado, que a presidia, ali estavam, à sua direita: o Deputado Estadual Agripino Alexandre, os Ex-Reitores Aristóteles Calazans Simões e Nabuco Lopes, o representante do Ministro e o Prof. João Azevedo. A sua esquerda: o Prof. Manuel Ramalho e o Arcebispo D. Miguel Fenelon Câmara, além de outros professores.

Procedida a transmissão de cargo, a solenidade se encaminhava para o final quando, em uníssono, os estudantes gritaram bem alto:

— “Queremos a palavra, queremos a palavra”...

O Governador, presidindo a Mesa, hesitou. O representante do Ministro da Educação e Cultura (Eduardo Portella[iv]), Prof. Leodegário Amarante de Azevedo Filho[v], cochichou ao ouvido de Guilherme Palmeira como que o aconselhando a atender à reivindicação.

            Palavra concedida, os estudantes indicaram o Secretário Geral da UNE para falar. E lá foi o Aldo, passos lentos, mas firmes em direção ao estrado onde se localizava a enorme Mesa repleta de autoridades. E começou:

“Magnífico Reitor João Azevedo,
Autoridades civis, militares e eclesiásticas aqui presentes,
Companheiros professores,
Colegas de Engenharia,
Companheiros grevistas aqui presentes,


Disse certo, correto e coerente o Professor João Azevedo quando se referiu de maneira serena, de maneira sóbria, de maneira verdadeira à crise, à assombrosa crise que atravessa o ensino superior no Brasil, que atravessa a educação enquanto instituição em nosso País, que atravessa, também, por não fugir à regra, por não ser uma exceção observada, atravessa também a crise, a Universidade Federal de Alagoas.
            Temos conhecimento que, através dos anos, de governos autoritários que se sucederam a Universidade, a Educação deste País foi a vítima maior da diminuição das verbas que afetou os serviços prioritários da Nação, principalmente a saúde, principalmente a educação, principalmente a assistência social. No orçamento de 1980, o governo brasileiro destinará, apenas, 4,28 % do Orçamento do País, como dotação para o Ministério da Educação.
            Isto, senhores professores, Magnífico Reitor, companheiros aqui presentes, significa, infelizmente, a menor quota concedida à educação, nestes últimos quinze anos em nosso País. E isto, tem razão o Professor João Azevedo, é muito grave. É muito grave quanto sabemos que várias escolas de nível superior, neste País, ameaçam fechar, ameaçam cancelar seus vestibulares por não encontrar condições de pagar sequer aos funcionários da limpeza, como é o caso da Universidade Federal de Minas Gerais. O Magnífico Reitor daquela instituição de ensino superior, numa assembléia geral com seus professores, com seus estudantes e com seus funcionários, colocou a dura realidade de que várias escolas da Área de Ciências Humanas da UFMG fechariam suas portas, dispensariam seus estudantes, colocaria a serviço de outras instituições seus professores, por falta absoluta de verba.
            E é particularmente mais grave ainda quando nós sabemos que esta crise não é, apenas, uma crise administrativo-financeira; quando sabemos que esta crise não é apenas crise que não permita que os estudantes da UFAL terem acesso ao restaurante universitário; não pe uma crise, apenas, que não permita que estudantes da UFAL tenham uma biblioteca por cada curso, sem bebedouros funcionando; que obriga os estudantes de Direito e de outros cursos mais a perambularem de sala em sala atrás de uma cadeira onde sentar; não apenas uma crise desse tipo. É uma crise mais profunda. É a própria crise de identidade que separa a educação do povo, que separa a criatividade cultural, que separa a pesquisa científica das necessidades tecnológicas do País, das necessidades culturais, das necessidades econômicas e das necessidades sociais da comunidade. É a crise que afasta o médico, que afasta o engenheiro, que afasta o advogado, que afasta qualquer técnico de nível superior das camadas mais pobres e mais humildes porque não têm condições de pagar um serviço caro, um serviço de alto custo. É uma crise mais grave ainda porque não tem saída, porque não tem outra opção senão quando formado ir servir a interesses alienígenas, aos interesses dos exploradores, daqueles que transferem para cá, que transferem para a nossa Pátria o seu dinheiro para aqui acumular, para aqui nos explorar e para aqui, também, levar o que existe de criatividade em nosso País. E esta crise precisa ser superada.
            Fala o Professor João Azevedo: o homem nordestino, humilde, sereno, altivo ao mesmo tempo, é aquele que só agradece quanto tem certeza de que faz com honestidade. Mas o agradecimento, a certeza da honestidade, a dignidade e a humildade ao mesmo tempo do homem nordestino traz, também, no seu bojo uma história de lutas e uma história de reivindicações que vem desde os tempos do Zumbi do Quilombo dos Palmares, que, rolando as serras, morreu ao lado de milhares de seus compatriotas africanos aqui presentes, ludibriados pelos latifundiários e donos dos engenhos de açúcar. Traz, também, a dignidade da luta dos cangaceiros de Lampião que não se submeteram à perseguição policial e que entraram nas brenhas resistindo o tempo todo.
            E exata resistência, companheiros, é o que nos cabe aqui evocar. É a resistência dos brasileiros, é a resistência que vem desde o tempo dos portugueses quando os estudantes, ao lado deles, expulsaram daqui os franceses; quando os estudantes, ao lado deles, também expulsaram os invasores holandeses. E hoje, aqui presentes, nós temos novamente a dar este testemunho de resistência.
            A universidade subjugada, a universidade submetida, a universidade escravizada, a universidade entregue de braços abertos aos interesses imperialistas, a universidade entregue de braços abertos aos interesses mercantilistas não pode continuar. Essa universidade exige dos estudantes, exige dos professores, exige  de todos os homens de boa vontade, de todos os patriotas, de todos os democratas deste País um posicionamento firme. Não podemos deixar, companheiros, - é também obrigação nossa – que a Universidade Federal do Acre, onde nós estivemos há pouco mais de um mês, seja transformada num campo de concentração que favorecerá, certamente com os cursos que lá estão sendo criados, aos grandes latifundiários que estão destruindo, de uma vez por todas, a Amazônia. Um companheiro nosso mostrava um mapa do Acre, construído há mais de dez anos, onde dezenas (______) estão hoje desaparecidas, morrendo na Cordilheira dos Andes, nas nascentes dos rios Tocantins e Paurus. Esta ameaça que nos fuzila como se animais fossem, é esta ameaça que também paira sobre a universidade.
            E este grito uníssono, este grito bravo, este grito de resistência dos companheiros de Engenharia que aqui se encontram em greve é um testemunho de que, em nossa Terra existe resistência; é um testemunho de que não morreu a luta de Tiradentes; é um testemunho de que não morreu a luta daqueles que tombaram, inclusive estudantes, ao longo desses quinze anos em defesa desta terra explorada e oprimida.
            E agora, quando toma posse o digníssimo, o caríssimo, o Magnífico Reitor João Azevedo, de quem tomamos várias horas em diálogo quando representávamos aqui os estudantes, no seu gabinete de Vice-Reitor, de quem nos aproximamos através de embates sobre nossas reivindicações, agora à tarde, dou o testemunho desses companheiros que estão aqui em greve. Os companheiros de Engenharia querem aula. Os companheiros de Engenharia querem professores. Os companheiros de Engenharia querem melhores condições de ensino, mas os companheiros de Engenharia também querem justiça. Os companheiros de Engenharia exigem que a Universidade democrática seja democrática, também, com os estudantes; que a Universidade combativa tenha, em primeiro lugar, a participação daqueles que a conseguem com o seu saber e a sua cultura; dos professores, dos pesquisadores e, também, dos estudantes, como dos funcionários que, labutando dentro dos gabinetes, e também trabalhando dentro dos laboratórios, constituem a força de trabalho que botam o ensino, a educação e a cultura para frente.
            E este testemunho, finalizando, é testemunho de que o Prof. João Azevedo se comprometerá, certamente, como sempre tentou se comprometer, apesar de não representar a sua própria vontade, apesar de não poder passar, certamente, pelos instrumentos de arbítrio que o prendem, que o amarram como amarram todas as instituições deste País, apesar de, como nós, ser fruto da mesma cadeia que cerceia a liberdade de pesquisa, que cerceia a liberdade da palavra, ele, certamente, se comprometerá com as reivindicações. Ele, certamente, tirará a Universidade, tirará da Escola de Engenharia, se for, realmente, reivindicação justa dos estudantes, um professor que não corresponde às suas aspirações. E ele, certamente, também, se colocará a favor da nossa luta pelo fim desse instrumento opressivo, pelo fim desse instrumento que não ajuda a construção de uma Universidade democrática que ed o maldito instrumento do jubilamento.
             O Prof. João Azevedo, certamente, também, tenderá a compartilhar conosco da reivindicação pela média sete. E o professor João Azevedo que se coloca, realmente, ao lado dos estudantes, e ao lado do povo sofrido, do povo humilhado, do povo ofendido, do povo da favela, do povo ribeirinho, do povo das lagoas e do podo das grandes fazendas da cana-de-açúcar, ele, certamente, levará conosco a bandeira, levará conosco a luta de transformar esta Universidade em algo mais próximo dos estudantes e mais próximo do povo. E a luta também se constitui, não só na luta pela transformação da universidade, porque a universidade não está divorciada de toda uma sociedade que também sofre e é vítima. A nossa luta é a luta pela melhoria das condições de ensino; é a luta pelas reivindicações específicas, mas é, também, a luta pela transformação dessa sociedade brasileira numa sociedade justa, numa sociedade sem exploradores, numa sociedade sem oprimidos, numa sociedade onde homens vivam de barriga cheia.
            Que vivamos num País de liberdade!”

            Enquanto falava, um silêncio quase absoluto se verificou. Os presentes, inclusive as autoridades que compunham a Mesa, ouviam embasbacados um discurso que, essencialmente, destoava do modo de falar da maioria dos estudantes. Sem a costumeira veemência e sem aqueles jargões característicos do movimento estudantil, o discurso de Aldo era pronunciado em tom ameno, voz pausada, quase monótona, mas bem concatenado. Usava as palavras com magnífica habilidade e sabia dar a cada uma delas o peso que realmente tinham: nem mais, nem menos.

Aplausos entusiásticos sucederam o orador, que retornou ao chão onde estavam todos os seus colegas.

Para concluir, posso afirmar que aquele movimento, que teve a sua apoteose naquele Ato e naquele discurso de Aldo, foi plenamente exitoso, sobretudo se considerarmos as circunstâncias daquele momento histórico.

Edberto Ticianeli, em seu Blog, informa que “dias depois, houve uma reunião com o Reitor. João Azevedo explicou as dificuldades regimentais que tinha para afastar o citado professor, mas se comprometeu a ‘promovê-lo’ para outro cargo. No final do ano letivo, Arlindo Cabus assumiu a presidência da COPEVE, a Comissão que organizava o concurso vestibular da UFAL”.

Estudantes reunidos em frente à Reitoria, na Praça Sinimbu. Foto: Jornal de Alagoas.

Aldo Rebelo, Secretário-Geral da UNE, fala aos colegas.

O estudante, e Deputado Estadual Renan Calheiros fala aos colegas, tendo na retaguarda Edberto Ticianeli, Thomás Beltrão e Aldo Rebelo.


Estudantes aglomerados em frente à Reitoria, enquanto a banda toca.

Auditório completamente tomado por convidados e pelos estudantes.

Estudantes sentados no chão entre os convidados. O comendador Tércio Wanderley (terno escuro e óculos) e, à direita, de bigode preto (ainda), o autor destas linhas.

Outro grupo de estudantes, vendo-se o Deputado Estadual Renan Calheiros (de óculos)

Mais um grupo de estudantes, vendo-se à frente (à direita), Maurício Macedo.

O Professor Arlindo Cabus, sentado ao centro, o motivo da greve.

Aldo Rebelo faz uso da palavra representando os estudantes.

REFERÊNCIAS.

AZEVEDO, João (Coord.). UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS: DOCUMENTOS HISTÓRICOS. Maceió, 1982.

JORNAL DE ALAGOAS, 30 de novembro de 1979.



[i] João Ferreira Azevedo, Reitor de 29/11/1979 a 29/11/1983.

[ii] Manuel Machado Ramalho de Azevedo, Reitor entre 28/11/1975 a 28/11/1979.

[iii] José Aldo Rebelo Figueiredo nasceu em Viçosa-AL, em 23 de fevereiro de 1956. Jornalista e político filiado ao PC do B, foi Secretário-Geral e Presidente da UNE; Vereador por São Paulo e Deputado Federal por cinco Legislaturas, também representando o povo paulista. Foi Presidente da Câmara dos Deputados, chegando a assumir interinamente a Presidência da República. Foi Ministro da Secretaria de Articulação Política e Relações Institucionais; Ministro do Esporte de 27 de outubro de 2011 a 1º de Janeiro de 2015 quando assumiu o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

[iv] Eduardo Mattos Portella, crítico, professor, escritor, conferencista, pesquisador, pensador, advogado e político, nasceu em Salvador em 8 de outubro de 1932. Foi Ministro da Educação e Cultura entre 15 de março 1979 e 26 de novembro de 1980. Foi demitido porque apoiou a greve dos professores da UFRJ, cunhando a famosa frase: “Eu não sou Ministro, eu estou Ministro”, para deixar registrada a transitoriedade do cargo.

[v] Leodegário Amarante de Azevedo Filho, nasceu no Recife em 1927 e faleceu em 30 de janeiro de 2011 no Rio de Janeiro Foi Professor Titular e Emérito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia