segunda-feira, 1 de agosto de 2016

SUPOSTA CARTA DE JESUS CRISTO

Por Etevaldo Amorim

Pão de Açúcar em 1869. Foto: Abílio Coutinho.
A Semana Ilustrada, que se publicava no Rio de Janeiro, em sua edição do dia 21 de março de 1869, exibe uma nota assinada por alguém que se assinava como Dr. Semana. Sob o título PONTOS E VÍRGULAS, a notícia trata de uma carta, supostamente escrita por Jesus Cristo, numa certa cidade ribeirinha do São Francisco, no sertão alagoano. Diz a revista:
“Preparem os ouvidos; limpem os óculos; disponham-se todos para ouvir e ler a coisa mais espantosa, mais inesperada, mais singular de todo este século.
Ninguém espera pelo acontecimento que vou relatar. Aposto a província do Piauí contra cinco mil réis em como o leitor está tão longe do que lhe vou dizer como Frei Brandão está longe do Monte Hymetto, e o Banco do Brasil longe da conversão em ouro.
Aproveito o domingo de Palmas para referir o acontecimento; é bom que a santidade do cia me ponha a coberto das injúrias que porventura se lembrariam de tapar-me a boca.
Aqui vai o acontecimento:
Esteve no Brasil, no mês de dezembro do ano passado... quem? Dou um doce a quem adivinhar qual foi o hóspede ilustre que pisou terra brasileira no ano de 1868.
- Foi Garibaldi? Diz um leitor.
Qual!
- Foi Victor Hugo? Acode outro.
Não, senhor.
- Napoleão III? Interroga um terceiro.
Não foi esse.
Cada leitor coça a cabeça, arregala os olhos, põe a fronte entre as mãos, na posição em que os pintores representam os homens meditativos, e depois de um longo investigar, a ver se obtém das minhas mãos o doce prometido, confessam todos os leitores que não sabem quem seja.
Compadecido da ansiedade pública e particular, ansioso por comunicar a todo o Império um acontecimento que só a província das Alagoas teve a glória de ver, declaro que a pessoa que visitou terra brasileira no mês de dezembro d e1869, foi:
JESÚS CRISTO.
- Impossível! Gritam os leitores; isto é caçoada do Dr. Semana. Não estamos no primeiro Abril; além disso, a semana santa merece algum respeito...
Perdão, leitores; eu não vi o divino hóspede do Brasil, pois que ele apenas esteve nas Alagoas, mas tenho a prova de que lá esteve, e prova irrefutável. A prova é uma carta escrita por ele mesmo e datada da Vila do Pão de Assúcar, daquela província, em 2 de dezembro d e1868, carta que o Diário das Alagoas publicou e que tem sido copiada pela população do Pão d’Assúcar e posta em bentinhos ao pescoço.
Isto é, Jesus Cristo fez nem mais nem menos o que faria Victor Hugo ou Garibaldi se viessem agora às nossas plagas. Não é crível que esses dois políticos imensos deixassem de escrever duas epístolas lardeadas com toucinho republicano, prometendo ao país a fraternidade e a liberdade dos povos.
A diferença é que, não tendo Jesus Cristo aspirações políticas, a carta limitou-se a advogar os interesses espirituais, não sem tocar algumas vezes em coisas terrenas, como os leitores verá adiante.
Os Evangelhos são omissos neste ponto. Não consta, por eles, que o fundador da Igreja fosse dado ao gênero epistolar. Descobriu-se isto no Século XIX, na Província das Alagoas, na Vila do Pão d’Assúcar. É uma lacuna que deve ser preenchida pelos sabedores da história sagrada.
Mas o prazer que nos causa a existência de uma carta escrita por Jesus Cristo fica um pouco aguado com a descoberta de que Jesus Cristo não sabia ortografia nem sintaxe.
A ortografia da carta é digna de uma lavadeira; a sintaxe está pedindo um ofício do sub-delegado da roça.
Verdade é que a carta é escrita em Português, e não existindo ainda a língua de Camões no tempo de Pôncio Pilatos, não é estranho que os contemporâneos do pro cônsul ignorassem os rudimentos de uma língua que só depois veio ao mundo.
O caso é que, se a carta aparece alguns meses antes, Jesus Cristo não escapava da eleição de Deputados. A independência gramatical é uma virtude política muito de apreciar nestas terras. ”
            E transcreve a carta, ipsis verbis et virgulis, a exemplo do que fez o Jornal do Recife, de 28 de dezembro de 1868, reproduzindo notícia dada pelo Diário das Alagoas, com o seguinte comentário:
“Ao Diário das Alagoas, escreveram o seguinte do Pão de Assucar:
“Apareceu aqui nesta Vila uma carta que dizem ter sido feita por Jesus Cristo ao povo; e tem isto de tal sorte entrado na cachola de uma meia dúzia de devotos e devotas – verdadeiras hipócritas – deste lugar, que já têm extraído diversas cópias para trazerem penduradas no pescoço como relíquia ou bentinho. Ei-la:[i]
 ‘Filhos meus rimidos com o meu precioso sangue derramado na Cruz criados com o meu precioso sangue e Santo do meo reino principalmente minha mãi Maria Santíssima Nossa advogada e protetora por tanto se vós não emendardes vosso mao costume heide castigar. Guardai nos Domingos e dias santos em que a Igreja vos manda ouvir missa inteira com vossa família e si assim não obdecer  hei de castigar com fome e sede  e não gozarão de fructos gerais na terra, vos andarei a peste e tu não sabereis curar no primeiro dia que tiver este avezo  fazei penitencia dai esmolas aos pobres pelo meu amor e pelas almas do Porgatório não jurareis falço e os que procurar esta carta por ahi elles gozarão da minha bênção enviarei para o ceo celestial se não fosse o rougo do meu Pai Francisco e Santa Thereza vos tinha castigado com as penas do inferno que vos tem merecido. Quem duvidar desta minha carta e jugar feita por mão pecadora eu disterrarei como foi Salomão e toda sua geração quem tiver conseguido esta minha carta e espalhar por todas criaturas cristandades e lhe perdoarei todos os seus pecados. Quem não souber escrever dará um vintém a quem lhe cupiar esta minha carta e lhe porei a minha mão benigna e lhe discubrirei o meu rosto. Os que tiver esta minha carta ficarão livre do trabalho e moléstia. Por signal, no primeiro de agosto do vindouro anno o sol ficará de tal maneira que ninguém conhecerá uns aos outros – o pai não conhecerá o filho, nem ao filho ao pai, por tanto aviso-vos e mostrarei a minha bondade e graça de minha mãi Maria Santíssima Nossa Senhora e o Anjo da Guarda por estar de contínuo a rogar por vos.
Pão d’Assucar, 2 de dezembro de 1868.




[i] Jornal do Recife, 28 de dezembro de 1869, capa.
Semana Illustrada, 21 de março de 1869, p. 2.

A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia