quinta-feira, 2 de novembro de 2023

SONETO

 

Massilon Silva[i]

 

Almas de vagabundos, desordeiros,

De santos, de profetas, benfeitores,

Poetas, seresteiros, trovadores,

Pacifistas, ferozes pistoleiros...

 

Em cumprimento ao eternal degredo,

Todas foram um dia em andar trêmulo,

Recebidas  no mundo do além-túmulo

Pelos braços de Cérbero ou de Pedro.

 

E num mundo tão perto e tão distante,

Parentes, aderentes, pais e filhos,

Há pouco ou há muito já chegados

 

Num barco dirigido  por  Caronte,

Lá no Hades com Dante ou com Virgílio

Reúnem-se no Dia de Finados.



[i] Advogado, nascido em Pão de Açúcar, a 6 de março de 1954. Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Maceió - FADIMA, estudou também Observação Meteorológica de Superfície - SUDENE/OMM, Curso Básico de Jornalismo - Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Alagoas e Teologia (não concluído) - Faculdade ALFA, Aracaju. Atuou como corresponde do Jornal de Alagoas, Jornal de Hoje e Desafio, todos de Maceió/AL. Participou das antologias Tempo Definido e outras, da Editora Scortecci, São Paulo e da coletânea Aperitivo Poético, Aracaju/SE. É membro da Academia de Letras de Pão de Açúcar/AL e da Academia Alagoana de Literatura de Cordel e da Academia Sergipana de Cordel.

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

O TREM DE XANDU

Mauro Mota[i]

Entre as pessoas referidas por Félix Pires de Carvalho, pessoas das relações pessoais e de trabalho de Delmiro Gouveia, uma delas compensaria a aridez às vezes não só da paisagem, também do homem do sertão nordestino.

Este, sim, podia dizer: minha vida é um romance. Em cima do seu trenzinho, podia oferecer argumento e elenco para um filme, com intérpretes de carne e de ferro. Era o compadre Xandu, mais conhecido por Xanduzinho das Rosas, por ser muito prazenteiro e cantador de toadas, não obstante já estar bastante velho.

Foto_Luiz Ruben F. de A. Bonfim


Era tão interessante, conta o memorialista sertanejo, o modo como agia Xanduzinho como chefe do trem, que até hoje trafega das Piranhas (Marechal Floriano) a Jatobá (Petrolândia), que acho mesmo de bom alvitre deixar um pouco a vida de Seu Delmiro para intercalar neste modesto trabalho algumas das suas que eu testemunhei e gostava mesmo de testemunhar por achar engraçadas.

Ele fazia tudo na estrada, mas nunca achou quem fizesse representação contra ele, porque a coerência que ele tinha com uns era suportada pelos outros, que imaginavam amanhã também precisarem das mesmas coerências. E assim Xanduzinho ia cantando a sua filosofia sem ser incomodado.

Xanduzinho das Rosas era inimigo de horários e sinetas. Não abandonava passageiros nem os pertences. Chapéu, embrulho e até jornal que eles deixassem cair pelos engates ou pelas janelinhas dos vagões, parava a locomotiva para recolhê-los, fosse em que altura fosse do ramal.

Seu Félix mesmo, de viagem marcada a Piranhas, chegou uma vez esquipando em Jatobá, tão cedo que “ainda estava sendo abraçado por Morfeu”. Perto do cemitério, ao ouvir o apito do trem anunciando a partida dentro de alguns minutos, teve que “impelir a burra a maior velocidade das carreiras”.

Já na rua de Jatobá, o compadre Lero (coronel Aureliano Menezes), que estava fazendo a barba com o cabo do espelho enfiado do buraco da janela, interpelou-o:

- Que pressa danada é essa? Quer matar essa bicha baixeira?

Explicando que estava prestes a perder o trem para Piranhas, o “coronel” o tranquilizou:

- Deixa de ser bobo. Eu também vou.

Pediu à mulher para fazer café e cuscuz e chamou o moleque da casa:

- Corra meu filho, vá à Estação e diga a Xanduzinho que aguente a mão que eu e compadre Félix vamos viajar e chegamos daqui a pouco.

O “daqui a pouco” foi mais de uma hora. Lero se vestindo, procurando o parapó. Mas Xanduzinho aguentou a mão, somente apitando, apitando, chamando.

No trem tinha uma moça falando contra a demora, achando aquilo uma vergonha, dizendo que aquela estrada de ferro era a pior do mundo.

Xanduzinho perguntou a ela para onde se botava. Ela respondeu que morava no Rio de Janeiro. Ia a Paulo Afonso ver a mãe que não via há muitos anos, e ainda mais aquele atraso.

- Estrada pior do mundo!

Xanduzinho ainda perguntou se ela gostaria se alguém maltratasse a mãe dela. Ela respondeu mais zangada ainda:

- Não admitiria o atrevimento.

- Nem eu! – disse ele. A senhora está falando mal da minha, chamando ela de “pior do mundo”. Essa estrada é minha mãe, fique sabendo.

Disse isso e começou a cantar uma toada: “É amando, e chorando e querendo bem”...

***   ***   ***

Em outra ocasião, o trem ia viajando, vimos debaixo de um imbuzeiro muito imbu maduro. Então eu lhe disse: olha, Xanduzinho, que beleza!

Ele mandou parar o trem para chuparmos imbu até quando todos ficamos satisfeitos com o suco da saborosa fruta.

Outro dia, não sei se por falta de passageiros, foi atrelada à máquina apenas a primeira classe e nela embarcaram os passageiros de primeira e de segunda classe, indo até o Coronel José Rodrigues, Chefe Político de Piranhas, com três soldados da polícia alagoana e dois dos seus cangaceiros.  Eu então lhe perguntei:

- Que diferença há dos passageiros de segunda classe para os de segunda? Ele respondeu:

- Adiante você verá.

Quando chegamos a um lugar em que havia muitas árvores secas, ele mandou parar o trem e disse:

- Os passageiros de segunda classe vão quebrar lenha para a máquina do trem; e, virando-se para mim, disse? – Eis aí, Félix, a diferença que você me perguntou.

***   ***   ***

Seu Félix não tivera sorte no negócio tentado em Esplanada, na Bahia. Veio com toda a bagagem. Numerosos volumes sobrados da liquidação, via Propriá, onde os colocou em canoas para atingir Piranhas pelo São Francisco. Aí, para atender ao pagamento dos fretes do trem, pediu que fizessem a pesagem dos sacos e caixões.

Xanduzinho olhou tudo e disse:

- Pesar o quê? Aí deve ter 50 quilos.

Seu Gaudêncio, o empregado encarregado e que deveria substituí-lo depois da aposentadoria, reclamou:

- Isso assim já é demais, seu Xanduzinho! Dê ao menos 200 quilos...

Ele deu. E continuou: “É amando, chorando e querendo bem...”

 

 ***   ***   ***

Combinações de uma transcrição do Diário de Pernambuco, 13 de março de 1966; 31 de dezembro de 1967; 30 de janeiro de 1974.



[i]


Mauro Mota (Mauro Ramos da Mota e Albuquerque), jornalista, professor, poeta, cronista, ensaísta e memorialista, nasceu no Recife-PE, em 16 de agosto de 1911, e faleceu na mesma cidade em 22 de novembro de 1984. Filho de José Feliciano da Mota e Albuquerque e de Aline Ramos da Mota e Albuquerque, estudou na Escola Dom Vieira, em Nazaré da Mata, no Colégio Salesiano e no Ginásio do Recife. Diplomou-se na Faculdade de Direito do Recife em 1937. Sexto ocupante da Cadeira 26, eleito em 8 de janeiro de 1970, na sucessão de Gilberto Amado e recebido pelo Acadêmico Adonias Filho em 27 de agosto de 1970. 

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

A MARQUESINHA DO RIACHO DOCE (Um episódio da campanha do petróleo no Brasil)

 Monteiro Lobato[i]

 

Em Alagoas. A catorze quilômetros de Maceió a estrada real em certo ponto margeia-se duns casebres humílimos - o bairro do Riacho Doce. A capela, uma ou duas vendas onde pouco há de vender, a agenciazinha do correio onde a chegada duma carta constitui acontecimento. Moram ali pescadores e gente que lida com cocos. Peixes do mar e frutos do coqueiro – a vida do Riacho Doce se condiciona a isso.

Há beleza natural. Lindo, o oceano, dividido em três faixas; primeiro, uma de pálido verde veronês; depois, uma de translúcido verde vivo das ondas da Copacabana; por último, a faixa azul que se limita com a linha do horizonte. Beirando o mar de três cores, a praia branca, que vira coqueiral a partir do ponto máximo alcançado pelas marés.

Coqueiros e mais coqueiros. Só coqueiros, nessa praia do riozinho já de nome internacional, citado nas revistas de petróleo e em tratados. Um riacho de águas mansas, pouco profundas, claras, que os pescadores e banhistas atravessam, no ponto em que a água lhes suba acima dos tornozelos.

Banhistas, sim. Riacho Doce é também praia de banhos. Na estação própria, algumas famílias vêm de Maceió passar ali uma semana ou duas.

A estrada real corre areienta por entre os coqueiros, acompanhando a praia. Por ela transitam criaturas a cavalo. Não usam selas. Montam em pelo, na anca, para maior comodidade, apesar do grotesco que é. Gente paupérrima, com todos os vincos dessa terrível “miséria brasileira”, só comparável à miséria chinesa. Os cavalos são cavalicoques, tão degenerados do normal sadio como as criaturas humanas. A subalimentação mostra seus estragos em todos os viventes porque o rendimento do solo é magérrimo. Mas ressurgirão esplêndidos no dia em que o subsolo for mobilizado.

Dois “palácios” se destacam, um contíguo ao outro, entre as choupanas do Riacho Doce. São duas vivendas de campo que já tiveram seu tempo. A primeira constituiu o “palácio de verão” do governador Fernandes Lima, que para lá refugia aos calores da capital. Essas estações governamentais em Riacho Doce quebravam o marasmo do lugarejo com a nota festiva das reuniões políticas, dos bailes, das retretas pela banda de Maceió, num coreto de que só existem hoje os alicerces de cimento. O “palácio” pertence agora à Cia. Petróleo Nacional, que o adquiriu, com um grande terreno anexo, por 25 contos. Nele estão hospedados os engenheiros geofísicos da Elbof.

Na vivenda seguinte mora Edson de Carvalho[ii], o rijo pioneiro do petróleo nordestino. Varanda ladrilhada de tijolo comum, com cadeiras de balanço e uma rede. No quintal, mangueiras e cajueiros velhíssimos. Que cajus dão aquelas árvores! Uma cerca de paus a pique separa o quintal da estrada. A um canto da cerca, um pé de embauva[iii]. Debaixo dele, um túmulo em miniatura, sempre com flores em cima. É onde dorme a Marquesinha do Riacho Doce.

Quem foi essa criatura à qual, positivamente, o Brasil deve uma grande coisa?

Uma preguicinha criada por Edson de Carvalho, falecida antes de completar um ano de idade. Recebeu-a de presente, filhotinha ainda e transformou-a em “pet”. Nas casas sem crianças há sempre um animal, cão ou gato, que se beneficia dos carinhos maternais e paternais privados do alvo normal dos filhos. Na vivenda de Edson não havia cão nem gato. A preguicinha tornou-se o “pet” querido.

A embauva do quintal fornecia-lhe os brotos com que se alimentava. Preguiça não vivem sem embauva perto. Foi logo elevada ao marquesado. Virou a Marquesinha do Riacho Doce – e mereceu-o pela sua inteligência, sua dignidade, seus olhos ultra-negros, profundos de expressão. Integrou-se na família. Entendia tudo. Acompanhava o evolver do sonho de Edson. Sempre no colo de um ou de outro, pagava os mimos com abraços e olhares. Há infinitos de mistério no olhar duma preguicinha.

A luta de Edson e seus companheiros no Sul ia tremenda. Estavam exaustos e no fim. Sentiam-se completamente vencidos e, no íntimo, até se envergonhavam de ainda persistirem quixotescamente na liça, fingindo uma convicção de vitória que era pura mentira. As deserções e traições dos companheiros; o silêncio e a má vontade dos jornais; a indiferença do público já degenerada em hostilidade cruel; cada subscritor a suspirar o suspiro das vítimas: “Fui na onda, meu caro; caí na asneira de comprar tantas ações” – e a resposta inevitável do “esperto”: “Ah, eu sabia disso. Petróleo? Não há petróleo no Brasil – e essas tais companhias o que merecem é cadeia, nada mais”.

O Departamento Mineral nadava num mar de delícias. Conseguira matar uma por uma todas as iniciativas, como quem mata piolhos – estalando-as entre as unhas. As companhias de São Paulo já estavam por terra. O perigoso poço do Araquá tivera a audácia de chegar a 1.076 metros, mas aos golpes do Departamento já lá estava, felizmente, detido no seu avanço – e com o audacioso sujeitinho que o levara até essa profundidade posto fora da companhia. No Riacho Doce as manobras secretas tinham conseguido inutilizar os três poços tentados por Edson. O sabotador do último deles foi recebido no Rio entre palmas – e colocado como chefe supremo do petróleo oficial, no famigerado Departamento. Merecia aquela recompensa quem tão maquiavelicamente soubera agir contra a teimosa empresa alagoana. Pode ele, então, partejar a célebre monografia sobre as rochas gond-wanicas, onde provava, por a mais b, que não havia petróleo em todo hemisfério meridional, e, portanto, também não havia no Sul do Brasil – trabalho que mereceu do ministro da Agricultura palmas especiais, tornando-se a bíblia daquela gente.

A guerra contra a companhia do Edson foi de uma ferocidade inaudita. Momento houve em que empregaram a força. Um interventor[iv] de Alagoas, por sugestões do Departamento Mineral, mandou ocupar militarmente a sonda, expulsando de lá o pessoal da companhia. Edson, o incorporador, o responsável por tudo perante milhares de acionistas, viu-se durante catorze meses impedido de penetrar nas propriedades da empresa. Teve de fugir para o Rio, onde pacientemente ficou à espera de que o interventor caísse...

Um dia o interventor caiu e Edson pode voltar para sua casinha do Riacho Doce. Mas em que situação econômica, santo Deus! Em que situação moral! Dinheiro já não havia nenhum. Dias houve de faltar cinco mil réis para a comida – mas a sua convicção quanto à existência de petróleo no Riacho Doce era tamanha que nada lhe quebrava o ardor. Não tinha dinheiro? Muito bem. Trabalharia sem dinheiro.

Loucura pura! Perfurar sem dinheiro! Realizar esse trabalho dispendiosíssimo, que é uma perfuração, sem dinheiro! Já era o delírio do homem tomado de ideia fixa. Já era transtorno mental. Ninguém se apiedou dele, ninguém se riu, como no palácio do duque todos riam do cavaleiro de la Mancha, porque, abandonado de todos, ninguém mais acompanhava a ação de Edson.

O pioneiro louro despiu o paletó e, impossibilitado de contratar um sondador, fez-se ele mesmo o sondador na Nacional. Auxiliado por dois homens dali, ex-pescadores, que não precisavam de dinheiro para viver, pois tinham o mar e os cocos, meteu mãos ao trabalho.

Um grande sonho o animava. Edson sabia, tinha provas de que o último poço lá aberto pelo antigo Serviço Geológico, em 1922, tocara em petróleo livre aos 300 metros. Ora, se ele conseguisse chegar a essa profundidade, fatalmente também tocaria em petróleo – e tudo estaria salvo. O segredo da sua resistência verdadeiramente absurda deve ter sido esse. Deliberou, jurou consigo levar o poço São João até os 300 metros. Se nada encontrasse, então sim – abandonaria tudo, confessando a derrota.

Mas não se perfura sem dinheiro. Há sempre necessidade de algum para a compra deste ou daquele material na cidade – e a cidade não vende fiado aos loucos.

Problema insolúvel. Onde levantar dinheiro? Em Maceió, impossível. Nem a chegar até lá o pioneiro se atrevia. Oito meses passou sem pôr o pé em Maceió. Os numerosos pequenos acionistas por ele “logrados” eram capazes de linchá-lo, se o vissem na rua. A campanha de difamação promovida pelo oficialismo a serviço dos “trusts” fora perfeita.

Último recurso: o sertão. Talvez no sertão, por aquelas bibocas não chegam jornais e nenhum eco do que se passa na parte “civilizada” do Brasil, pudesse levantar algum dinheirinho. Ideia de louco – mas que é um pioneiro do petróleo no Brasil senão um louco varrido?

Edson despediu-se da esposa, afagou a Marquesinha e, montado numa perfeita réplica de Rocinante, lá partiu. Ia fazer essa loucura quixotesca de penetrar no sertão em busca do que menos há lá: dinheiro.

Foi o pondo máximo da sua carreira. O delírio do heroísmo. Léguas e léguas, dias e dias, semanas e semanas sob aquela soalheira criminosa do sertão, com paradas aqui e ali para catequizar este ou aquele matuto, ensinar-lhe o que era petróleo e, ao cabo duma luta tremenda, vender-lhe uma ação. Cada ação vendida era  um milagre. No primeiro mês desse martírio conseguiu vender cinco. Quinhentos mil réis! Uma fortuna – e Edson, com as esperanças renascidas, voltou radiante para casa, para a sonda, para o serviço.

E pode perfurar mais uns metros.

Mas o dinheiro acabou. Nova entrada pelos sertões. Nova catequese. Novas semanas de soalheira terrível. Novo dinheirinho em notas ressecas, de tanto tempo guardadas no lenço vermelho, lá no fundo das arcas. E Edson voltou e m ais uma vez retomou o serviço, perfurando mais uns metros.

Terceira entrada no sertão, dessa vez lá pelas zonas onde corria o bando sinistro de Virgulino. Chegou a cruzar-se com a gente de Lampião. E o penoso da catequese?

Sua garganta secava de tanto falar, de tanto explicar o grande negócio que seria para o matuto adquirir uma ação de petróleo. “Mas que história de petróleo é essa?” “Petróleo é querosene”, tinha Edson de ensinar. O matuto sabe o que é querosene, pois o compra na venda para a sua lamparina, e acha caro. Admitia, portanto, que se aquele moço tirasse querosene de dentro da terra seria u m bom negócio – poderia fornecer querosene para todas as lamparinas do sertão – e largava as sebentas notas do lenço vermelho.

Mas tudo cansa. Um dia Edson fraqueou. Um acidente qualquer na sondagem o fez despertar de tudo. “É loucura insistir”, pensou consigo. “Chega. Já lutei demais. Estou no fim”. Deu ordem para suspender-se o serviço. “Vocês tratem da vida”, disse aos dois auxiliares. Vou parar com isto. Não aguento mais”. Os dois auxiliares nada responderam. Ficaram com os olhos no moço vencido que, a passos lentos e cabeça baixa, seguia de rumo à sua casa, a trezentos metros dali.

Era o fim da campanha do petróleo no Brasil. Tudo falhara em São Paulo e tudo ia falhar no Norte. Edson, o último combatente, depois de queimados os últimos cartuchos, tomara resolução de largar o poço e sumir. Era engenheiro. Em qualquer parte, bem longe de Alagoas, ocultar-se-ia no anonimato dum trabalho qualquer. O petróleo do Riacho Doce estava definitivamente derrotado. José Bach, Pinto Martins, ele...

Quando pisou na varanda da sua modesta vivenda, o plano da nova vida já estava definitivamente assente em sua cabeça: fugir para o Sul no dia seguinte. Chamou a esposa para comunicar-lhe a resolução. Dona Elisa não estava. Só estava em casa a Marquesinha, que, ao vê-lo, lhe abriu os braços. Edson tomou-a e sentou-se na rede, a olhar para aqueles olhos negríssimos. Notou que no abraço da preguicinha havia qualquer coisa de novo, de mais forte, de mais significativo. Também notou que seu olhar era de censura e queixa. Aquilo o impressionou. Edson enterneceu-se.

Sim. Como abandonar a Marquesinha? Levá-la para o Sul, impossível. Teria também de levar o pé de embauva. Deixá-la com aqueles pescadores equivalia a condená-la à morte. Quem, naquela rudeza, teria coração bastante para compreender e amar a Marquesinha?

E Edson, o homem forte, vacilou. “Ela não quer que eu vá. Quem sabe se não é o destino que a faz abraçar-me assim?” Olhou-a bem fundo nos olhos negríssimos. Aqueles olhos ultra-humanos falavam, imploravam que não fosse – que a não abandonasse entre estranhos desalmados. E Edson, invadido de subitânea ternura, mudou de ideia. Deliberou ficar. E ficou.

No dia seguinte pela manhã torna ao serviço. Os dois auxiliares sorriram.

- “Continua, então, patrão”?

- Que remédio?! A Marquesinha não quer...”

Metem mãos à obra. Vão emendando uma haste na outra e descendo a coroa rotativa. O ferro alcança o fundo do poço, então na cota dos 250 metros. A máquina é posta em movimento. O sistema começa a regirar. Lá no seio da terra a broca vai progredindo com a sua lentidão desesperadora. Súbito, a água da boca do poço referve em borbulhas.

- “Será gás?” murmura o pioneiro, com o coração aos pinotes.

Chega um fósforo. Sim! Gás inflamável – gás de petróleo, o sinaleiro, o anunciador da grande coisa procurada” ...

Tomado de profunda emoção, Edson corre ao paletó pendurado dum cajueiro e manda um bilhetinho histórico a dona Elisa, em inglês: (Sua esposa é americana).

“Wify: it looks we are getting there – the well is boiling – just come over – say nothing. Hubby. (Wify: parece que vencemos – o poço está a ferver – venha já – não fale nada. Hubby).

Mais uns metros perfurados nos dias que se seguiram e o gás irrompe tremendo. A folhinha marcava o mês de junho de 1935.

...   ...   ...

Era a vitória do Brasil contra a força tremenda do oficialismo a serviço das forças externas escravizadoras. Era o triunfo da Nacional, de Edson, dos seus companheiros do Sul. Era o começo do Brasil de amanhã. Era o bruxulear do Quarto Poder Mundial do Petróleo. E se essa coisa tremenda veio, foi apenas porque o abraço da Marquesinha do Riacho Doce impediu em certo momento que o último soldado desertasse.

Logo depois a preguicinha fechava os olhos para sempre, sem causa visível. Instrumento do destino que foi, desapareceu logo que teve sua missão cumprida. Dela só resta hoje aquele túmulo em miniatura embaixo da embauva. Nele há sempre uma flor do dia. Como há uma lágrima de infinita ternura nos olhos de Edson sempre que conta do abraço e do olhar de censura com que, impedindo-lhe a fuga, a Marquesinha salvou a campanha do petróleo no Brasil.

O Engenheiro Edson de Carvalho


Desembocadura do Riacho Doce






***   ***

Transcrito do jornal Correio Paulistano, São Paulo, 24 de setembro de 1936.

Para saber mais acesse https://www.historiadealagoas.com.br/a-saga-do-petroleo-alagoano-iii-edson-de-carvalho.html    



[i] José Bento Renato Monteiro Lobato (Taubaté, 18 de abril de 1882 – São Paulo, 4 de julho de 1948).

[ii] Edson Feitosa de Carvalho nasceu em Vitória, atual Quebrangulo, no dia 23 de julho de 1897. Era filho de João Honório de Carvalho e Carolina Feitosa. No dia 29 de setembro de 1917, em Bronx, New York, casou-se com Liesel Ott, uma alemã criada nos Estados Unidos. Quando se naturalizou brasileira passou a se chamar Elise. Em segundas núpcias, casou-se com Vicentina Soares de Oliveira.

[iii] O mesmo que Imbaúba. Designação comum, extensiva às árvores do gênero Cecropia, nativas das regiões tropicais americanas, de folhas grandes, flores em espiga e pequenos frutos nuciformes, também conhecidas por árvore-da-preguiça, imbaíba, umbaúba, etc.

[iv] Afonso de Carvalho – Interventor Federal de 10 de janeiro de 1933 a 2 de março de 1934.

domingo, 7 de maio de 2023

HORAS DE LEMBRAR – GUIMARÃES PASSOS

 

Coelho Cavalcante[i]


Lembro-me de que, quando o vi pela primeira vez, apregoava ele um leilão de festa religiosa, em São Luiz do Quitunde, aldeia alagoana, onde nasci.

Levara-o de Maceió para ali Manoel César de Farias Mattos[ii], tão poeta e tão boêmio quanto ele.

Do ponto de partida ao de chegada, andaram de a pé dúzia e meia de léguas, à sombra de extenso capoeiral em fruto, pousando aqui e acolá, e a vender aos pescadores daquelas praias imagens pequeninas de Nossa Senhora dos Navegantes, propositadamente esculpidas em cajá por um Affonso Bina, perito fabricante de carimbos do mesmo pau e morador à rua do Sol, na capital do sururu de capote.

Pintavam ambos a manta[iii], com a bondosa aquiescência unânime da escassa população quitundense, quando, de súbito, aparece o escrivão Tito Passos[iv], que ali fora ao encalço do amado filho ausente.

Manoel César morreu em 1886, quase anônimo, depois de haver cantado, num lirismo mais doce que mel de uruçú, as moças e as perspectivas da natureza daquela sagrada nesga de continente, que lhe dera naturalidade.

Até ao dia em que partiu ele para o Rio, a vida de Guimarães Passos[v] não teve, como diz a chapa hodierna, solução de continuidade.

Passou por todos os liceus e por todos os colégios de Maceió como um dos mais talentosos e também o mais vadio dos alunos, fazendo rir a mestres e condiscípulos com suas insocegáveis diabruras.

Ensinaram-lhe isso Luiz Mesquita[vi], mimoso poeta lírico, do qual o talento se sepultou esquecidamente naquele meio estagnado, e Guido Duarte[vii], homem de insigne saber literário, autor de um soneto intitulado O Leque, transcrito e decorado, àquela época, em todo o Brasil.

Na “Gazeta de Notícias”, sob a edição de José Hygino de Carvalho[viii], foi onde o futuro artista dos Versos de Um Simples pôs em letra de molde a excelência originalíssima de sua musa.

Hygino não era homem de alcance necessário às consequências das galhofas e sátiras impressas de Guimarães e outros colaboradores, assacadas à burguesia apatacada e vingativa de Maceió, e por isso teve, bastas vezes, de rebater, improficuamente, imprevistas bordoadas que lhe vibraram caceteiros em almoeda.

Fausto de Barros[ix], orador abolicionista; Carlos Valente, jornalista de uma fertilidade assombrosa, cheio de bombas e gongorismo, por vezes acusado de plagiário, no acesso das controvérsias; Oliveira e Silva[x], que tanto se distinguiu, depois, na imprensa dos jornais cariocas, e tantos outros rapazes estirados, hoje, na impassibilidade eterna do esqueleto, foram os companheiros incomparáveis da mocidade radiosa do Guimarães.

Era a “Gazeta” o ponto de reunião de todos eles, os quais trazia o José Hygino na palma das mãos, em paga reconhecida de lhe encherem de brilho, de graça e de ledores o jornal. Ali se combinava a fatura do lido órgão provinciano e mais o programa da pandega noturna, o pão nosso de cada noite, como dizia o Fausto.

Tinha esta originalidade efeito no hotel, ou melhormente, como se hoje diz, no frege do Justo Mesquita, mulato laborioso e pachola, republicano, e consumado artista culinário, então estabelecido à rua da Cambona[xi], terceira casa à esquerda de quem ia para Bebedouro,

Um tal Machado, infalível comensal, rico de matéria e de haveres herdados, era o responsável, perante o hoteleiro, quando na algibeira de todos havia míngua de pecuniário suficiente aos gastos da ceia.

Guimarães nunca tinha vintém, quebrado sempre, quebradíssimo, como os sonetos do Doutor Aprígio.

Carlos Valente, amarelo, cadavernoso, com um olhar oblíquo e sombrio, dentes grandes e podres, sempre de mãos frias como as de um defunto, a língua dele era um trinchador a esquartejar aquela pobre sociedade.

A política dominante, à qual era sistematicamente adverso o diário de José Hygino, era o prato da sobremesa: na boca do Barão de Traipu, Vice-Presidente, sempre em exercício, da então Província, punham-se os maiores disparates deste mundo, e sobre o lombo polpudo dos deputados provinciais, matutos cheios de ignorância e vazios de desonra, cravavam-se, como a flecha certeira do índio no dorso da tartaruga, os epigramas de Guimarães Passos e as verrinas de Valente.

Numa noite de muqueca e de vinhaça, aniversário do Oliveira e Silva, mais conhecido por o Sabugo, o Barão e seus correligionários foram radicalmente vingados: Júlio Mesquita, no auge de uma carraspana formidolosa, dispersou os fregueses à acha de lenha, rachando a cabeça do vate epigramático.

Dos inúmeros ofendidos da reacionária jolda intelectual foi um deles o Doutor João Gomes Ribeiro[xii], famoso tribuno, polemista de eterno fôlego, despeitado e temido, o único, talvez, escapo à viperina e sempre injusta análise crítica de Thobias Barreto.

Acontece aparecerem, empós, numa revista literária, uns versos de um tal Charles Guerin ou Charles Berquin postos em vulgar pelo Guimarães.

Ora, João Gomes, que conhecia como a si próprio o autor da tradução, o qual fora seu discípulo, encaixou nas colunas do jornal que redigia o seguinte:

Pede-se ao senhor Sebastião Cícero Guimaraes Passos o especial obséquio e trazer ou mandar a esta redação os originais dos lindos versos que traduziu e fez, ontem, publicar. O curioso autor destas regras, seu velho admirador, as traça unicamente por dois motivos: ter dúvidas sobre o conhecimento da língua de Voltaire por parte do jovem tradutor e certeza absoluta de que Charles Berquin nunca, jamais, existiu.”

Essa mofina pôs em reboliço os arraiais literários.

O velho Tito Passos, que se impava de nobre orgulho do estro invejável do filho, pôs a mão na cabeça.

O poeta, ao ver-se perdido, correu, então, aos amigos, aos parentes e às senhoras das relações do jornalista, que substituiu a mortificante morfina por uma notícia muito hábil, uma espécie de sentença absolutória, não por unanimidade, mas por maioria de votos.

Supõe-se, e eu creio que erradamente, que foi esse acontecimento, aliás, sem  importância, que dera causa a retirar-se o poeta para o Rio de Janeiro, onde, pouco tampo volvido, os maiores homens de pena abriram-lhe praça, acatando-o com refinamentos de grata fraternidade, distinção essa que se ele referia em carta a Luiz Mesquita:

A vida nômada, a mesma; a ignorância, cada vez mais enciclopédica, tanto que me consentiram membro fundador da Academia. Imortal! Está direito: eu não tenho onde cair morto.”

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Transcrito da revista O Malho, Rio de Janeiro, 5 de julho de 1919, em cuja publicação se exibe uma caricatura de Kalixto[xiii], feita em 1906, na Confeitaria Colombo, em que, pelo que se pode entender, o artista pôs a inscrição: “Fato é que o meu cigarro quebra queixo. Guimarães

NOTA:

Caro leitor,

Este Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, contém postagens com informações históricas resultantes de pesquisas, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso algumas delas seja do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.



[i] João Francisco Coelho Cavalcante – “João Barafunda” (São Luiz do Quitunde-AL, 16 de junho de 1874/Rio de Janeiro-RJ, 18 de novembro de 1938). Ver JOÃO BARAFUNDA, O DESTEMIDO PANFLETÁRIO ALAGOANO,

http://blogdoetevaldo.blogspot.com/2020/10/joao-barafunda-o-destemido-panfletario.html

 

[ii] Tinha um filho chamado Major Manoel de Farias Mattos, falecido em 1917, no Engenho Todos os Santos, em São Luiz do Quitunde.

 

[iii] Expressão utilizada originalmente em Portugal, que significa fazer travessuras, sair do sério, deitar e rolar, fazer grande alarido, diabruras, desordens, fazer coisas extraordinárias. Mais ou menos como a conhecida “Pintar o Sete”.

 

[iv] Major Tito Alexandre Ferreira Passos. Pai do poeta Guimarães Passos, autor de. Faleceu em Maceió no dia 27 de março de 1910.

 

[v] Sebastião Cícero dos Guimarães Passos. Poeta alagoano, nasceu em Maceió, em 22 de março de 1867 e faleceu em Paris (França), em 9 de setembro de 1909. Era filho do Major Tito Alexandre Ferreira Passos e de Rita Vieira de Guimarães Passos. Casou-se com Celsa da Silva Freire, filha de Flávio Clementino da Silva Freire – Barão de Mamanguape e da poetisa Carmem Evangelista Salles – Carmem Feeire (Baronesa de Mamanguape).

 

[vi] Luiz Mesquita. (Maceió - AL 1861). Poeta, advogado, deputado estadual, jornalista. Foi promotor das comarcas de Porto Calvo, Alagoas (atual Marechal Deodoro) e Pilar. Deputado estadual  nas legislaturas. 1913-14; 15-16 e 17-18. Autor da letra do Hino de Alagoas. Como jornalista atuou no Diário da Manhã, Gazeta de Alagoas, O Momento, O Gutemberg, A Tribuna e Jornal de Alagoas. Pseudônimos: Mr. Louis, Yann e Xisto. Romeu de Avelar o transcreve em sua Coletânea de Poetas Alagoanos.  Hymno da Loja Cap. Virtude e Bondade, publicado em O Malhete,  numero 4, Anno I de 24/06/1899, p. 4. Fonte: ABC DAS ALAGOAS.

 

[vii] Guido Martins Duarte. (Nasceu em Pernambuco,   1842-  Salvador - BA  - 11/10/1893). Jornalista, poeta, guarda-livros. Começou a trabalhar, como guarda-livros, na Companhia União Mercantil, de Fernão Velho, em janeiro de 1876. Atuou nas campanhas abolicionista e republicana. Foi redator, até 1877, de O Século, juntamente com João Gomes Ribeiro, e colaborou com A Estreia e a Gazeta de Notícias. Dirigiu A Nova Crença, desde seu aparecimento em 06/01/1884; atuou, também, no José de Alencar, órgão do Clube Literário do mesmo nome, jornal que foi lançado em 07 de setembro de 1882 e, finalmente no O Gutenberg, onde criou a seção Cofre de Pérolas, na qual foi responsável pelo lançamento de muitos poetas da província, jornais estes editados em Maceió. Foi eleito, em 1883, presidente da Sociedade de Instrução e Amparo dos Caixeiros de Maceió e, em 1884, diretor da Sociedade Libertadora Alagoana. Foi secretário da Associação Comercial de Maceió,  em 1890. Lutou pela abolição do cativeiro e pela República. Sócio do IAGA, admitido em 03/09/1884. Fonte: ABC DAS ALAGOAS.

 

[viii] José Hygino de Carvalho. Foi proprietário do jornal O NACIONAL, A CIDADE e GAZETA DE NOTÍCIAS. Faleceu em Maceió a 29 de agosto de 1905.

 

[ix] Dr. Fausto de Barros. (Engenho Remédio, Murici - AL 18/12/1864 - Engenho Santa Fé, Murici - AL 04/04/ 1897). Poeta, deputado estadual, advogado. Filho de José Teodoro Bezerra de Melo e Americana Augusta de Barros Corrêa. Estudou, em Maceió: com o prof. Francisco Domingos da Silva, diretor do Colégio Bom Jesus. Terminou os preparatórios em Recife, ingressando na Faculdade de Direito, onde se formou em 1889. É nomeado promotor em Taquaretinga, sendo, logo depois, transferido para Bom Conselho, ambas em Pernambuco. Regressou a Alagoas e foi promotor nas comarcas, então reunidas, de União e Murici.  Foi nomeado Fiscal da Alfândega em Juiz de Fora (MG), ficou, porém, adido ao Tesouro Nacional, sendo, depois, removido para o cargo de secretário do Tribunal de Contas, no Rio de Janeiro.  Em 1894 retornou a AL. Deputado estadual na legislatura 1895-96, eleito pelo recém-criado Partido Democrata de Alagoas. Patrono da cadeira 8 da AAL. Romeu de Avelar o transcreve em sua Coletânea dos Poetas Alagoanos. O seu poema Teu Olhar foi inserto no livro Terra das Alagoas, editado em Roma. Colaborou com: O Gutenberg, Gazeta de Notícias, e, ainda, com a revista Paulo Afonso.  Fonte: ABC DAS ALAGOAS.

[x] Antônio José de Oliveira e Silva (Pilar-AL, 1864 – Rio de Janeiro, 1911). Era tio de Zadir Indio, segundo a Revista da Semana, Ano XIX, nº 39, 02.11.1911; e, segundo o Correio da Manhã de 21 de janeiro de 1911, seu primo, conforme nota de falecimento assinada, entre outros parentes, por Costa Rego, este sim, seu sobrinho.

 

[xi] Rua da Cambona, atual Rua General Hermes.

 

[xii] Bacharel João Gomes Ribeiro. Advogado estabelecido na rua Nova, nº 6. Nomeado lente do Lyceu Alagoano em 1890. Filho do fiscal da Alfândega João Gomes Ribeiro (falecido em 1875). A 27 de julho de 1892 passou a ocupar a função de Chefe de Redação do jornal O Nacional.  Faleceu em Maceió a 26 de outubro de 1897.

 

[xiii] Calixto Cordeiro ou K. Lixto (Niterói, 1877 - Rio de Janeiro, 11 de fevereiro de 1957) foi caricaturista, desenhista, ilustrador, litógrafo, pintor e professor brasileiro. Filho de Manoel Cândido Coutinho e Luiza Evangelista Cordeiro Coutinho. Casado com Nair Jalles Cordeiro, com quem teve os filhos Horácio Calixto Cordeiro e Néia Calixto Cordeiro.

 

sábado, 28 de janeiro de 2023

O LADRÃO

 

Félix Lima Júnior[i]


Creio que foi em meados do ano de 1907 que eu deixei, de uma vez por todas, o seringal “Umary”, de propriedade do Cel. Leite de Carvalho, no qual cortara borracha muito tempo, sendo depois, durante quatro anos, gerente do barracão. Eu estava cansado daquela vida desgraçada, daquele isolamento no meio da floresta densa, úmida, tenebrosa, à margem de um rio cuja fama ruim corria mundo.

Ilustração José Geraldo

Já havia assistido tanta gente morrer de impaludismo, de febres malignas, de malária e de uma outra doença terrível, transmitida pelos mosquitos, doença que ataca a espinha e deforma o indivíduo; já vira tantos seringueiros devorados pelos jacarés, fulminados pela descarga elétrica do poraquê, quando pescavam ou se banhavam no rio, ou desaparecidos na mata, para serem encontrados, dias depois, semidevorados pelas onças ou mortos a frechadas pelos índios que dominava as terras altas do seringal, índios que costumavam devorar as vítimas, enfiando as cabeças num pau para leva-las para as suas malocas, onde dançavam semanas e semanas em torno do sinistro troféu; já remara tanto na semiescuridão da selva tropical, naqueles rios, lagos e igarapés solitários; já vivera sozinho, completamente isolado, numa cabana de paxiúba, no meio da mata, sofrendo o calor infernal dos trópicos, num dia, para tiritar na rede, logo depois, quando a friagem chegava quase que sem aviso, em pleno verão, matando peixes, pássaros e outros animais, além de homens, mulheres e crianças, vítimas de pneumonias violentas, de constipações fortes e gripes dizimadoras; já bebera tanto quinino, para me livrar do impaludismo, a ponto de estar com uma vista quase perdida, além de ter-me fartado de assai e de patuá; já passara dias inteiros pescando surubim, mandaí, pirarucu, ou caçando veados, pacas e antas para melhorar a boia ordinária de farinha de mandioca e jabá assada todos os dias; já andara tanto tempo enfiado num uniforme de brim mescla, e terçado à cintura e rifle a tiracolo, numa monotonia de irritar os nervos de um Buda de pedra, que em um dia de nostalgia, lembrando-me com saudade da família, principalmente de minha mãe e da fazenda onde eu nascera até aquela topada estúpida de ir para o Amazonas – resolvi deixar o emprego e voltar para minha terra.

Sim, esqueci-me de dizer. Eu nasci em Pão de Açúcar, município sertanejo à margem do S. Francisco, nas Alagoas, e para lá é que eu queria voltar. Ia para o Minador, pequena fazenda de gado que eu herdara de meu pai e que fora fundada no ano remoto de 1843, pelo meu bisavô, um português emigrante que deixara sua aldeia, na Beira, e viera para o Brasil tentar fortuna, em 1839, desembarcando no Recife, de um veleiro imundo, sem um níquel, mas com disposição de vencer na vida e que, à custa de economias ferozes, juntara uns cobres.

Deixei o seringal, entreguei o barracão ao meu substituto e um belo dia, em Belém do Pará, na casa aviadora do meu ex-patrão, recebi o meu saldo, cerca de 45 contos, uma pequena fortuna para a época. Visitei a Basílica de Nazaré, onde ouvi missa, pagando assim a promessa que fizera se escapasse com vida daquela aventura terrível a que fora arrastado pela inexperiência, com dois primos, dando ouvidos às histórias fantásticas de enriquecimento rápido no El-Dorado Amazônico e tomei passagem no Prudente de Morais, do Lloyd Brasileiro, para Fortaleza, pois eu resolvera passar 3 ou 4 meses em Guaramiranga[ii], cidade na serra, de clima ameno, próprio para repouso e cura de doentes e depauperados como eu.

Os dois primos que tinham ido comigo é que não tinham tido sorte: um desaparecera no Acre, lá para os confins de Sena Madureira, e nem a sua mala voltara; o outro morrera afogado no Iaco, um dos afluentes do Purus, quando pescava, numa monteia, de madrugada, e seus dois companheiros de barraca ficaram convencidos que a canoa fora alagada e virada pela boiuna, a cobra grande, rainha das águas, pois eles tinham ouvido seu uivo longínquo, no lago próximo, logo que o rapaz saíra do porto. Aquela gente ignorante acreditava, entre outras coisas, na existência da boiuna, da iara, do jurupurí...

Desembarquei em Fortaleza e segui no outro dia para Guaramiranga, recomendado a um negociante de lá, o Sr. José Sotero, que me cedeu uma casa meio isolada, distante três quilômetros da cidade, na qual costumava ele passar o verão. Eu estava cansado, pálido, esgotado, desfigurado mesmo e tinha esperanças de me restabelecer em três ou quatro meses. E logo estivesse restabelecido não hesitaria! Iria embora para o Minador e de lá só pretendia sair para o cemitério de Pão de Açúcar...

Dias depois que eu chegara à serra, notei que a maioria dos habitantes estava convencida de que eu era milionário... Milionário não, multimilionário! Todos eles eram pobres roceiros, vivendo com dificuldade da exploração de pequenas propriedades, lutando com a seca, com o fisco, com os cangaceiros, com o diabo... Uma pessoa que aparecia assim, relativamente bem vestida, com uma boa mala de couro, tendo dinheiro para viver sem trabalhar, devia ser rica... E tendo vindo do Amazonas, seria certamente milionária...

Comecei a ser assediado por pedidos de dinheiro emprestado, por pedidos de auxílio para doenças e enterros, para resolver casos de família; fui padrinho de um casamento e convidado para padrinho de batismo de crianças cujos pais conhecia ligeiramente ou nunca vira... Todos queriam estar relacionados com o Coronel que vinha do El-Dorado onde notas de 200$000 serviam somente para acender charutos e peles de borracha eram lavadas com cerveja e vinhos finos quando o preço da hévea subia a... 20$000 o quilo.  – era o que pensavam eles, pobres diabos ignorantes que viviam quase na miséria e davam ouvidos às histórias fantásticas dos agentes dos donos de seringais que vinham contratá-los para o serviço no extremo norte.

Eu morava sozinho. Uma preta velha – a Generosa, que eu contratara, vinha pela manhã, cuidava da casa, preparava as refeições, lavava a minha roupa e saia para a sua palhoça, distante uns dois quilômetros, mais ou menos, logo que eu acabava de jantar, às sete da noite. Certo dia, tendo ido a Guaramiranga, à casa do Sotero, fazer compras, ele, que se tornara meu amigo, entendeu prevenir-me:

- O senhor deve tomar as suas precauções. Morar sozinho naquele pondo isolado, e além disso com fama de rico...Não é boa coisa. Há muita gente ruim neste mundo. Eu não quero alarmá-lo; estou prevenindo apenas como amigo. Durma com um olho aberto e uma pistola perto da cama.

E quando eu ia montando a cavalo para voltar para casa, depois de tomar uma xícara de café saboroso, daquele café colhido na serra do Baturité, o melhor do Brasil, o meu novo amigo preveniu-me ainda:

- Olho aberto, meu caro Sr!.. Quem previne amigo é!

Saí preocupado. É verdade que já tinha tido as minhas desconfianças. Tanto assim que, mal saía a Generosa, eu trancava as portas e ia ler junto a um candeeiro belga que comprara ao Sotero, conservando ao meu lado, por precaução, a Winchester trazida do Amazonas. Eu não era dos mais medrosos. Já vivera muito tempo num seringal e não corria de caretas facilmente. O primeiro patife, pois, que tentasse destelhar a casa ou arrombar uma porta, levariam uns tiros para perder a vontade de furtar. E, note-se: eu não sou dos piores atiradores...

Conhecia todos os meus vizinhos. Entretanto, redobrei de precauções, comecei a notar os desconhecidos que passavam na estrada e passei a dormir com os ouvidos bem abertos e com a Winchester junto à cama. Precaução e água benta nunca fizeram mal a ninguém...

A casa era de taipa, mas bem construída, cumeeira alta, bem coberta, portas e janelas de pinho de Riga, reforçadas, todas com taramelas fornidas, bem pregadas. Um ladrão podia assaltar a casa, roubar-me, matar-me, mas não o faria com muita facilidade.

Cerca de um mês depois de o Sotero ter-me prevenido eu acordei, certa madrugada, com um pequeno ruído. Levantei-me sem fazer barulho, não risquei fósforo, não acendi o candeeiro e, em pé, junto à cama, fiquei escutando, procurando saber o que era. Parecia um rato grande furando a parede ou o chão para fazer um buraco. Como o barulho continuasse, eu fui, pé ante pé, pelo corredor, em direção à sala de jantar. Era uma noite bonita, de lua quase cheia, e eu verifiquei, espantado, que uma pessoa, do lado de fora da casa, estava calmamente furando a parede de taipa à altura da taramela da porta da sala de jantar. O trabalho era feito com muita cautela. Quando o buraco estivesse pronto, ela meteria o braço, levantaria a taramela, sem barulho, estava assim senhora da casa.

O plano, raciocinei às pressas, fora bem engendrado e quem o organizara, para me roubar, talvez para me matar, devia ser alguém que conhecia o interior da casa. Mas o momento não era para reflexões e hesitações! Eu tinha de agir, e agir com urgência!

Pensei um momento enquanto ouvia o barro caindo no chão à proporção que o buraco aumentava. Dentro de poucos minutos o patife colocaria o braço e abriria a porta. Organizei o meu plano e tratei de executá-lo. Fui à cozinha, de pés descalços, como estava, trouxe um maço de cordas bem fortes, um facão afiado, passei no quarto, trouxe a Winchester, por segurança, e fiquei de pé, junto à parede onde estava sendo aberto o buraco, de maneira que o ladrão não desconfiou de coisa alguma. E quando ele, tendo aberto o buraco, colocou o braço, procurando alcançar a taramela, eu segurei-o pelo pulso, puxei bem, de modo que ele ficasse unido à parede, do lado de fora, sem poder mexer-se. Amarrei o braço com a ponta da corda, bem amarrado, subi numa mesa que havia no meio da sala e prendi a outra ponta da corda numa das linhas da casa. Fiz isso sem o menor barulho, e verificando que estava tudo em ordem, fui dormir. Não tive a curiosidade de saber quem tentara assaltar a casa. Era madrugada alta, cerca de três horas, e dentro em pouco tempo o dia amanheceria. Eu olharia, então, para a cara do gatuno...

Deitei-me e dormi mais do que desejava. Não sei se foi a emoção ou outra coisa qualquer, mas só me levantei às seis horas, dia claro. Enfiei as chinelas, peguei o rifle e corri à sala. O sol já estava de fora e a sala, coberta de telha vã, não estava muito escura. Distinguia-se já alguma coisa. Notei logo que algo de anormal acontecera. Abri a janela às pressas e o que eu vi fez-me ficar arrepiado, com os cabelos em pé. A corda pendia da linha e na ponta balançava-se um pedaço de braço! Por mais incrível que pareça o ladrão, para poder fugir, cortara ou mandara que alguém cortasse o seu próprio braço! E lá estava pendurado aquele pedaço de carne sangrenta, balançando-se na ponta da corda, gotejando sangue; no chão se formara uma poça de sangue negro, coalhado, nojento. Era uma cena capaz de bolir até com quem tivesse nervos de aço. Fiquei nervoso, espantado, com o coração pulsando violentamente.

Antes, porém, que chegasse a Generosa, eu cortei a corda e enterrei o pedaço de braço num barreiro. No fundo do quintal, num buraco bem fundo, para os cachorros não desenterrarem. Cobri a poça de sangue da sala e lavei-a depois. Tapei o buraco da parede com um pouco de barro que preparei e sobre o que ocorreu não falei a pessoa alguma, nem mesmo a Generosa. Queria ver se descobria o ladrão. Visitei depois os moradores próximos, mas nenhum se ausentara ou aparecera com o braço cortado. Conversei com muita gente, indaguei, botei verde para colher maduro, mas nada surgiu. Os dias foram se passando e eu não descobri coisa alguma. Está claro que eu não podia esquecer o que acontecera e muitas noites passei em claro sem descobrir a solução do problema.

No princípio do outro mês eu fui, como de costume, a Guaramiranga, fazer compras na casa do Sotero. Montei a cavalo e apeei-me em frente à casa dele. Entrei e fiquei surpreendido vendo no balcão Dona Lindaura, sua esposa, a quem eu jamais encontrara no estabelecimento comercial do marido. Perguntei pelo dono da casa e ela, toda sem jeito, meio nervosa, respondeu-me:

- Ah, o senhor não soube? Meu marido está no hospital, em Fortaleza.

- No hospital, em Fortaleza? E de que está ele doente? – Indaguei.

E a aflita senhora, mais nervosa ainda, com uma lágrima nos olhos, explicou, enquanto despachava uma matutinha que comprava um vestido de chita azul:

- O Sotero, coitado, não é homem que goste de caçadas. É até muito caseiro. Mas um amigo nosso tanto insistiu com ele, tanto insistiu, que ele foi caçar tatus, há uns quinze dias, de madrugada, lá na serra. Saiu de casa às duas horas. A noite estava muito escura. No meio do caminho, ele tropeçou numa raiz e caiu, fraturando o braço esquerdo, que teve de ser amputado...

______

 

Transcrito na Revista Vida Doméstica, Rio de Janeiro, fevereiro de 1949.

***   ***

NOTA.

A indicação de locais e datas, bem com a narrativa em primeira pessoa, sugere que o autor fala de si mesmo, de suas origens, suas andanças e aventuras. Nessa armadilha caiu o cronista J. de Figueiredo Filho[iii] que, em crônica publicada no Diário de Pernambuco, edição de 6 de março de 1955, diz que Lima Junior esteve, de fato, no Amazonas...fala de Guaramiranga...etc.

Essa possibilidade, porém, não existe. Notemos que o fato ocorre em 1907. Félix Lima Junior nasceu em 6 de março de 1901. Teria, portanto, seis anos de idade.

O mais provável é que Lima Júnior esteja falando de alguém da família, talvez um tio, ou do seu avô paterno – MANOEL BEZERRA LIMA.

 

Caro leitor,

Este Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, contém postagens com informações históricas resultantes de pesquisas, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso algumas delas seja do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.



[i] Félix Lima Junior (Maceió - AL 06/03/1901 – Maceió - AL 10/06/1986), filho de Félix Alves Bezerra Lima e de Francisca Wanderley Lima, e primo de Manoelito Bezerra Lima, o nosso “Nezinho Cego”.

[ii] Guaramiranga, do tupi guará (guará) e miranga ou piranga (vermelho), significando Guará Vermelho, é um município brasileiro localizado na Região Serrana do Estado do Ceará, a 105,5 km da capital, Fortaleza.

[iii] José de Figueiredo Filho.

A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia