segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

NATAL - DAS “MINHAS MEMÓRIAS DE PENEDO”

 

Por Antônio Osmar Gomes[i]

Presépio.

Nos começos deste século, época da qual dou pessoal testemunho, apenas entrava o mês de dezembro, e já a velha cidade do Penedo, à margem esquerda do Rio São Francisco nas Alagoas, se aprestava, toda alvoroçada, para as festas caracteristicamente tradicionais do ciclo do Natal.

A praça escolhida para os preparativos e respectivos festejos era a primitivamente chamada de São Gonçalo Garcia, por ali se ostentar o secular templo sob a invocação desse Santo da Igreja, e que hoje se chama de Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro, caboclo alagoano, canonizado pela República, que ele, com pulso forte, consolidou.

Aos meus olhos deslumbrados de menino de então, não afeitos ainda à contemplação de logradouros públicos mais amplos nem mais vistosos, essa praça se afigurava bela, muito bela e a maior do mundo. Era que nela cabia., mais ou menos folgadamente, um sem número de barracas de todos os tamanhos, feitios e cores; bazares e quiosques policromos e lantejoulados, um e às vezes até dois cavalinhos.

Certa feita, apareceu ali, como novidade espantosa, um carrossel, todo fechado numa empanada de lona branca, em forma de circo. Estava montado num tablado sobre o qual corriam, em circunferência, por cima de trilhos de ferro, as rodas em que se assentavam as bases dos soberbos cavalos de madeira e ferro, com arreios, crinas e cauda de cabelo mesmo, e as cômodas poltronas, com balança deleitável, próprias para quatro pessoas, de duas em duas, vis-à-vis. E tudo isso rodava, por determinado tempo, a tostão por cabeça, e ao som de maviosos trechos musicais de um realejo ou caixa de música, acionado pelo próprio movimento da engrenagem geral, e junto dele espevitado negro de molas, risonho, mostrando os dentes muito alvos, virando a cara ora para um ora para outro lado, trajando calças brancas e jaleco vermelho, e segurando numa das mãos a manivela do instrumento, como se fora ele quem o estivesse acionando.

Havia, mais, em uma das extremidades da praça, quase sempre em frente à igreja, o palanque enfeitado de guirlandas de papel de várias cores e reservado para as representações dos autos populares dos reisados, chegança, bailes pastoris, marujadas e maracatus. O resto eram mesinhas e bancas para os jogos.

Nos bazares e quiosques, onde se agrupavam as famílias e as pessoas de qualidade, arrumavam-se, da melhor forma possível, segundo o gosto ou, senso artístico de seus donos, objetos mimosos e variados, dos quais se faziam sorteio, mediante a venda das séries de bilhetinhos numerados, correspondendo a cada um dos artigos expostos, que iam desde o frasco de perfume da moda até o apetitoso queijo do reino.

Não havia ainda por lá o progresso da luz elétrica. Os que dispunham de mais recursos financeiros iluminavam os seus estabelecimentos com uns complicados aparelhos de acetileno – luz suave e pálida, saindo rasgada impetuosamente, de bicos forquilhados, , e  protegidas por cúpulas de vidro branco, marchetados de flores em relevo.

As mesinhas de jogo, ou de comidas e bebidas, mais pobres, onde se encostava a gente do povo, tinham apenas um alcoviteiro de querosene, com um pavio desprendendo luz fumegante e cheiro pouco agradável, mas que, nem por isso, deixava de atrair clientela bastante numerosa e alegre.

Outras um pouco melhores do que estas últimas, ostentavam a placa de gás, muito usual, então, nas casas de família, com o seu tubo de vidro, chamado comumente de “manga do candieiro”, que servia de proteção da chama contra o vento, e com o seu refletor de metal polido, dando maior intensidade à luz. Afina, fiam-se também toscos aparelhos de carbureto chiando e vacilantes, produzindo gases de cheiro característico.

Os jogos ali praticados eram de azar. Faziam-se paradas de vintém e até de tostão, sobre um pano encerado, no qual se achavam pintados seis, doze ou dezoito números, tantos fossem os dados utilizados. Continham, outros, os vinte e cinco números do jogo do bicho, cada qual num quadrado, com os seus animais titulares desenhados a capricho. A sorte corria por meio de uma roda dentada, com os números correspondentes. Quando posta em movimento essa roda, por ela passava, trepidante, uma palheta de tartaruga, várias vezes, até que, diminuindo o impulso rotativo, parava, cabendo o prêmio aos que acertassem o número indicado, assim, pela palheta.

Como disse acima, as paradas eram, na maior parte, de vintém. Um vintém acertando dava de ganho mais quatro, isto é, completava-se um tostão, variando, todavia, os planos e as vantagens, conforme o grau de confiança do público e de acordo com as práxis mesmas desse ou daquele jogo. Lembro-me de um deles que tinha o curioso nome de barrufo. Alguns, utilizando-se de dados, rifavam utensílios de uso doméstico, tais como: xícaras, pratos, talheres, panelas, copos, bacias, etc. De uma dessas rifas, me recordo que era, em altas vozes, apregoada pelo seu explorador, como sendo:

“A rifa da donzela,

com um vitém

se tira uma tigela...”

 

As comidas consistiam de jacarezadas, cozidos, peixadas, sarapatel, feijoadas, frigideiras de camarão do rio, tudo regado a vinho de caju, gengibre e outras zurrapas, e precedido, infalivelmente, pelo gabado aperitivo de aguardente, com várias misturas de folhas e frutos, cada qual com o seu nome identificador: rabo de galo, cachimbo, cambuí, laranjinha, etc.

Isso tudo se fazia em louvor do nascimento de Jesus, justificando-se as efusões de alegria coletiva com a espera da Missa do Galo.

De fato, entre meia-noite e uma hora, o povo acorria ao toque dos sinos, e se comprimia todo no pátio da igreja matriz, onde a missa se celebrava e que era, quase sempre, campal. Então, na praça de São Gonçalo Garcia ficavam os que, por isso ou por aquilo, não estavam se preocupando com essa ritual solenidade do catolicismo.

Terminada a Missa, a maior parte das famílias se retirava para as suas casas. No entanto, os jogos continuavam a funcionar, e os cavalinhos rodando sempre, até quase ao amanhecer, quando, ali mesmo, nas barracas e em baixo das mesas, dormiam, a sono solto, donos e fregueses, apostadores e banqueiros, todos vencidos pela fadiga ou pelos excessos dos prazeres do álcool.

E os festejos se prolongavam, assim, pelas noites seguintes, é verdade que menos frequentados, porém com animação bastante para se manterem até altas horas, embora não tendo mais, como pretexto, a Missa-do-Galo, mas sim os grupos que vinham dançar no palanque, em frente à igreja, para louvar o Natal do Deus Menino.

Uma noite era a “Charanga”, com sua guarnição garbosa e bem compenetrada de seu papel, composta de “Almirantes”, “Capitães-de-Mar-e-Guerra”, “Guardas-marinha”, “Comandantes”, “Padre Capelão”, “Doutor”, “Reis Mouros, etc. etc.., que enchia todo o palanque com a encenação dos seus episódios de viagens e de lutas no mar. Antes, organizavam uma passeata pelas ruas principais da cidade, tocando pandeiros, em marcha batida, e cantando a ária principal do folguedo:

 

“Alerta, alerta, que dorme! (bis)

venham moças à janela,

venham ver a nau tirana (bis)

como vai correndo à vela.”

 

Outra noite, tinha-se o “Reisado”, de que o povo gostava tanto, atraído pelas graças, nem sempre engraçadas, do “Mateu”, que era o condutor do boi, lhe chorava a morte e lhe dividia os restos mortais com as pessoas presentes, por entre a gargalhada franca do povaréu feliz. Parece-me estar a ouvir o tradicional canto do “Reisado”, tirado pelo “Mateu” e que as figuras repetiam em coro:

 

“Ó yôyô, ó yiá-yá,

olhe o boi que te dá...

entra prá dentro

meu boi malambá.”

 

Muito africanizado, pois que era todo composto de negros, o “Maracatu” se apresentava mais bárbaro, não tendo a suavidade nem a melodia dos cantos da “Chegança” e do “Reisado”. Numa toada quase agressiva, cantavam eles que:

 

“A limpeza do Brasil

É o passo de urubu...

Bravú” Bravú!

Bravo do Maracatu”

 

Mimosos, no entanto, eram os “Bailes Pastoris”. Não se organizava um só, nem dois, nem três. Eram muitos. Vinham de todas aquelas redondezas, cada qual porfiando em se apresentar no palanque de Penedo, com maiores atrações, tanto de figurantes como de cantos e orquestração. Traziam flautas, violões, rebecas, cavaquinhos, clarinetas, e vozes escolhidas de mocinhas, na flor da idade, viçosas e bonitas.

Os mais afamados “Bailes” eram os que vinham do Cedro[ii], localidade de Sergipe, perto de Propriá, pois não havia, segundo voz geral, por todas aquelas margens do São Francisco, terra de meninas mais formosas e mais alegres. “Bailes” que vinham do Cedro atraíam, desde logo, as atenções gerais, sobretudo do rapazio, que se dividia em partidos, dividindo as preferências por duas ou três figuras, uma como representando o “cordão da rosa”, outra “do cravo”, ou uma a “fita azul”, outra “a encarnada”, e, assim, se digladiavam em torneios de aplausos e de gastos de dinheiro, para a vitória da “fita” ou do “cordão” predileto. E as meninas, ufanas do seu sucesso, enquanto que o matuto empresário da “função” se sentia mais ufano de seus resultados práticos, cantavam no palanque da praça de São Gonçalo com toda garridice e encanto que lhes eram próprios, as comunicativas e lindas cantigas de “Bailes”, as principais revezando-se nas cenas para entoar a “parte” que lhes cabia, a cada um, de per si. Lembro-me bem da “parte” da “Arauna”, tão simples quão maviosa e expressiva:

 

“Chô, chô, chô, chô...

Araúna”

Não deixe ninguém te pegar,

Araúna!

Tenho dinheiro de prata,

Arauna!

Para gastar com as mulatas,

Arauna”

 

Assim era que, na primeira metade deste século, de que dou testemunho pessoal, nesta evocação, que a minha grande saudade, comovida, desperta em íntimas expansões, assim era que em Penedo se faziam as festas tradicionais do Ciclo do Natal, partindo do dia 24 de dezembro e encerrando-se depois de Reis.

Não direi que as de hoje sejam melhores nem piores.

A mim, porém, as recordações singelas das festas de ontem, me falam mais intensamente ao coração, o que é justo, pois as vivi com a idade e os alvoroços com que não é dado viver e vibrar agora na contemplação das festas tão diferentes de hoje e que, amanhã, decerto, ainda mais diferentes serão...

E não é nisso, afinal de contas, que está toda a poesia da vida?! ...

 

Bahia, dezembro de 1941.

 

 

Transcrito da revista Excelsior, 15 de dezembro de 1942.

 

Caro leitor,

 

Este Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, contém postagens com informações históricas resultantes de pesquisas, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso algumas delas seja do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.

 



[i]  

Antônio Osmar. O Cruzeiro,
23/09/1967.

ANTÔNIO OSMAR GOMES. Economista, industrial. Nasceu em Penedo-AL no dia 14 de outubro de 1896 e faleceu em Petrópolis-RJ no dia 29 de março de 1979. Filho de Antônio Gomes de Sousa e Ester M. Gomes. Casado com Maria Esther Gomes, com quem teve o filho Osmar Gomes. Fez os seus primeiros estudos na cidade natal, de onde se transferiu, em 1913, para a capital da Bahia, onde cursou a Escola Comercial, hoje Faculdade de Ciências Econômicas, e recebeu o diploma de "graduado em Comércio e Fazenda".  Foi secretário da Associação Comercial e da Federação do Comércio da Bahia de 1944 a 1948. Membro do Conselho de Fazenda da Bahia em 1947 e Presidente da Bolsa de Mercadorias (1948). Delegado da Bahia à Conferência das Classes Produtoras na cidade de Teresópolis (1945) e Araxá (1949). Delegado do mesmo Estado na Conferência Internacional de Comércio e Produção, em Chicago (1948); em Santos SP (1950); em Santiago do Chile e em Houston (EUA) e no Peru (1952). Delegado Brasileiro à 5ª reunião do Acordo Geral de Tarifas e Comércio realizada na Inglaterra, de outubro de 1950 a abril de 1951. Presidente do Conselho Superior de Tarifa, 1949-50. Transferindo-se para o Rio de Janeiro em 1949, exerceu as funções de Presidente do 2o Conselho de Contribuintes, no Ministério da Fazenda e da Câmara de Comércio Teuto-Brasileira no Rio de Janeiro desde 1950, havendo desempenhado outras comissões de estudos econômicos no Itamarati e no Instituto de Resseguros do Brasil.  Membro do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, bem como do de Alagoas.  Pseudônimo: Paulo de Damasco. Obras: Notas de uma Excursão, 1928; Ressurreição, 1932/1935 (versos); O Soneto Inacabado, Petrópolis: Vozes, 1934/36, (crônicas); Conflitos e Posições do Espírito Moderno, Rio de Janeiro: José Olympio Ed. 1938 (ensaios); A Chegança, Contribuição Folclórica do Baixo São Francisco, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1941 (folclore); Compreensão de Humanismo, Zélio Valverde, Rio de Janeiro, 1942 (ensaio); Uma Frase Singular (esboço biográfico), Bahia, 1943; A Greve, capa de Santa Rosa, Zélio Valverde, Rio de Janeiro, 1945, (romance); O Bispo-Missionário, (biografia) Bahia, 1947; Tradições Populares do Baixo S. Francisco (folclore), Anais do 1º Congresso Brasileiro de Folclore, Rio, 1951. Colaborações: O Diário, Belo Horizonte, MG; O Imparcial, A Tarde, da Bahia; Jornal do Comércio, Dom Casmurro, e O Jornal, do Rio, e sobre assuntos econômicos na Revista Bancária Brasileira e Observador Econômico e Financeiro. Fonte: ABC DAS ALAGOAS. 

[ii] Cedro, Estado de Sergipe. A Lei nº 1.015 de 4 de outubro de 1928, sancionada pelo Governador Manoel Dantas, elevou Cedro à Categoria de Vila e Sede do Município, desmembrado de Propriá, sendo instalada a Vila a 1 de Janeiro de 1929. O decreto nº 69 de 26 de março de 1938, anexou o termo à Comarca de Propriá. Pelo Decreto-Lei nº 533, de 7 de dezembro de 1944, o Município passa a ter o nome de "Darcilena", porque o prefeito Miguel Seixas queria homenagear a mulher de Getúlio Vargas, Darcy, e a mulher de Augusto Maynard, Helena. Mudando para Cedro de São João em 6 de Fevereiro de 1954, pela Lei Estadual nº 554, passando a contar com mais um Distrito de Paz, o de São Francisco. Depois, o Distrito de São Francisco foi desmembrado, tornando-se Município. Fonte: Wikipedia.

 

sábado, 3 de dezembro de 2022

PRÁTICO DO SÃO FRANCISCO TRANSPORTOU LAMPIÃO DE ANGICOS A BORDA DA MATA

 Por Selênio Homem[i]

"Seu Quincas", em 1967.

O homem chama-se Joaquim Bezerra de Souza, casado, 53 anos, residente em Pão de Açúcar, Alagoas, cidade atraente e que possui, para orgulho dos seus habitantes, um pãozinho de rocha, com um pequeno Cristo Redentor no ápice. “Mestre Quincas”, como é mais conhecido em todo o baixo São Francisco, exerce o singular ofício de prático de água doce, e jacta de ser o mais competente nas 158 milhas navegáveis da Região. “Mestre Quincas” é o homem que a Marinha contrata, todos os anos, para guiar o navio-patrulha Piraju, na missão de atendimento às populações ribeirinhas.

Trata-se de extraordinário contador de histórias. Sabe coisas de arrepiar os cabelos e tem o dom de contá-las em ritmo pausado, persuasivo, descendo a minúcias de literatura policial.

Há um caso na vida de Quincas, uma faceta que ele narra com indisfarçável júbilo: de haver transportado o temível Lampião, rio afora, de Angicos à Fazenda Borda da Mata, estância que pertenceu, à época, ao pai do então Governador de Sergipe, Eronides de Carvalho[ii], um velhote de maus bofes que se dava ao risco de “hospedar” o Capitão Virgulino Ferreira, quando maior era o assédio das volantes. A aventura passou-se em águas sergipanas e Quincas conta o “suspense” mais ou menos assim:

Era um dia qualquer do ano de 1936. Ainda muito jovem, trabalhava como ajudante na canoa “Teresa Gois”, do Mestre Moisés Francisco dos Santos[iii], sujeito taciturno, de poucas palavras.

O barco subia o rio e ia buscar um bom frete em um lugarejo distante. Pelo menos foi o que Moisés anunciara a Quincas quando “abriu os panos” em Capoeira[iv], fazenda de sua propriedade. A tarde caia lentamente e entre ambos pairava um silêncio de clausura. Em dado momento, o Mestre rompeu a quietude com sua voz grave:

- Sabe de uma coisa, Quincas, eu não o avisei, mas tenho que apanhar uma “família” em Angicos, na ribanceira, perto da casa de compadre Chico. Joaquim não deu muita importância àquela sentença patronal. Cabia-lhe apenas cumprir as ordens do chefe.

- Tá certo, seu Moisés, tá certo...

O navio patrulha Piraju no porto de Curralinho-SE


O BANDO SURGE


Eram cinco horas da tarde quando Moisés anunciou a mudança do itinerário. Pouco depois, a canoa atracou na ribanceira. Seguiram-se longas horas de espera. Precisamente às 22 horas, Quincas avistou alguns vultos que saiam do mato, em direção ao barco. A “família” se aproximou e o jovem Joaquim sentiu o sangue fugir-lhe das veias. À frente do grupo, caminhava uma figura lendária, terror do sertão. Quincas logo o reconheceu: era Virgulino Ferreira com seus reluzentes enfeites de metal precioso, armado até os dentes. Homens morenos, de cabelos compridos e chapéus vistosos, de abas levantadas, seguiam o Rei do Cangaço.

Os sinistros passageiros tomaram assento na canoa e ficaram imóveis como estátuas de pedra. Lampião acomodou-se junto a Maria Bonita e dirigiu algumas palavras cordiais ao Mestre Moisés (“Maria era baixota, porém, bonita de verdade” – comentou Joaquim). O inexperiente ajudante estava com os nervos em pandarecos. Ficou todo o tempo na proa, fingindo ajeitar o pano, para não passar por entre os cangaceiros, embora estivesse no grupo o Zé Sereno[v], seu amigo de infância.

Aos primeiros raios do sol, a canoa chegou à fazenda Borda da Mata. Mestre Moisés recebeu sua paga e seguiu com destino a Penedo. Esta foi a última viagem de Joaquim Bezerra como ajudante da Teresa Góis.

OUTRAS ESTÓRIAS

Acontece que Mestre Quincas sabe muitas estórias do cangaço, de tanto haver percorrido o Baixo São Francisco, no tempo que Virgulino Ferreira estabeleceu seu domínio de terror nos sertões nordestinos. As cidades à beira d’água eram frequentemente visitadas por Lampião, e Joaquim continuava como ajudante de mestre, rio acima, rio abaixo.

Pouco depois de seu inusitado encontro com os cangaceiros, contou “Mestre Quincas”, a canoa “Rio Branco”, de José Pedro[vi], foi atacada pelo bando, no Morro da Abelha[vii], em Sergipe.

A embarcação seguia para Propriá, levando dois sanfoneiros que iam animar uma festança naquela cidade. Mas, Lampião não estava interessado em festa. Queria ir para a fazenda Saco dos Medeiros[viii], em Alagoas, a fim de cobrar “uma dívida” ao Coronel Gustavo, dono da terra. Virgulino desembarcou para ajustar as contas, e a “Rio Branco” subiu o rio, rumo a Pão de Açúcar.

Um delator de Lampião se encontrava a bordo da canoa. Maria Bonita reconheceu o “sujeito”, mas o Rei do Cangaço estava de bom humor e preferiu não ir à desforra. O infeliz denunciante, ante a terrível descoberta de Maria, ficou imóvel, sem bater pestanas, até o desembarque do bando. Conta-se que, ao chegar a Pão de Açúcar, saiu feito um desvairado, em louca disparada, com uma crise de histerismo.

Essa notícia Joaquim ouviu do cangaceiro “Cajazeira”, que participou do assalto à canoa.

Canoa Rio Branco, depois Luzitânia.


O CONHECEDOR DO RIO

Se alguém se dispuser a ouvir as narrativas de Mestre Quincas, terá que ter paciência de Jó. Antes de tudo, porém, Joaquim Bezerra e um prático de água doce. Conhece o Baixo São Francisco como ninguém. Sabe todas as passagens difíceis do rio e tem teoria própria sobre as mutações que se processam anualmente, no seu leito.

Diz que de Penedo à foz do rio, é tranquilo, não oferece perigo algum. “Danado” é o trecho Penedo-Piranhas, que se modifica, na época da cheia, pela ação da correnteza. Por esse motivo, todos os anos, com o rio seco, faz a correção da sua particularíssima carta fluvial.

Hoje, após tantas intempéries, Joaquim Bezerra é um homem tranquilo. Há 13 anos e prático da empresa Tupan, que faz a linha Penedo-Piranhas, transportando passageiros. Resta agora crias os moleques e terminar seus dias na santa paz do Senhor.

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NOTA.

JOAQUIM BEZERRA DE SOUZA, conhecido por “Quincas”, nasceu no povoado Curralinho, município de Porto da Folha-SE (atualmente território de Poço Redondo-SE), no dia 18/08/1910. Filho de Teotônio Martins Bezerra e Adelaide Lucas de Souza (casados em 15 de agosto de 1904, em Porto da Folha-SE). Eram seus avós: paternos, Pedro Bezerra e Antônia Rosa Bezerra; maternos, Lucas Evangelista dos Santos e Maria Rosa de Souza. Casado com Maria José Santos, natural de Pão de Açúcar, onde reside seu filho José Bezerra (Zé de Quincas).

Foi Comandante Prático da Empresa Tupan (de Sebastião e Luiz Barreto, com sede em Neópolis-SE), fazendo a linha Penedo-Piranhas desde 7 de julho de 1957 até 1979, quando a empresa encerrou as atividades naquela linha. Faltando-lhe a lancha Tupan, que comandou durante vinte e dois anos, ainda trabalhou na balsa que fazia a travessia Pão de Açúcar-AL/Niterói-SE (povoado pertencente ao município de Porto da Folha), pertencente à Empresa Fluvial Sao Francisco (Zélia Silva Gonçalves).

Faleceu em Pão de Açúcar-AL no dia 25 de agosto de 1999.

Povoado Curralinho-SE, 1967. Foto: Capitão-de-Mar-e-Guerra Alberto do Valle Rosauro de Almeida

A lancha Tupan


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Transcrito do Diário de Pernambuco, 17 de março de 1967.

http://memoria.bn.br/DocReader/029033_14/48945http://memoria.bn.br/DocReader/029033_14/48945

Informações adicionais: Wellington Santos, Tonho de Dona, Everaldo Fernandes.

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Caro leitor,

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[i]


SELÊNIO HOMEM DE SIQUEIRA CAVALCANTI. Nascido em 24 de maio de 1935, em Santa Luzia do Sabugí, Sertão do Estado da Paraíba. Filho de Edgard Homem de Siqueira (Promotor de Justiça, Juiz de Direito e Desembargador) e de Jandira de Siqueira Cavalcanti. Avos paternos: Homem de Siqueira e Maria Umbelina Cavalcanti. Maternos: Antônio Eduardo Freire e Maria Antônia Freire. Seu nome é inspirado no elemento químico de número atômico 34, um ametal pertencente ao grupo dos calcogênios. Seus irmãos Yttérbio e Ruthenio também pertenciam à mesma “família” da tabela periódica. Selênio foi para o Recife em 1947. Formou-se em Economia, mas nunca exerceu a profissão. Iniciou-se no jornalismo em 1960, na “escola” do Diário de Pernambuco. Em 1969, foi agraciado com a Medalha do Mérito do Recife. Em 1971, dirigiu a Assessoria de Publicações e Pesquisas da Empresa Metropolitana de Turismo do Recife. Quem não o conhecesse, discreto como um frade, envolvido pela fumaça do cigarro, a matraquear a máquina de datilografia pé duro, invariavelmente de calças jeans e camisa sem gola, mal imaginava estar diante de um dos maiores talentos da palavra que o jornalismo pernambucano produziu. Em 1983, quando era Chefe de Reportagem do Diário de Pernambuco, recebe o título de Cidadão do Recife, outorgado pela Câmara Municipal, por inciativa do Vereador Josué Pinto. As funções do pai o fizeram residir no Rio Grande do Norte, onde foi “menino de engenho”, no Engenho Belém, de sua avó materna. Já adolescente, foi com a família para Olinda. Faleceu em Olinda-PE, no dia 14 de dezembro de 2015. Fonte: Diário de Pernambuco, 18/05/2021.

 

[ii] ANTÔNIO FERREIRA DE CARVALHO. Filho de Jesuíno Ferreira de Oliveira Costa e de Annanias Perpétua dos Anjos. Nasceu em São Brás-AL, no dia 24 de março de 1873. Faleceu a 5 de maio de 1948 em Canhob-SE. Foi prefeito do Município de Canhoba, cuja emancipação política, desmembrado de Aquidabã, ocorreu em 1937. Fonte: Familly Search.org.

 

[iii] MOISÉS FRANCISCO DOS SANTOS, conhecido por Moisés Tambangue, natural de Curralinho-Poço Redondo-SE. Fonte: Lampião e o Cangaço na Historiografia de Sergipe. Archimedes Marques.

Moisés Tambangue residia na fazenda Capoeira, abaixo do povoado Curralinho, em Poço Redondo-SE, Era casado com Sra Eulina Vital. Passou a morar em Juazeiro, Bahia, na década de 1950, para onde levou a canoa Tereza Góis. Quando precisou passar na região da ponte de Jatobá, precisou cortar a canoa ao meio. Já em Juazeiro, vendeu a canoa para Lourival de Joscelino, do povoado Jacaré, e comprou a canoa Cordilheira do Sr. Zé Brito, proprietário da fazenda Abadia, em Canindé do São Francisco-SE. (informação de Everaldo Fernandes)

 

[iv] Fazenda Capoeira, acima de Curralinho-SE.

 

[v] ZÉ SERENO, José Ribeiro Filho - nasceu em 22 de Agosto de 1913, na Fazenda dos Engrácias, no município de Chorrochó, no Estado da Bahia. Era filho de José Ribeiro e de dona Lídia Maria da Trindade. Sua mãe era irmã dos cangaceiros Antônio e Cirilo de Engrácias. Dona Lídia também era irmã do cangaceiro Faustino, "Mão de Onça", sendo este pai do terrível cangaceiro Zé Baiano, o ferrador do bando de Lampião. Zé Baiano andava com um ferro de ferrar animais com as iniciais "JB", as primeiras letras do seu nome. Para suas maldades alheias onde ferrava mulheres e homens, de preferência no rosto. Zé Baiano era primo carnal do cangaceiro Zé Sereno, isto é, pai e mãe eram irmãos dos pais de Zé Sereno. Zé Baiano e Zé Sereno eram primos legítimos do cangaceiro Mané Moreno. Zé Sereno andou no bando de Lampião com sua esposa Sila, até no dia do massacre na Grota de Angico, onde mataram Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros, sobre o comando do oficial alagoano tenente João Bezerra. Zé Sereno e Sila saíram ilesos do massacre, isto é, não foram atingidos pelas balas. O ex-cangaceiro Zé Sereno só veio a falecer em 16 de fevereiro de 1981, no Hospital Municipal de São Paulo. Sua mulher Sila faleceu no dia 15 de Outubro de 2005, também na capital Paulista. Fonte: http://blogdomendesemendes.blogspot.com/2020/04/por-josemendes-pereira-jose.html. Segundo consta do seu registro de óbito, José Ribeiro Filho era funcionário público municipal. Residia na Rua Augusto Perroni, 841 – Butantã – São Paulo-SP, e foi vítima de AVC – Acidente Vascular Cerebral.

 

[vi] Canoa Rio Branco, que depois pertenceu a Luiz Martins, segundo Carlos Eduardo Ribeiro, da ONG Canoa de Tolda. Essa embarcação, depois denominada Luzitânia, foi recuperada e, ao lado da canoa Piranhas, constituem os dois exemplares existentes desse tipo de embarcação típica do Baixo São Francisco.

 

[vii] Morro da Abelha, pouco acima de Ilha do Ouro-SE.

 

[viii] Saco do Medeiros, na margem alagoana, quase defronte a Gararu-SE, um pouco acima.

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO

 

Por De Castro e Silva[i]

É ainda grande o prazer que sinto ao ficar em contato com a Natureza, não como um panteísta, ajoelhado perante ela, mas como um artista sedento de paisagem e harmonia, em todas as suas cores, dando aos olhos uma alegria imensa.

Com esse desejo foi que me decidi fazer uma excursão à Cachoeira de Paulo Afonso, esses 250.000 cavalos vapor que correm, a esmo, num desperdício de força, sem que, até agora, merecesse a boa vontade do seu aproveitamento integral.

Cachoeira de Paulo Afonso - Queda "Os Três Mosqueteiros"

Eram 16 horas, num trem da Great Western, quando larguei da estação central de Maceió, com os demais, que, a despeito de vários pensamentos, se uniformizavam na vontade de ver a cachoeira tão falada, que cada um imaginava a seu modo.

Sucederam-se as estações e a noite caiu lentamente, quando o sol desapareceu por detrás dos morros e dos canaviais que margeiam a estrada. Eram já 23 horas quando o trem, cansado da subida, alcançou Palmeira dos Índios, ponto culminante desse ramal da via férrea.

Pela manhã, ao nascer do sol, saímos a respirar o ar cheiroso das manhãs, defendendo-nos dos “catabís” ou “bacadas”, como se diz no Brasil central, existentes nos caminhos.

A vegetação desse lugar, já no Sertão, é característica. Os cactos, a “coroa de frade”, o “chique-chique” e marmeleiro enchem a paisagem por entre as pedras enormes, tantas vezes aproveitadas por Lampião e seu grupo, em várias emboscadas.

Vão surgindo as casinhas dos sertanejos e manadas de cabras moxotós, carneiros, os cercados de pedra, e as plantações de palmas que os moradores, por causa das secas fazem, previdentes.

Perto das 17 horas, dentro da cidade da Pedra, no alto sertão alagoano, contemplamos o movimento fabril por excelência. A par da pecuária e da agricultura regionais, ergue-se uma bem aparelhada fábrica de fio, a maior ambição de um caboclo cearense que conseguiu industrializar o algodão para a linha de coser – a tão falada “linha da Pedra”.

Estação Central de Maceió. Fonte: Site História de Alagoas.

Esse caboclo, que nunca é demais repetir, é Delmiro Gouveia, o mais autêntico bandeirante dos sertões nordestinos. Audacioso como todo cearense, e malgrado, como todos os que possuem larga visão e combatem a rotina, Delmiro deu a Pedra um desenvolvimento e um progresso tal que, enriquecendo as regiões circunvizinhas, viria a ser uma larga fonte de turismo nacional.

É preciso visitar esse deslumbramento para conhecer o valor e a capacidade criadora do seu realizador, aproveitando a Paulo Afonso, em glorificação e tenacidade. Só assim poderá observa a ousadia desse vencedor de obstáculos que parecem impossíveis de vencer.

Delmiro deixou bem gravadas, nas rochas de Paulo Afonso, há mais de 25 anos, um valioso exemplo a seguir. No entanto... a nossa visita à cachoeira coincidiu com o vigésimo sexto aniversário do crime que vitimou esse grande e esforçado, ferindo também, a fundo, uma grande parte da economia nacional, a aproveitar com a força hidráulica ali produzida.

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Num velho “Ford” de bigodes virados e capotas de lona, quedamo-nos diante dessa cachoeira que Dom Pedro visitou a 20 de setembro de 1859, 84 anos antes. Já se ouve, à distância, o barulho de suas águas, despencando-se de uma altura considerável, e, pelo caminho avista-se, aqui e ali, descoberto, o encanamento de umas 3 polegadas, que conduz água para a fábrica da Pedra. Caminhamos agora a pé e daqui, do “Alto do Imperador”, admirando a queda que nos fica em frente, o “véu da noiva”, no lado baiano, a casa das máquinas encravadas nas pedras colossais, a água espumosa e enredemoinhada que passa em procura do rio que corre – para sentir em mistura com êxtases, a alegria, a tristeza de saber que ali, onde nos encontramos agora, foram jogadas à água todas as máquinas que Delmiro adquiriu e com que chegou a fábrica de linha de coser, concorrente de outra, de fama mundial...

Recordamos sem querer os versos de Olegário Mariano – “água corrente, vê que o teu destino é igual ao destino da gente”...

Vamos passar agora com um “trolley” velhinho que nos conduzirá ainda mais perto da cachoeira, à casa das máquinas, à contemplação mais próxima desse assombroso panorama artístico! Os nossos olhos deslumbram-se, o nosso coração parece que vai saltar e não sabemos se, avançando ou parados, contemplaremos melhor esse quadro vivo que a natureza nos mostra.

À direita, do lado de Alagoas, os “Três Mosqueteiros” parecem esgrimir nas rochas e as suas acrobacias e pelejas chegam até nós, trazida nas espumas, que se elevam ao sentirem-se mais apertadas nos lados. Parece que uma noiva passou por aí a arrastar o seu véu comprido. É isto o que nos lembra outra queda, à esquerda, do lado da Bahia. A indecisão nos persegue e não sabemos para onde ir. Tudo nos encanta e, perplexos, diante da Natureza, que é força e beleza, e da obra realizada pelo homem, “que a conquistou para as grandes realizações da vida”, como disse o jornalista Costa Rego, quando governador de Alagoas, andamos a passos descuidados, invejando as andorinhas, que volteiam felizes sobre as espumas, e as ervas, que se agarram às pedras brutas, molhadas ininterruptamente pela água, que passa, numa vertigem louca... Por um mundo de escadas de ferro e por um helicoidal, de 150 degraus, vendo a cachoeira e abismo debaixo dos nossos pés, descemos para ver as máquinas possantes que a coragem do nordestino Delmiro Gouveia, traiçoeiramente morto, por ser grande, fez assentar na cachoeira, querendo aproveitar a sua força. Talhadas na rocha, como os antigos egípcios fizeram, estão instaladas as turbinas, impulsionadas por 3 dínamos trifásicos, de 7.000 volts.

Os canos que descem, fazem uma sucção de 6.000 litros por segundo. Tem-se até agora apenas, um aproveitamento de 1.500 HP.

Deixamos a casa das máquinas e quisemos experimentar nova sensação. Trepamos numa caçamba, suspensa por 2 cabos de aço ligando dois Estados que se olham através da cachoeira. Mais um impulso e, eis-nos no meio do abismo de água e espuma, que passa dando mil voltas e contorcendo-se no apertado das rochas marginais. Estamos a uns 200 metros de altura e a caçamba balança nos cabos, pondo os nossos nervos à prova. Em baixo, formam-se lindos arco-íris, pela refração solar, e logo me lembrei de haver admirado quadro idêntico em um dos últimos passeios de avião que fiz sobre as salinas de Mossoró e Areia Branca, no Rio Grande do Norte.

Mais um impulso, e chego às pedras da Bahia. Sobre elas, como o Cristo no sermão da montanha, tenho a meus pés a água que passa cantando. As andorinhas continuam voando sem parar e, em volta, por cima da cachoeira, numa frágil caçamba, pois tudo diante dela se torna frágil e minúsculo... Revendo e subindo as mesmas escadas, deixo-me fica, ainda uma vez, contemplando aquela maravilha.

Excursionistas. Demócrito de Castro e Silva à esquerda.

Tentar descrever a Paulo Afonso será tempo perdido, porque todas as palavras seriam pálidas, sem justeza. Por isso apenas consegui deixar no álbum de impressões um quase nada do muito que parecia falar dentro de mim: “A Paulo Afonso é o maior presente da Natureza ao Brasil. Pena é que a sua queda seja ainda o “choro da energia abandonada”! E foi por isso, também, que A. Austragésilo, aos escrever as suas impressões, disse: “Feliz do home que puder gozar, um dia, a grandeza na natureza brasileira representada pela bela, formidável e indômita Cachoeira de Paulo Afonso”. E Castro Alves, em 1876, cantou-a, em oitavas camonianas, com a grandeza da sua poesia e o segredo sublime de suas formosas rimas:

“A Cachoeira! Paulo Afonso! O abismo!

A brica colossal dos elementos

As garras do centauro em paroxismo

Raspando os flancos dos parcéis sangrentos

Relutantes na dor do cataclismo,

Os braços do gigante suarentos,

Aguentando o ranger (espando! Assombro!)

O rio inteiro que lhe cai no ombro!”

 

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Que bom seria que a todos os brasileiros fosse fácil contemplar esta maravilha que nos pertence!

Se os matadores de Delmiro Gouveia tivessem sabido admirar a Cachoeira de Paulo Afonso, não lhe teriam assestado os rifles, porque haviam de ver naquele homem que descansava numa rede, no alpendre, um novo Titã, alterando o próprio curso dos rios, dominando a natureza para levar água às bocas sequiosas e às plantações crestadas pelo sol.

Quem visitar Paulo Afonso há de compreender as palavras do Cônego Luiz Barbosa: - “Nunca vi Deus falar tão alto como na Cachoeira de Paulo Afonso”

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Transcrito da revista VIDA DOMÉSTICA, Rio de Janeiro, Janeiro de 1944.

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Caro leitor,

Este Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, contém postagens com informações históricas resultantes de pesquisas, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso algumas delas seja do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.

 



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Demócrito DE CASTRO E SILVA: Nasceu em Cruz do Espírito Santo, Estado da Paraíba, em 18 de setembro de 1913. Filho de Francisco Antônio da Silva e de Thereza da Silva Castro. A 5 de setembro de 1936, casou-se, em João Pessoa-PB, com Heloisa Machado de Castro e Silva, com quem teve os filhos Telmo de Castro e Silva e Tânia Maria.

Estudou na capital do Estado, no Colégio Diocesano pio X e no Lyceu Paraibano, bacharelando-se em Direito pela Faculdade do Recife, em 1946. Ainda, no Lyceu, De Castro e Silva iniciou a sua carreira literária; fundou as Revistas O Álbum e Mocidade, revistas que eram redigidas e datilografadas por ele mesmo e impressas nas oficinas do Jornal A Imprensa. Exerceu a advocacia por algum tempo em João Pessoa, depois, transferiu-se para São Paulo, onde manteve o seu escritório de advocacia até se aposentar, mantendo, também, as suas atividades literárias. Escrevia, regularmente, nos jornais A Imprensa e A União, colaborava com freqüência em jornais e revistas de outros Estados. Escreveu nas Revistas Vida Doméstica. Beira-Mar, Gazeta De Notícias, A Nação, Fru-fru e Revista da Semana, do Rio de Janeiro; Revista O Globo, de Porto Alegre Correio do Povo de Curitiba; Literatura e Arte, de Sérgio Millet, de São Paulo; A Gazeta, de São Paulo; O Triângulo, I de Uberaba. Militou, ainda, na imprensa de Maceió, Goiás, Maranhão, Bahia e Pernambuco e em La Vie Politique et literaire, de Bucarest, Rumênia. Ele era poeta, romancista, contista e ensaísta. Ingressou na Academia Paraibana de Letras em 10 de setembro de 1949, sendo recepcionado pelo acadêmico Durwal Albuquerque. Trabalhos de sua autoria: Ritmos estranhos; Esse colosso, o Brasil; Augusto dos Anjos- poeta da morte e da melancolia; Quatro séculos de poesia; Classe média (duas edições); Maciel Pinheiro-peregrino audaz(discurso de posse na APL); Augusto dos Anjos- o poeta e o homem; O arado e o gafanhoto; Poemas da terra e do homem; Do bicho papão ao lobisomem. Em elaboração: Os contos de Miquelina; Da importância política social e econômica da classe média. Faleceu em São Paulo a (?) Fonte: https://novo.aplpb.com.br/academia/academicos/cadeiras-21-a-30/195-n-22-fundador-democrito-de-castro-e-silva- Site da Academia Paraibana de Letras.

A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


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PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia