segunda-feira, 27 de outubro de 2014

SONETO

Massilon Ferreira da Silva¹

Ao morrer que me deixem ser levado
Em pomposo cortejo que evolui
Em cantos solenes entoados,
Qual soberano egípcio (que não fui)

Depositem meu corpo inanimado
Num sarcófago envolto em ouro e prata,
E por companheiros, bem ao lado,
O wisk e o cigarro de Sinatra.

Sob a luz de uma estrela radiosa
E ao som de melodias eloquentes,
Habitarei entre jardins em Nínive.

Adornado com pétalas de rosas,
Embriagar -me - ei eternamente
De amor das mulheres que não tive.
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sábado, 25 de outubro de 2014

NOITE DE INSÔNIA

Arthur Azevedo

Se há marido e mulher perfeitamente felizes, são os Guedes. Não se casaram por paixão, mas o amor nunca lhes desertou da casa. Há muito tempo que isto dura, como no primeiro dia.
            D. Hortência não tem ciúme do Guedes, nem este lhe dá motivos para isso. É verdade que, com três ou quatro meses de casado, começou a esgueirar-se depois do jantar, voltando à meia-noite. Mas, ainda hoje, nenhuma só vez capaz de sair sem perguntar a D. Hortência:
            — Queres ir?
Ela prefere ficar em casa. Ainda está por haver outra senhora mais amiga dos seus cômodos.
            Uma noite, por acaso, Guedes entrou em casa fora da hora habitual, e D. Hortência no dia seguinte pediu-lhe, com muito bons modos, que nunca mais ficasse além da meia-noite.
            — Bravo! – exclamou o marido. Aí estão eles!
            — Eles quem?
            — Os ciúmes!
            — Ora, que tolice! Ciúmes de que? De quem? Não, senhor. Não são ciúmes. Apenas acho muito feio que um homem casado fique na rua depois de meia-noite, sem sua mulher.
            — Desculpa, o meu relógio estava atrasado.
            — Olha, se repetes esta gracinha, ciúmes não tenho, mas zango-me deveras. Vê que é a primeira coisa que te peço.
            — E espero que não seja a última.
            Daí por diante o relógio do Guedes nunca mais se atrasou. Era dar meia-noite e ele a entrar em casa. D. Hortência adormecia invariavelmente uma hora antes. Os dois esposos só se falavam pela manhã.
II
            Entretanto, o Guedes era um modelo de fidelidade conjugal; resistia a todas as tentações, livrando-se vitorioso dos mais arriscados encontros. Ia todas as noites aos teatros, mas só dava atenção às peças que se representavam e aos amigos com quem se aborrecia nos entreatos.
            Uma noite — noite fatal, um amigo: o Remígio, o encontrou no Recreio e o convidou para uma ligeira patuscada, perto dali, na rua do Núncio. Batizava seu filho. Tratava de dar cabo a um magnífico peru, que em vida se mostrara digno de um jardim zoológico e, depois de morto, faria as delícias do mais impertinente luculo.
            O Guedes era o que se chama um bom garfo. E em se tratando de peru assado, o pobre rapaz estava perdido. Por isto aceitou o convite depois de perguntar:
            — À meia-noite eu posso estar em casa?
            — Ora! Ora! Ora!

III
            À meia-noite ainda o peru estava intacto, e os convidados do Remígio fariam cruzes na boca. O Guedes, esquentado por alguns cálices de conhaque e interessado por uma partida de gamão, deixava-se estar muito tranquilo, à espera que dessem o sinal de ataque.
            Para encurtar razões, quando deu por si, passava de três horas.
            — Que diabos!
            Saiu inquieto e meio lá meio cá porque o peru tinha sido abundantemente regado a um delicioso Collares.
            Quando chegou ao Largo da Carioca, os operários passavam para o trabalho, os vendedores ambulantes de peixe, fruta e verdura atravessavam as ruas com os samburás vazios, na direção do Mercado.
            A cidade despertava.
            — Ora esta! Ora esta! Com que cara vou aparecer a Hortência? Ora esta!
            E quando entrou nos penates, era dia claro!
IV
            Penetrou no quarto de toucar que ficava contíguo à alcova conjugal, sem que a porta rangesse nos gonzos, como de costume, e começou a despir-se.
            Mas, era preciso luz: não havia meio de encontrar as chinelas. O Guedes riscou um fósforo e acendeu o bico de gás. Nisto, ouviu D Hortência remexer-se no leito e suspirar largamente. Ficou frio como um ladrão.
            O pobre marido estava pronto para ir deitar-se e cobrava ânimo para entrar na alcova, quando a voz de D. Hortência quebrou aquele silêncio profundo:
            — Guedes?
            Mas esse “Guedes” era dito num tom sereno, tranquilo, afetuoso.
            O delinquente não respondeu; ela repetiu:
            — Guedes?
            — Heim?
            — Aonde vai você tão cedo?
            — Como?
            — Você não se está vestindo para sair?
            O Guedes compreendeu tudo. Estava salvo! E respondeu imperturbavelmente:
            — Passei uma noite de insônia. Desde a meia-noite que me viro e reviro em nossa cama. Vou respirar um pouco do ar da manhã, e ver se me faz bem...
            E o mísero rapaz, cansado, aborrecido, morto de sono — e meio cá meio lá — teve que vestir-se de novo e dar um passeio matinal... forçado.

            Estava punido, e D. Hortência vingada... sem o saber.
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Extraído do jornal pão-de-açucarense A IDÉIA, 1910. 

Arthur Azevedo. Nasceu em São Luiz (MA), a 07/07/1855 e faleceu no Rio de Janeiro, a 22/10/1908.
Filho de David Gonçalves de Azevedo (Vice-Cônsul de Portugal em São Luiz) e Emília Amália Pinto de Magalhães. Era irmão mais velho de Aluísio Azevedo, autor de O Cortiço.

A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

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Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


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PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia