quinta-feira, 29 de março de 2012


MINHA PRIMEIRA ESCOLA

Etevaldo Amorim

            Eu não tinha ainda completado sete anos de idade quando ingressei no Grupo Escolar do Bairro Novo Campos Elíseos, na bela a progressista cidade de Campinas. Era uma escola nova, ainda no seu segundo ano de funcionamento. Há pouco mais de um ano, num final de tarde, eu e meus primos fomos levados pela minha mãe e minha tia para conhecer a nossa futura escola. Visitamos as obras, já em fase de conclusão, conduzidos por um pedreiro conhecido. Edivaldo e Vera já iniciaram na primeira turma, em 1963. Em março de 1964, chegaria a minha vez. E lá estava eu com meu uniforme – calça curta azul marinho e camisa branca, lancheira a tira colo e uma pasta de couro com cadernos, estojo e a cartilha Caminho Suave, da renomada pedagoga Branca Alves de Lima.

            Era uma Escola moderna. Lá, os alunos tinham acesso a assistência médica, odontológica, alimentação e até barbeiro. Sala espaçosa preenchida com carteiras duplas, dispostas em colunas; um quadro-negro para o professor e outro na parede interna, para uso dos alunos. Na outra, janelas de vidro ocupando quase todo o espaço superior, permitindo a luminosidade e por onde se podia ver a parte externa do prédio de dois pavimentos.

Certo dia, recebemos a visita do dentista. Perguntava quem desejava ir ao consultório para, eventualmente, tratar de algum dente. Ante o silêncio de todos, enchi-me de coragem e fui com ele. Nesse dia, livrei-me do meu último dente de leite, um molar, que resistia e me incomodava. Chegando a casa, contei para minha mãe, que ficou surpresa e me elogiou. Noutra ocasião, porém, minha reação foi diferente. Quando o tempo prenunciava uma forte tempestade, a professora disse que, quem morasse longe, poderia sair mais cedo para evitar a chuva. Tendo pavor de trovões, disse que morava muito longe. Dez minutos depois, estava em casa, não mais que quinhentos metros da Escola. Minha mãe não ficou surpresa: conhecia o meu medo.

            Lembro ainda dos rostos infantis à minha volta, meninos e meninas experimentando o contato com as primeiras letras. A meu lado, o Daniel, feições orientais e jeito calado. Atrás, um menino engraçado, cujo nome não me lembro, a não ser que parecia mais velho que os demais. Nas horas de folga, eu o via passar pelas ruas do bairro, tabuleiro pendurado no pescoço, vendendo pirulito. Tinha ainda os irmãos Alexandre e a Cristina, esta uma loirinha de cabelos cacheados.

            A primeira professora, D. Maria Izabel Vieira, pouco tempo ficou conosco. Logo veio o Professor Jonas Tayar, muito alegre e habilidoso no trato com as crianças. Mas, também ele, não demorou com a Turma. Veio, então, a jovem professora Neuza (Neuza Fernandes Costa), simpática e também muito talentosa. Esbelta e elegante, sua fisionomia e gestos, compararia depois, se assemelhavam aos da “Professora Helena”, personagem do Programa Carrossel, da TV mexicana, exibido pelo SBT nos anos 80/90. Lembro-me de quando dela me despedi no dia em que fui àquela escola pela última vez, antes de viajar com minha família para o Nordeste. Gentil, como era, disse que ia sentir a minha falta.

            Nunca mais voltei a Campinas e talvez não a veja mais. Entretanto, com os recursos hoje disponíveis, consigo ver como está hoje aquele bairro que deixei em formação, as ruas ainda carentes de pavimentação e a iluminação feita em postes de madeira. O Google Earth me mostra, com incrível precisão, a casa onde eu morava, de número 188, na Rua Amparo. Volto no tempo e me vejo percorrer o pequeno trecho até o seu final, para chegar ao Grupo, já na Rua Piracicaba.

            A escola já existia desde 1957, o ano em que nasci. Aprovando o Projeto de lei nº 279/1957, de autoria do Deputado Cássio Ciampolini, do PSD – Partido Social Democrático, a Assembleia Legislativa de São Paulo denominou o Grupo Escolar de “Padre José dos Santos”. Sancionado pelo Governador Jânio Quadros, tomou a forma de Lei com o Nº 4.378, de 16 de novembro de 1957. Entretanto, o mesmo Governador assina, em 21 de outubro de 1958, o Decreto n. 33.834, dando ao Grupo Escolar a denominação de "Professor Moysés Horta de Macedo". Para corrigir o equívoco, o seu sucessor, Carvalho Pinto, baixou o Decreto Nº 35.337, de 12 de agosto de 1959, tornando sem efeito aquele Diploma Legal. Para a construção do prédio próprio do Grupo Escolar, o Estado, por meio do Decreto Nº 38.533, de 29 de maio de 1961, assinado ainda pelo mesmo Governador Carvalho Pinto, desapropriou uma área de 6.050,00 m², pertencente a Armando dos Santos.

O patrono da minha Escola nasceu em Funchal, Ilha da Madeira, a 17 de agosto de 1874.  Era filho de Maria Augusta dos Santos e de Antônio Teixeira. Ainda menino, veio para o Brasil, ingressando no Liceu Sagrado Coração de Jesus, em São Paulo, no ano de 1887. Debaixo da guia paterna de D. Lourenço Giordani, e naquele santo ambiente de família dos primeiros salesianos que aportaram ao Brasil, desenvolveu-se a flor da sua vocação religiosa e sacerdotal, fazendo o noviciado em Lorena, no ano de 1892 e emitindo seus votos perpétuos em janeiro de 1893.

Durante os nove anos seguintes, portanto até o ano de 1902, trabalhou no Colégio São Joaquim, de Lorena, e ai também completou os seus estudos filosóficos e teológicos. Ordenando-se sacerdote em 1901, ele foi mandado a Turim e logo depois a Lisboa como primeiro redator do “Boletim Salesiano” em língua portuguesa. Regressando ao Brasil, foi nomeado, em 1912, diretor do Externado São João, em Campinas.

Importante é o programa desenvolvido por aquele sacerdote no Externato São João, estabelecimento de ensino este que abriu as suas portas à instrução primária de Campinas, quando nos seus grupos escolares era necessário sorteio para as crianças poderem neles ingressar, devido ao número reduzido de vagas. Foi nessa mencionada época que o Externado São João iniciou o ensino primário para as crianças pobres, ali tendo acorrido cerca de duzentos alunos. Dada a enorme procura de lugares, a matrícula subiu para mais de 400 alunos, no curso diurno, e 200, no noturno, curso este instituído para os que trabalhavam durante o dia. E assim foi que, sob a direção do Padre José dos Santos, aquela casa salesiana veio acudir o ensino primário de Campinas, quando era ele da mais absoluta necessidade.

Dotado de extrema bondade, tolerante, paciente, com o coração sempre aberto à prática do bem, profundamente piedoso, ao mesmo tempo que se empenhava em dilatar o programa de inscrição à infância, realizou obras notáveis, fundando o Oratório Festivo, que tirou das ruas mais de mil crianças.

Fundou, ainda, o Padre José dos Santos, a Associação de Nossa Senhora Auxiliadora, que se transformou numa verdadeira legião de associados, instituição essa que ainda existe no Externado São João. Foi, ainda,Capelão do Colégio Progresso Campineiro, também ali exerceu o seu ministério sagrado.

A “Echola Cantorum”, constituída de alunos do Externado São João, foi mais uma das suas obras, tendo participado de numerosas funções religiosas, tanto no Externado, como no Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, na Capital e em várias cidades do interior. Em 1914, fundou a Associação dos Ex-Alunos D. Bosco, entidade que recebeu em seu quadro social não só elementos que haviam passado pelos bancos do Externado São João, como também de todas as camadas sociais.

Grande músico, além de professor emérito, fundou uma excelente orquestra; organizou um ótimo grupo de amadores teatrais; criou uma seção de esportes dentro da Associação dos Ex-Alunos. Em 1931, foi removido, em movimento rotineiro de sua congregação, para o cargo de Diretor do Colégio São Joaquim, de Lorena. Faleceu no dia 3 de novembro de 1937, em São Paulo.

Sala de aula_parecida com a minha.

Eu nos tempos da Escola.

O Professor Jonas Tayar, à direita, aqui com alunos do Externato São João. Foto obtida no site:
Fachada  da minha escola hoje. Fonte: maps. google.

Fachada  da minha escola hoje. Fonte: maps. google.


No centro, Dom Agostinho Francisco Benassi, bispo de Niterói. À direita dele (esquerda de quem olha): o Capitão João Crhisóstomo; Amélia Rodrigues, poetisa baiana; Monsenhor Augusto Leão Quartin; Padre Francisco Solano; Padre Angelo Alberti. À esquerda do Bispo (direita de quem olha): Padre Carlos Peretto; Dr. José Agostinho dos Reis; Padre Lourenço Giordani; Padre Frederico Gioia; PADRE JOSÉ DOS SANTOS. Comemoravam o 25º aniversário das chegadas dos salesianos no Brasil.
Fonte: Revista da Semana, 15/11/1908.

Alunos do Ginásio São Joaquim, em Lorena-SP, tendo ao centro os Srs. João Correia Moreira (septuagenário); Monsenhor João dos Santos, vigário de Caxambu; Dr. Francisco Pinto de Moura, Prefeito; e o PADRE JOSÉ DOS SANTOS, diretor. Lá no alto, o Cônego Pedro Pinto. Fonte: Revista Fon Fon, Rio de Janeiro, 6 de agosto de 1921.
O Pe. José dos Santos (terceiro da esquerda para a direita) tendo a sua esquerda o Ministro uruguaio Dr. Ramos Montero, no Ginásio São Joaquim, em Lorena-SP, foto abaixo. Fonte: O Malho, 10/11/1923.


Padre José dos Santos. Foto: Vida Doméstica, Fevereiro de 1934.






domingo, 25 de março de 2012


CIDADE

Bem Gum¹

Cidade, colmeia humana, aonde o luxo e o prazer
Têm lugar de desdém para a miséria e a fome.
Aonde, ao relento, dorme o pária sem pão, sem nome,
E o nababo indolente tem sereno adormecer.

Cidade, centro onde a honra caminha prá fenecer,
Dominada pelo vício, que aos poucos lhe carcome,
Cidade, onde o proletário, na fábrica, se consome,
Para mais o argentário subir e enriquecer.

Cidade, ruas festivas, igrejas e lupanares,
Pináculos de arranha-céus, dispersos, cruzando os ares,
E casebres, moradias do pequeno, do ninguém.

Cidade, luz, vaidade, encantamento, alegria,
Amor, desprezo, miséria, ingratidão, nostalgia,
Cidade, berço do riso e da lágrima também.

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¹ Pseudônimo de Zequinha Guimarães (José Mendes Guimarães – Pão de Açúcar-AL, 25/09/1899-21/02/1968)

domingo, 11 de março de 2012

FAZ CEM ANOS HOJE


CEM ANOS SEM BRÁULIO

Domingo, 10 de março de 1912. O centro de Maceió é tomado por extraordinária massa popular, protestando contra o retorno de Euclides Malta que, pressionado, houvera se ausentado do Estado há mais de um mês. Desde o porto de Jaraguá até o Palácio dos Martírios, embora escoltada por forte esquema policial, tendo à frente o General Olympio da Fonseca, a Comitiva teve que suportar insultos da população, enquanto os sinos das igrejas dobravam a finados.
            A passeata seguia pela Rua do Livramento. À frente o Dr. Bráulio Cavalcante, jovem liderança oposicionista, recém formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade do Recife, e a quatro dias de completar vinte e cinco anos.
            Os manifestantes alcançam a Praça Deodoro, recebendo cada vez mais adeptos. A seu lado, o acadêmico José Moreira da Silva Lima, repórter do Jornal de Alagoas, que seria depois Prefeito de Maceió e emprestaria seu nome a uma das principais artérias da Capital, a Rua Moreira Lima.
Tomam à direita a Rua do Macena (atual Cincinato Pinto) e, em seguida, adentram a Rua Augusta (depois chamada Ladislau Neto e hoje popularmente conhecida por “rua das árvores”). Dobram à esquerda e percorrem o último trecho da Rua do Comércio. Em meio àquela agitação, talvez tenha ele lembrado os tempos calmos da sua terra natal. Das apresentações do Grupo de Teatro Paz e Progresso no Politheama Goulart de Andrade, ao lado de Luiz Paulo e Antônio Maia; das crônicas e poemas publicados nos jornais locais, ou mesmo da inauguração da Banda Musical Euterpe de Pão de Açúcar, regida pelo Mestre Abílio Mendonça, há menos de um ano, quando usou da palavra ao lado do Promotor Luiz Medeiros.
Chegam finalmente à Praça dos Martírios.  Nada mais lhe vem à mente senão os temas do discurso que teria de fazer na condição de orador da Campanha.
            Segundo reportagem do Jornal de Alagoas, edição de 15/03/1912, ao aproximar-se da estátua de Floriano Peixoto, três soldados do 8º Pelotão o intimaram a interromper a manifestação. Bráulio ponderou que estava no exercício de um direito assegurado pela Constituição da República; que não se cogitava de desrespeitar as autoridades. A resposta foi a ordem de prisão contra ele, seguida de um tumulto incontrolável. Atravessado por uma bala, Bráulio caiu ferido mortalmente. Seu corpo, inicialmente colocado no saguão do Palácio, foi depois transportado para a casa do seu irmão Pedro.
Nos dias que se seguiram, Maceió continuou sob forte tensão com o povo nas ruas continuava promovendo manifestações. Entre elas, o funeral de Bráulio, num cortejo de cerca de oito mil pessoas, número significativo, considerando que a população de Maceió, em 1920, seria de 74.166, segundo o IBGE.
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Publicado na Gazeta de Alagoas, edição de 3 de março de 2012.

A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

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Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


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PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia