segunda-feira, 30 de setembro de 2013

BRÁULIO X BRAYNER – A PENA E A ESPADA

Etevaldo Amorim¹

Publicado no nº 2 da Revista do Arquivo Público do Estado de Alagoas, cujo lançamento se deu na tarde do dia 27 próximo passado, no Museu Palácio Floriano Peixoto. À solenidade compareceram, entre outras autoridades, o Diretor do APA, Dr. Marcos Vasconcelos Filho e o Dr. Álvaro Antônio Melo Machado, Secretário-Chefe do Gabinete Civil.

O Diretor do APA, Marcos Vasconcelos Filho.

O Dr. Álvaro Antônio Melo Machado, Secretário-Chefe do Gabinete Civil. Foto: Agência Alagoas.





RESUMO

Dois homens, de convicções bem diferentes, são levados pelo destino a um encontro fatal na Praça dos Martírios, palco de um dos mais importantes acontecimentos da história de Alagoas. Braulio Cavalcante e o Tenente Brayner. Cem anos são passados, mas aqueles fatos adquiriram tal magnitude, que nos impõe a tarefa, quase dever, de registrá-los para conhecimento desta geração e das gerações futuras.


Os acontecimentos de março de 1912, que precipitaram a queda do Governo Euclides Malta, foram marcados por uma sucessão de episódios violentos que culminaram com aquele desfecho trágico e colocaram Alagoas no noticiário nacional especialmente pelas mortes de Bráulio Cavalcante e do Tenente Brayner. 
Até se encontrarem na fatídica tarde de 10 de março diante do Palácio Floriano Peixoto, suas vidas tinham percorrido caminhos inteiramente diversos. De um lado, o jovem tribuno, recém-formado pela Faculdade de Direito do Recife, de oratória vibrante e envolvente, ligado às artes e à literatura. De outra parte, um experimentado militar, com vasta folha de serviços no Exército, homem forjado na dura disciplina dos quartéis, de temperamento forte e intransigente. 
Quando Bráulio nasceu em Pão de Açúcar no dia 14 de março de 1887, o paraibano João das Neves Lima Brayner, filho da Dona Marianna das Neves Lima Brayner, já havia começado carreira nas fileiras do Exército. Iniciara-se como Cadete quando tinha apenas 14 anos. 
Bráulio, por seu turno, com essa mesma idade, juntava seus primeiros versos: 

“Adeus! Te disse chorando, 
Adeus! Oh! Pátria querida! 
Era o luar doce brando... 
Adeus! Te disse chorando, 
O coração miserando, 
Nas tempestades da vida... 
Adeus, Te disse chorando, 
Adeus, Oh! Pátria querida.” 

Brayner não fazia versos. Nada de mal que não os fizesse; sua jornada na caserna seguia promissora. Durante a Revolta de 1893 (a chamada Revolta da Armada), esteve ao lado de Floriano Peixoto, ocupando posto de confiança na torpedeira “Gustavo Sampaio” no ataque a uma das Unidades rebeladas, o encouraçado Aquidabã. 
Voltou a prestar serviços ao Governo Legal durante o Movimento de 14 de Novembro, no Governo Rodrigues Alves, atuando com Ajudante de Ordens do General Júlio Barbosa. Em abril de 1894, o então Cadete 1º Sargento, servindo no 27º Batalhão de Infantaria, na Paraíba, foi comissionado no posto de Alferes. 
Enquanto isso, na pequena e pacata cidade do Sertão Sanfranciscano, o novel poeta, filho do Capitão José Venustiniano Cavalcante e de D. Maria Olympia, experimentava seu primeiro soneto: 

 “HARMONIUM 

O pobre harmonium lembra os desenganos, 
A voz das catedrais e dos conventos, 
A voz de quem morrera há muitos anos, 
Ressuscitando agora nos lamentos... 

Tem longos sustenidos soberanos, 
E bemóis compassivos, agoirentos... 
Como quem guarda lúgubres arcanos 
Na morbidez dos lânguidos momentos... 

Vezes o harmonium, muito amargurado, 
Sem mais a confidência dos cantores 
Permanece no coro abandonado... 

Um dia, como a volta de ilusões, 
Num solo de alvoradas e de flores, 
Rompe aleluias e ressurreições.” 

 Em setembro de 1895, tendo solicitado trancamento de matrícula na Escola Prática do Exército, Brayner servia no 40º Batalhão, no Pará. Essa corporação militar, depois de participar da 4ª Expedição a Canudos, é transferida para o Recife. Nessa ocasião, retorna para o 27º BI. Já em 1896, como Tenente-Coronel, foi nomeado para o cargo de Chefe do Corpo de Segurança da Paraíba (comandante do Corpo de Polícia), no governo do Presidente Dr. Antônio Alfredo da Gama e Mello. 
Na sua primeira Ordem do Dia, expedida em 12 de fevereiro, dava mostras da rigidez do seu comando:

“Não devendo, sobre pretexto algum, ser abatida a disciplina, cumpre-me declarar que será mantida com severidade, a fim de que este Corpo, que ora passo a comandar, continue a conservar os foros da moralidade e subordinação”(A UNIÃO, 14 de fevereiro de 1896) 

Integrando ainda o 27º Batalhão, João Brayner embarca para a Bahia, em março de 1897, a fim de participar da Campanha de Canudos. A sua Corporação, associada ao 14º BI, congregava 515 homens que, sob o comando do General Arthur Oscar, se juntaria a outras Divisões do Exército com o propósito de liquidar os seguidores de Antônio Conselheiro. 
A guisa de despedida, faz publicar no jornal A UNIÃO , a Ordem do Dia nº 55, datada de 17 de março:

“Tendo resolvido embarcar e me apresentar ao bravo General Arthur Oscar de Andrade Guimarães, Comandante do 2º Distrito Militar, para ao lado dele e de meus distintos companheiros do 27º Batalhão de Infantaria, tomar parte na luta que se tem de ferir em desafronta nos sertões ínvios da Bahia, deixo hoje a comissão que em data de 11 de fevereiro de 1896 me foi confiada pelo ilustre Major Dr. Álvaro Lopes Machado.” 

Em janeiro de 1898, foi transferido do 27º BI para o 20º mas, em março de 1899, já estava no 38º, sediado em Vila Velha, Espírito Santo. Em maio de 1900, já se encontrava no 15º, donde foi transferido para o 39º, por estar acometido de Beribéri. Em agosto de 1902, já no 30º Batalhão, no Paraná, atuava como Adido ao 39º, sendo nomeado para destacar na Colônia Militar de Chapecó, onde foi comandante. Ainda no Paraná, foi Quartel Mestre do 1º Batalhão de Engenharia e Almoxarife da Colônia do Chopim. Em setembro de 1904, já era merecedor de Medalha de Bronze, por contar com mais de dez anos de serviço. Nessa época, ingressa como diácono na Loja Maçônica Fraternidade Paranaense. Em fevereiro de 1906, foi transferido do 7º Batalhão para o 22º, em permuta com o colega Pedro Innocêncio de Oliveira. Em outubro de 1908, por indicação de Comissão presidida pelo General Câmara, foi promovido a 1º Tenente por antiguidade. 

Sua vida pregressa no Exército, a julgar pelas notícias veiculadas na imprensa da época, revela atos de autoritarismo e truculência. O jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, em edição de 17 de janeiro de 1910, informa que Brayner, encolerizado, esbofeteou o sargento João da Costa Leite, recém-chegado do Norte e doente de Beribéri, simplesmente por ter aquele seu subalterno comparecido a uma recepção de desembarque do Senador Rui Barbosa, então candidato à Presidência da República, durante a célebre Campanha Civilista. 
O mesmo jornal, no dia seguinte, em editorial intitulado A Propaganda do Ódio, relata que, no dia 25 daquele mês, o Tenente Brayner, do 3º Batalhão, mandou espancar com trezentas chibatadas de cipó de boi o soldado Alfredo, da 1ª Companhia, com plena aquiescência do comandante Major Affonso Grey. Não satisfeito, em que pese o estado lastimável em que ficou, mandou que o recolhessem por vinte e cinco dias na solitária, a pão e água. Segundo o jornal, pelo simples fato de haver contra ele denúncia de ter lido a plataforma de Rui. 
Enquanto o tenente fazia valer a força da sua espada, o jovem estudante fazia correr sobre o papel a sua pena inspirada e prolífica. Em 25 de novembro de 1906, pelas páginas do jornal pão-de-açucrense A VOZ DO SERTÃO, Bráulio, então com 19 anos, decantava em versos a sua terra natal: 

“NO SERTÃO 

Dia cálido. O sol rútilo ateia, 
Cauterizando inexoravelmente... 
Ao pé do monte ferve uma corrente 
Sobre o lençol da branca e fina areia. 

As aves estonteadas lentamente 
Vão baixando, baixando... Triste, anseia 
A boiada sedenta à margem cheia 
Das flamâncias que o sol despede ardente... 

Em pálio arfando no alto, o céu além... 
Flamífero mormaço irado medra 
Nas arsenias ferinas, do céu vem, 
E, pelo monte combusto, solitário, 
No incêndio rola a vir, de pedra em pedra, 
Rachando, ardendo os veios de calcário!...” 

“TUFÃO 

Sangrento, lasso, moribundo, rola 
Nas escarpas do poente, o sol... 
Infinda Mágoa amortece a cândida corola, 
Que fora muito aprimorada e linda. 

Tange, um campônio, umas canções à viola. 
Canta, da noite, a pesarosa vinda... 
E o sol, não mais com seu ardor, desola 
E bruxuleia e tomba e desce e finda!... 
E, de repente, o céu se obumbra... 
Então As nuvens, atrás a ranger, descerra 
Com hercúleos braços, rígido tufão. 

E, após, em roucas contorções noturnas, 
Quer rebentar de meio a meio a terra, 
Estortegando-se ao grilhão das furnas!” 

Em 1910, já como estudante de Direito no Recife, Bráulio não deixava de cuidar das coisas da sua terra. Durante as férias, participava ativamente dos eventos culturais e de outros que faziam parte do cotidiano dos seus conterrâneos. Nessas ocasiões, exercitava seus dotes de oratória. 
Em janeiro daquele ano, por exemplo, participou da festa de inauguração da canoa de seu Irineu Maciel, de nome Iacina, saudando o Sr. Vicente Amaral, proprietário do jornal Diário de Notícias, da Bahia. Pôr na água uma embarcação, depois de meses de construção em estaleiros improvisados à beira do rio, era motivo de festa. (A Idéia, 23/01/1910) 
Com o Grupo Dramático J. M. Goulart de Andrade, esteve em Santana do Ipanema, em apresentações das peças “O prêmio da virtude” e “O Financeiro”, com muito aplauso e grande frequência. (A IDÉIA, 06/02/1910) 
Em maio do mesmo ano, esteve presente no ato de “assentamento da cumeeira” do Polyteama que receberia o nome do renomado poeta alagoano José Maria Goulart de Andrade, construído na então Rua Aurora (depois Rua Dr. Paes Barreto e atualmente Prof. Antônio de Feitas Machado). Na ocasião, usou da palavra para agradecer, em nome do Grupo, aos discursos do Capitão Manoel Rego, Luiz Fialho e Álvaro Machado. Nesse mesmo prédio, funcionaria depois o Cine Teatro Palace. (A IDÉIA, 01/05/1910) 
No mês seguinte, lá estava ele num festival, no mesmo teatro, abrilhantado pela banda União e Perseverança. Foram encenadas as peças “A vingança do plebeu” e “O pato recheado”. Entre aquele drama e esta comédia, falaram Lucilo Mesquita e Bráulio Cavalcante. (A Idéia, 19 de junho de 1910) Bráulio demonstrava verdadeira adoração por Alagoas, por Pão de Açúcar, pela família, pelos amigos. Seus versos eram carregados de romantismo e até de uma certa nostalgia. 

 “MINHA TERRA 

Aqui, a minha querida terra. 
Aqui o meu paraíso da Infância, o meu sossego da velhice. 
Os anos apagam as glórias e atiram a poeira do esquecimento sobre o fasto das obras humanas, devoram todas as ambições insensatas, exaurem todos os rios da vaidade... 
Que eles me outorguem, porém, estes lugares edênicos, onde comecei de respirar o sol e o aroma, de onde quis me iluminar para ascender o acúmen da Conquista, da imortalidade. 
Que eles me deixem esta blandíloqua paz do Isolamento, este desapego do ruído prodigioso da Civilização e do resto do mundo. 
Quero arvorar aqui a minha bandeira do Recolhimento. 
Quero, neste remanso descuidoso, ficar desiludido dos sonhos flavos da Glória, satisfeito com a minha nulidade, tranquilo com a minha consciência. São-me bem conhecidos estes lugares! 
Tudo aqui me vê, me compreende. 
Minha terra! Que não me tirem! Que não me a roubem! 
Daqui levei as primeiras pedras da minha ao templo da minha religião, 
- o Amor, o Direito, a Honestidade. 
Eis na minha casa cheia de serenidade e doçura, o mesmo conforto de outrora: — as quatro paredes da sala guardaram, prenderam com uma volúpia de uma fogosa mulher enciumada os meus desejos de glórias, minhas douradas aspirações. 
E a sala hoje é como um templo para a mais deliciosa saudade. 
Que não roubem os anos este isolamento bendito, onde fico desprezando todas as grandezas da terra! 
Não me roubem os anos desta serena paz! Pode-se daqui olhar os tempos de agitação, de febre, de inutilidade, que se passaram; daqui se pode desvendar satisfeito da sorte, os dias incertos do Futuro, pobremente, tranquilamente, descuidadamente. 
E é então como se fora esta a mais soberba conquista do hervê, — a mais bela apoteose do sábio, — o maior anseio do potentado...” 

 A CAMPANHA 

Inicialmente, o Partido Democrata inclinava-se pela candidatura de Clementino do Monte, alagoano de Penedo, advogado há muitos anos estabelecido no Rio de Janeiro, homem probo e digno, tido como ideal para arrostar a oligarquia Malta. Já iniciada a movimentação em torno do seu nome, com os famosos “telegramas de apoio” e a formação de comitês pró-candidatura, o Dr. Clementino ponderou que não seria vantajoso “deixar o conforto da sua bela casa, os fartos proventos do seu escritório, abandonar todas as suas comodidades para se meter no Palácio de Maceió e ter de aturar todas as maçadas inerentes à posição”, segundo análise de um colunista do jornal A NOITE, de 1º de dezembro de 1911. Foi ai que, para se livrar do “pepino”, sugeriu ao Presidente que indicasse o Coronel. Com efeito, em novembro de 1911, o partido oposicionista anunciava as candidaturas do Coronel Clodoaldo da Fonseca e do Dr. Fernandes Lima para Governador e Vice-Governador, respectivamente. 

Aqui a íntegra do Manifesto, publicado no jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, edição de 18 de novembro de 1911: 

"O diretório do Partido Democrata, colocando-se num ponto de vista superior, sem preocupações de ordem partidária na escolha do futuro governador do Estado, tomando conhecimento da patriótica e honrosa carta de seu preclaro delegado na Capital Federal, o eminente alagoano, Dr. Manuel Clementino do Monte, depois de haver consultado aos diretores locais, aclamou unanimemente, para aquele cargo, o nome do ilustre militar Clodoaldo da Fonseca, um brasileiro de elevada reputação, pela integridade de seu caráter e inexcedível probidade. 

Eis a carta: 

‘Rio de Janeiro, 29 de outubro- de 1911. 

Ilustre e prezado colega e amigo Dr. José Fernandes de Barros Lima, digno presidente da Comissão Executiva do Partido Democrata de Alagoas. — Maceió — 

Acompanhando com o mais vivo interesse o despertar dos alevantados sentimentos de puro civismo dos nossos co-estaduanos que se congregam, num supremo esforço, para libertarem o nosso Estado do jugo em que tem vivido, sou muito reconhecido ás generosas, porque espontâneas, manifestações que, de quase todos os pontos do Estado, têm surgido indicando o meu obscuro nome para candidato ao cargo de governador no pleito a ferir-se em março do ano próximo vindouro; Sensibiliza-me em extremo e desvanece-me tão grande e significativa prova de distinta confiança de meus dignos conterrâneos. Por isso, comungando dos mesmos ideais dos que estão seriamente empenhados na libertação de nossa terra comum, causa principal desse movimento dignificador, consultando os seus vitais interesses, e tendo em atenção os destinos da pátria alagoana e a reivindicação das liberdades publicas, proponho, com a devida vênia, — aos meus amigos e aos que, acompanhando-os têm aureolado o meu nome, lembrando-o para o governo do Estado, — a adoção de outro nome, que, certo, despeitará as maiores simpatias. É o nome de um dos distintos membros da heróica estirpe dos Fonseca, que pertence ao patrimônio nacional, a saber: o coronel Clodoaldo da Fonseca, brioso militar, digno herdeiro do nome impoluto e querido de seu pai — o saudoso coronel Pedro Paulino da Fonseca, 1º Governador de Alagoas. Zeloso depositário das honrosas tradições de seu venerando pai e de seus gloriosos antepassados, de uma austeridade de princípios que o faz justamente estimado e respeitado, dotado de uma energia e de outros atributos que despertam plena confiança em sua ação, estou certo que ele dirigirá, com real proveito para a causa pública, os destinos de nossa estremecida terra, restaurando nela o império da lei, tornando uma realidade os direitos assegurados pela Constituição, ao mesmo tempo desenvolvendo forças econômicas do Estado e fazendo-o progredir em todos os sentidos. Submetendo aos dignos membros do Diretório do Partido Democrata, de que sou aqui humilde, mas devotado delegado, por vosso intermédio, a indicação do nome honrado do ilustre Sr. Coronel Clodoaldo da Fonseca, confio no seu acolhimento que, afinal, seja proclamada a sua candidatura ao cargo de governador do Estado de Alagoas. Com a mais distinta consideração e elevado apreço, e sempre ao vosso inteiro dispor, o conterrâneo colega e amigo — M. Clementino do Monte’ Subscrevendo, sem restrições, os justos conceitos desse belo documento de civismo, o Diretório do Partido Democrata, identificando-se com o sentir geral do Povo Alagoano, proclama o ilustre descendente dos Fonseca, candidato dos oprimidos, o salvador da Pátria Alagoana, esperando que todos os patriotas sufragarão com entusiasmo o seu nome. Na mesma reunião, foi também aclamado o nome do nosso dedicado patrício Dr. José Fernandes de Barros Lima, para o cargo de vice-governador. 
— (Assinados) Dr. José da Rocha Cavalcante, Presidente; Dr. José de Barros A. Lins, Dr. Affonso de Mendonça Uchôa, Dr. Pedro Valeriano Cavalcante, Dr. João B. Accioly Júnior, Clemente Magalhães da Silveira, Cel. José Ignacio Pereira Rego, Cel. Francisco Gonçalves Vasco, Dr. José Pereira de Araujo Costa, Cel. Othon de Barros Corrêa, vigário Manuel Firmino Pinheiro, Dr. Miguel A. de Siqueira Torres, Dr. José Paulino de A. Sarmento, Dr. Manuel Moreira e Silva e Bacharel José Fernandes de Barros Lima (com restrições quanto à indicação do seu nome)." 

Iniciava-se 1912. Bráulio, que se formara ano anterior, cumprindo os exames finais com distinção em todas as cadeiras e recebendo o grau de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais no dia 9 de dezembro , engajara-se na campanha desde o início. Seu pai, o Capitão José Venustiniano Cavalcante já participava da Liga Pró-Clodoaldo da Fonseca em Pão de Açúcar, fundada em 17 de dezembro de 1911 com a participação de Manoel Francisco Pereira e Luiz Machado de Andrade. Suas atitudes e suas palavras demonstravam que fazia com paixão e com desprendimento, próprios daqueles que defendem um ideal. 

O mês de janeiro marca a primeira grande manifestação do seu devotamento àquela causa: 

“ODE A ALAGOAS 

Terra verde, feliz, aberta em flores, cheia 
Dos lagos de alumínio e verdes coqueirais! 
Terra, onde o São Francisco majestoso ondeia 
E Paulo Afonso atroa mil fanfarras reais! 
Terra que eu amo tanto, 
Levante-te, por fim, do horror da oligarquia! 
Enxuga o imenso pranto! E varre a tirania! 
Expulsa do teu seio a gente que te explora, 
Quebra por uma vez os gélidos grilhões! 
Ouve que a Marselhesa é a trompa que canglora 
Em todo o seio teu, dentro das multidões! 
Não mais o vandalismo! Surge estóica, viril, oh, terra dos Palmares. 
Acaba o servilismo Dos campos e dos mares! 
Tu viste Coelho um dia antever teus arcanos, 
E um dia separada a Pernambuco tu és! 
Treze de maio vem! Tu venceste os tiranos 
Que escravos tinham mil, ao peso das polés. 
E, em festivos alegres, Alagoas tu deste, em cívicos arrancos, 
- A Liberdade aos negros, - A Liberdade aos brancos. 
Alagoas! Mandaste ás terras paraguaias Fonsecas imortais! 
E tu mandaste, empós, Aos Conselheiros cruéis dentre as verdes tocaias, 
Uma parte de ti, uma parte de nós! 
- E como agora a algema? Faze a libertação final, oh, minha terra, 
- Uma luta suprema, - A derradeira guerra! Vida nova feliz! 
Ano da Liberdade! 912 trouxe-te do azul, 
Era de paz, de amor e de felicidade, 
- Linda estrela que tu és do Cruzeiro do Sul! 
- Ave, quadra ditosa! Ave, quadra que vens cheia de glórias mil! 
- Ave, Pátria formosa, 
A mais formosa que és da Pátria do Brasil! 

Janeiro de 1912” 

 O Coronel Clodoaldo da Fonseca, indicado pelo Partido Democrata, tinha também o apoio do PRC – Partido Republicano Conservador, que chegou a cogitar o nome do General Olympio da Fonseca para o governo do Estado. Mesmo no início de 1912, o próprio governador Euclides Malta encaminhava a seus partidários a seguinte chapa para as eleições daquele ano: “Governador: Coronel Clodoaldo da Fonseca; Vice_Governador: em branco; Senador: Raymundo de Miranda; Deputados: Natalício Camboim, Eusébio de Andrade, Demócrito Gracindo e Capitão de Corveta Aristides Mascarenhas”. Já às vésperas do pleito, Euclides recomenda o nome do Coronel Clodoaldo, indicando, porém, o nome do Tenente Victorino Fabiano para Vice-Governador. A sua briga particular era com Fernandes Lima. Exemplo disso é o telegrama passado ao Cel. Ulisses Luna, de Água Branca: “Estou de acordo com a candidatura do Coronel Clodoaldo para o cargo de Governador e do Tenente Victorino Fabiano para o de Vice, por me ter procurado o Tenente Pinto Monteiro, com quem me comprometi.” 
 Entretanto, a não ser pelo parentesco com o Presidente da República – era primo e cunhado de Hermes da Fonseca, jamais tinha posto os pés em Alagoas; “nem mesmo de passagem”, segundo nota do jornal A Noite, de 13 de outubro de 1911. 
E, por incrível que possa parecer, o candidato continuou não conhecendo o Estado que pretendia governar. O mesmo jornal, em edição de 29 de fevereiro de 1912, publica em sua seção Última Hora: 

 “A VINDA DO SR. CORONEL CLODOALDO A chegada inesperada do Sr. Coronel Clodoaldo da Fonseca, candidato a Governador de Alagoas, pôs de novo em foco a política desse Estado. Dizia-se hoje, por exemplo, que muitas e graves preocupações políticas trouxeram a esta capital o Coronel Clodoaldo, antes da época em que todos o aguardavam. Sua vinda foi tão precipitada que, desembarcando, não se dirigiu logo para a residência. À noite, vimo-lo num restaurante da Rua Gonçalves Dias. Conversava com um amigo, de acordo com quem escreveu qualquer coisa, às pressas, para ser entregue naquele mesmo momento. Esse amigo saiu, para voltar depois. Reconhecemos nele o Dr. Clementino do Monte. Hoje, soubemos que o Coronel vem considerar uma questão de honra a sua candidatura ao governo de Alagoas. Se qualquer dificuldade se opuser à sua candidatura antes da eleição, isto é, a 12 de março, Sua Excª. como já se tem dito, partirá no primeiro paquete para Maceió, enviando antes ao Governo o seu pedido de reforma.” 
Outro diário carioca, o Correio da Manhã, em edição de 11 de março, informa: 

“Uma comissão de populares dirigiu para São Paulo, ao Coronel Clodoaldo, um telegrama nos seguintes termos: 
‘Acaba de reassumir do Governo do Estado o Sr. Euclides Malta, muito prestigiado pelo Inspetor da Região Militar, General Olympio da Fonseca, que intimou toda a oficialidade a comparecer ao ato, dando-lhe guarda de honra e fazendo distribuir patrulha a fim de impedir manifestações populares. É de verdadeiro pânico a situação nesta cidade, por serem estas medidas postas e execução às vésperas da eleição. As senhoras e senhoritas que se ofereceram para distribuir as chapas, apavoradas, protestam contra semelhante coação. Por um ardil do Sr. Euclides, de combinação com o Tenente Pinto Monteiro, foi envolvido o Exército nessa aventura, seguindo para o interior telegramas em que se recomenda a candidatura, para Vice-Governador, do Tenente Victorino Fabiano. O referido Tenente Fabiano foi convidado para comandar a polícia. Prepara-se mobilização de forças para os municípios. Está paralisado o tráfego dos bondes” . 

 Já o Correio Paulistano, que circulou no dia 13 de março de 1912, em meio à transcrição de inúmeros telegramas com notícias da campanha em Alagoas, enviadas pelo correspondente Costa Motta, vê-se o seguinte: 

“REGRESSO DO CORONEL CLODOALDO DA FONSECA.

Rio, 12 — Acompanhado de sua família, regressou da Villa do Piquete, nesse Estado, o Coronel Clodoaldo da Fonseca”. 

Ora, 12 de março era precisamente o dia da eleição! Enquanto os seus partidários se debatiam contra a oligarquia reinante, utilizando-se de todas as formas e meios, alguns deles extremos, o candidato manteve inalterada a sua rotina de trabalho. Voltava da Vila do Piquete, em São Paulo, onde se localizava uma importante instalação do Exército: a Fábrica de Pólvora sem fumaça. Ele que era Comandante do 1º Regimento de Infantaria. 

No dia 18 de fevereiro de 1912, o Tenente Brayner, já como 1º Tenente de Infantaria, pouco antes das nove horas da manhã, embarcou no Rio de Janeiro, a bordo do paquete nacional “Alagoas”, com destino a Maceió. Vinha na condição de Assistente do General Olympio de Carvalho Fonseca, que assumiria interinamente o cargo de Inspetor da 6ª Região Militar. 
No armazém nº 12, do cais do porto, ao toque de três bandas militares e na presença de cerca de vinte e cinco autoridades, entre elas o Cel. Luiz Barbedo - representando o Presidente da República - e o Senador Lauro Sodré, partiu para a que seria a sua última viagem. Sua vinda para Alagoas se deu sem que tivesse solicitado. Tendo estado doente, partira para Lambary, Estado de Minas Gerais, para onde pretendia mudar-se. Passou apenas quinze dias. Foi então que, atendendo ao convite do General Olympio Fonseca, aceitou a Comissão que lhe oferecia o superior, dizendo este que a viagem talvez lhe propiciasse melhoria para a sua saúde. Com efeito, poucos dias depois de sua chegada, achando-se melhor, escreveu à família dizendo que estava ansioso para voltar porque aqui “só se fazia política”. Se não pudesse regressar logo, o faria junto com o General, que só estaria em Alagoas até as eleições. 

O CENÁRIO DOS MARTÍRIOS 

Bráulio marchava com os manifestantes pelas ruas de Maceió. Livramento, Praça Deodoro, Rua do Macena, Augusta, Comércio e, por fim, a Praça dos Martírios. Próximo à estátua de Floriano Peixoto, três soldados do 8º Pelotão intimaram-nos nos seguintes termos: — Não queremos vaias nem falação. Bráulio explicou que não se tratava de vaia, mas de um comício, pedindo a presença do Oficial de Serviço, a fim de com ele se entender. O Tenente Brayner, Secretário do Interior, recém-nomeado por Euclides Malta, que acabara de jantar no Hotel Nova-Cintra, logo ali na Rua do Sol, dirigiu-se aos manifestantes em termos ásperos, dizendo não consentir que se realizasse o comício e que, daquele dia em diante, a autoridade seria respeitada. 

Foi em versos, como tantos que Bráulio compôs, que Osman Loureiro descreveu esse confronto naquele final de tarde: 

EPOPÉIA DE SANGUE 

À memória de Bráulio Cavalcanti, assassinado barbaramente, quando defendia o Povo.

Era no dia dez. Sinos dobravam lento,
Imitando de um mocho o trágico lamento.
Sinos dobravam... No ar espiritualizado,
A voz do bronze tinha um quê de amargurado
E triste, que lembrava ao nosso coração
Velhos monges rezando um surdo cantochão...
No alto, o céu se arqueava esplendorosamente
E o sol, como um titã vencido, já de poente
Penetrava os umbrais de púrpura tingidos.
Embaixo, a multidão, em férvidos bramidos
De mar que se encapela em cóleras supremas,
Em plena praça – o altar das conquistas hodiernas,
Pugnava heroicamente em prol do seu Direito,
Da Justiça e da Lei, este Ideal perfeito.

Quem um dia há de expungir os amplos universos
Dos bandidos, dos maus, dos cínicos perversos!
E impudico, e blasfemo, e insaciável abutre
Que do sangue do Povo há anos já se nutre,
Espreitava na sobra oculto, amedrontado,
Ante o estranho furor do Povo revoltado.
Quem lhe visse de perto o duro olhar, dissera
Haver no seu olhar uma expressão de fera
Prestes a saciar os instintos bestiais...
Era o olhar da pantera entre os verdes juncais
Agachada, porque melhor a incauta presa
Nas suas garras tombe exânime, indefesa...

Mas o povo aguardava em defensiva o ataque
Do inimigo comum, sem que o furor lhe aplaque
A dantesca visão de uma hecatombe enorme.
Cônscia de seu dever sagrado, a massa informe
Preparava-se para enfrentá-lo. Iminente
Era a luta.

E notando o grande esforço ingente
Do povo, o vulto eril de Floriano sorria
Do alto do pedestal de bronca penedia!
Súbito, eis se aproxima o bando de sicários,
Nojentos vendilhões, infandos mercenários,
Que por um vil metal azinhavrado e escuro,
Trocam o que n’alma têm de mais cândido e puro.
E o Chefe, hardo e feroz, assim fala: “Senhores,
É proibido dizer-se em plena praça horrores
Contra o meu amo real. Se hoje impunemente
Chamaram-no de mau, de bandido impudente,
De ora avante ninguém se atreverá a tento.
Proíbo expressamente os “meetings”!””

Entretanto, Uma voz se elevou:“Senhor, a escravidão
Há muito que se foi. O povo, a multidão
Pode manifestar-se abertamente! O guante
Férreo da oligarquia hedionda e repugnante
É-lhe odioso demais, irrita-o fortemente...
É preciso atender ao pedido insistente
Do povo! E o que ele pede afinal? Quase nada:
Viver livre e feliz numa Pátria banhada
Pelas rutilações do sol da Liberdade!
Ao seu desejo intenso e implacável quem há de
Opor-se?”

- “Eu!” Fora vão. O povo ulula e brame...
De resto, fora um crime, um atentado infame
Aos nossos foros reais de homens civilizados.”

“Podeis, certo, esmagar com os vossos soldados,
O povo inerme; mas o sangue rubro, quente
Dos mártires é como feraz semente.
Cedo fecundará; e a nossa Liberdade,
Como uma árvore santa, em viva alacridade,
Descerá sobre nós a sombra amiga e doce.”

O semblante feroz do banido turbou-se,
E, convulso rugiu: “Já disse, ninguém fala,
Senão eu mandarei varrer tudo isto... à bala!”

“- E porque, não direis?”
“- Porque não quero!”
“- Regressaremos, então, ao século de Nero.
A tirania... o arbítrio... a força... o despotismo...
Estamos nos século vinte em pleno barbarismo!
Mas, Senhor, vede bem, a Constituição
Federal nos garante a manifestação...”

“A Constituição sou Eu!”

E isto dizendo
Saca da arma assassina, e um estalido horrendo
Corta o ar. Ouve-se um grito, um baque surdo, e após
Tudo queda em redor num desconsolo atroz.
Célere, a multidão fugira. A cinza fria
Do ocaso é sangue vivo. A praça, erma e vazia,
É como um cemitério enorme. A um canto, exangue,
Um corpo humano faz numa poça de sangue...
É ele! É o brande herói, cujo verbo inflamado
Falava ao coração do Povo escravizado
De uma aurora imortal de Paz e Liberdade!

Sim é ele e tão só!

Como a voz da saudade
Carpindo a sua morte, os sinos dobram lento,
Imitando de um mocho o trágico lamento.
E, à luz do poente em sangue, a estátua de Floriano
Parece soluçar num grande desengano!

Maceió, terça-feira, 9 de abril de 1912. 

Atravessado por uma bala caiu Bráulio, ferido mortalmente. Seu corpo, inicialmente colocado no saguão do Palácio, foi depois transportado para a casa do seu irmão Pedro. Nessas tentativas de ruptura com as estruturas de poder, invariavelmente há um mártir. Foi assim em 1968, com a morte do estudante Edson Luiz, no restaurante Calabouço, Rio de Janeiro, em meio às manifestações contra a Ditadura Militar. Assim também se deu em 1945, no Recife, durante as lutas pelo fim da Ditadura Vargas, em que foi morto o estudante Demócrito Souza Filho, cujo pai foi colega de Bráulio na Turma de 1911 . 
Brayner faleceu no dia 12 de março de 1912, às 11 horas da noite e sepultado às 16:00 horas do dia 13. Teria sido o seu assassino o Sub-Inspetor da Guarda Civil, José Moreira. Assistiram aos seus últimos momentos apenas duas praças do Exército. 
O Partido Democrata publicou manifesto convidando o povo a comparecer ao enterro e responsabilizando Euclides Malta pela morte do Tenente. Foi encontrada no bolso dele uma lista com 16 nomes de adversários, entre eles alguns dos próceres do Partido. Com 42 anos de idade, o tenente morreu deixando a mulher, Anna Ferreira Camboim, com nove filhos: Antônio, com 18 anos; Corintha, com 16; Floriano, de 15; Ary, com 13; Jurandyr, com 10; Corina, com 8; Ruy, com 4; Carolina, com 3; e Coralina, com 2. Notícia do jornal A NOITE informa que a família, residindo numa dependência da Fortaleza da Conceição, ficava “na maior pobreza”. Ou, por outra, ficaria não fosse a pensão que tiveram por merecer e que receberam por muitos anos. 
Um de seus filhos seguiu também a carreira militar. O terceiro deles, o Marechal Floriano de Lima Brayner, fez brilhante carreira no Exército e chegou a ser Chefe do Estado Maior da FEB – Força Expedicionária Brasileira na 2ª Guerra Mundial, sob o comando do Marechal Mascarenhas de Morais. Em 12 de agosto de 1949, representando o Brasil, assinou a Convenção de Genebra (a 4ª), que ratificava Convenções anteriores para melhorar a situação dos feridos e dos doentes nos exércitos em campanha. Foi ainda Adido Militar na Embaixada do Brasil em Paris, em 1951; Chefe do Gabinete Militar no Governo Nereu Ramos (de 11 de novembro de 1955 a 31 de janeiro de 1956) e Comandante da 1ª Região Militar, no Rio de Janeiro, de 1956 a 1958.

FUNERAL 

No dia 11, uma multidão de cerca de 8.000 pessoas acompanharam Bráulio a sua última morada. Duas de suas amigas expressariam, também em versos, a consternação que de todos tomou conta: 

“ À beira de um tumulo 

À memoria do denodado patriota Dr. Bráulio Cavalcante 

Há pouco tempo ainda, tua voz cantante 
Inesquecível mártir ! modular se ouvia, 
Pregando a Liberdade ao povo delirante,
Que,em êxtase, sublime e altivo ti aplaudia.

Poeta sonhador,de talento brilhante,
Agora apenas tu'alma e existência sorria:
E a inflamar corações, o teu verbo empolgante
Já pelo ideal sagrado e nobre combatia.

Mas ai ! no ardor da luta procelosa e ingente,
Feriu-te criminosa arma, cobardemente,
E foste,envolto em glorias,repousar nos céus.

Partiste; mas na terra em tua trajetória 
Deixaste um nome digno a abrilhantar a historia, 
E cobrir o teu tumulo c'roas de troféus. 
( Laurinda Mascarenhas )

SOL - POSTO 

No túmulo do poeta Bráulio Cavalcante 

"Não morrem os que caem na luta pelo Bem: Desaparecem como um sol que nuvem negra ocultou." 

Pesado crepe envolve as Alagoas.
Do templo da Poesia o louro véu,
caiu por sobre o alvo mausoléu
que tu,alma da Pátria, hoje abençoas. 

Foste, Poeta, um astro em céu de Agosto
que a fúria dum perverso anoiteceu.
Ave que de súbito emudeceu
ao modular os cantos, ao sol-posto.

Morreste? Não: - Envenenadas setas 
expeliram-te a alma deslumbrada. 
Partiste para o Azul que é a morada 
das estrelas, das aves e dos poetas. 

E foste para a luz da Eternidade
nas flores do triunfo amortalhado.
Deixaste à pátria um nome aureolado,
No coração do povo - uma saudade. 

(Rosália Sandoval) 

No dia 15 de março, dando conta da votação apurada até então, o Vice-Governador eleito, Fernandes Lima, transmitiu telegrama ao Coronel Clodoaldo da Fonseca nos seguintes termos:

“Euclydes embarcará a 17. O partido emprega todos os meios possíveis para que seja garantida a sua vida de qualquer desacato. Não queremos manchar nossa vitória. – Fernandes Lima” 

Fernandes Lima, que hoje dá nome a uma das principais avenidas da capital alagoana, preocupava-se em “não manchar” a vitória. Bráulio perdera a vida. Entregara-se por inteiro àquela causa, sem medir consequências e, de peito aberto, arrostara os maiores perigos. Um sobrinho-neto dele, o meu prezado amigo Homero Cavalcante, ator de reconhecido talento, forneceu-me material bibliográfico e fotografias, além de externar o sentimento que dominou a sua família desde aquele trágico acontecimento. Melhor do que eu faria, ele registrou suas impressões numa pequena crônica, que muito bem releva a sua origem:

“O RETRATO DE MEU TIO

Naqueles tempos, em Maceió, as frondosas canafístulas existiam ladeando toda a extensão da Rua Nova ou Barão de Penedo.Em setembro, grávidas de róseas flores, me acenavam suas primaveras e a de minha vida. Naqueles tempos, a casa de número 234, de meu avô materno, parecia ter dois jardins... o do quintal e o da rua. Em minha memória, quase proustiana, guardo nítidas recordações desse tempo em casa de meu avô Aurélio.
As imensas estantes atulhadas de livros por quase todo o corredor, o piano de minha mãe, o sobrado, o quarto do meio, o relógio oito, o retrato do irmão mais novo de meu avô... Figura que sempre me pareceu simpática com sua gravatinha quebrando uma seriedade de enfatiotado e denunciando um certo ar de riso junto ao bigodinho, o cabelo penteado "à liberdade"... Instantâneo executado a crayon, por Linden, num pedaço de instante de sua brilhante vida acadêmica na Faculdade de Direito do Recife.
É interessante perceber, mesmo depois de cem anos do assassinato de meu tio, que de seu retrato ele continua a insistir na crença da alegria contida na liberdade; conforme a frase em sua "Ode a Alagoas":

"Vida nova feliz! Anno da liberdade!
912 trouxe-te do azul,
Era de paz, de amor e de felicidade,
Linda estrella que tu és do Cruzeiro do Sul!"

Esse portrait ocupava lugar de destaque, uma colocação honrosa como algumas famílias costumavam reservar ao quadro do Sagrado Coração de Jesus. Era um canto da casa assinalado romanticamente para o culto à memória do filho, do irmão, do tio, do poeta e mártir de um tempo já longínquo. Era um canto da casa marcado por uma saudade que recendia semelhante a jasmineiro em flor.
O carisma que entusiasmava a todos, ainda como acadêmico no Recife, contribuiu fortemente para o convite e posterior admissão como orador oficial da campanha em prol das candidaturas do Cel. Clodoaldo da Fonseca e do Dr. José Fernandes Lima.

A dedicação absoluta de tio Bráulio pela derrubada da oligarquia dos Malta teve como força motriz os exemplos de devotamento a pátria e a idealização de um mundo melhor, através das figuras de seu avô materno Pedro Soares de Mello Alvino Sezão - voluntário da Guerra do Paraguai onde exerceu o honroso cargo de Auditor de Guerra no posto de Major e de seu pai José Venustiniano Cavalcante - major, advogado e jornalista - com suas preciosas atividades junto ao monárquico Partido Liberal. Era o tempo da "Política das Salvações" instituída pelo então presidente Hermes da Fonseca em plena República Velha, dividida entre os partidos República Oligárquica e República da Espada. Era o tempo das substituições no país, pelas forças políticas engajadas no poder central.
Em terras das Alagoas, esse capítulo de nossa história foi escrito de forma aguerrida e sangrenta. Um episódio que ainda carece de maiores estudos e esclarecimentos, por parte de nossos historiadores, com vistas a um melhor entendimento de nossa alagoanidade.

Naqueles tempos, o vento nordeste brincava com as flores das árvores da Rua Nova, levando-as em rodopios até caírem sobre o bronze da estátua de meu tio. Lembrando, até hoje, que o homem continua vivo em sua grandeza de poeta sonhador. Lembrando que a luz continua a brilhar nas trevas!” 

 REFERÊNCIAS.

A IDÉIA. Pão de Açúcar, 23 Jan., 01 Maio, 19 Jun. 1910. 
A REPÚBLICA, Curitiba, 19 Jun, 1902. Disponível em: www.memoria.bn.br. Acesso em: 12 Jun, 1912. 
A UNIÃO, Paraíba, 14 de fevereiro de 1896. Disponível em: . Acesso em: 21 Jun, 2012. 
CORREIO DA MANHÃ, Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 25 Jun, 2012. 
CORREIO PAULISTANO, São Paulo, 13 Mar, 1912. Disponível em: . Acesso em: 25 Jun, 2012. DIÁRIO OFICIAL, Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 9 Mar, 2012. 
MARTINS, Henriques (Org.). Lista Geral dos bacharéis e doutores que têm obtido o respectivo grau na Faculdade de Direito do Recife: desde sua fundação em Olinda, no ano de 1828, até o ano de 1931. 2. ed. Recife: Typ. Diário da Manhã, 1931. 
O PAIZ, Rio de Janeiro, 9 Fev, 1912 Disponível em: www.memoria.bn.br. Acesso em: 8 Mar, 2012. RAFAEL, Ulisses Neves. Xangô Rezado Baixo: Um Estudo da Perseguição aos Terreiros de Alagoas em 1912. Rio de Janeiro, Jun 2004. 
VOZ DO SERTÃO. Pão de Açúcar, 9 Dez.1906.


Bráulio Cavalcante, quando de sua formatura na Faculdade de Dieito do Recife. 1911. Acervo Homero Cavalcante.

José Venustiniano Cavalcante, pai de Bráulio. Acervo Homero Cavalcante.

Maria Olympia, mãe de Bráulio. Acervo Homero Cavalcante.

Dr. Clementino do Monte. Foto: revista O Malho, RJ, 19/02/1927.

Tenente João das Neves Lima Brayner. Foto: revista Careta, RJ, 16/03/1912, p. 21.

General Floriano Lima Brayner, filho do Ten. Brayner.

Funeral do Bráulio em Maceió. Mais de 8 mil pessoas.

Flagrante do cortejo. Fonte: O Malho. 6 de abril de 1912, p. 48.

Euclydes Malta (ao centro, de chapeu branco) ente correligionários. Revista Fon Fon, RJ, 24/02/1912, p. 46.

O Cel. Clodoaldo da Fonseca, ao centro, com a família. Fonte: Revista Careta, RJ, 23/01/1915, p. 8.

Hotel Nova Cintra, na Rua do Sol, à época chamada 15 de novembro. Fonte: Fon Fon, RJ, 10 de outubro de 1914, p. 55.

Refeitório do Hotel Nova Cintra, onde o Ten. Brayner estivera pouco antes da tragédia.  Fonte: Fon Fon, RJ, 10 de outubro de 1914, p. 55.

Hotel Nova Cintra, em foto mais recente. Fonte: www.bairrosdemaceio.net.


Inauguração do busto de Bráulio na Praça que recebeu o seu nome, embora seja conhecida por Praça do Montepio dos Artistas, no dia 16 de setembro de 1917, em comemoração do Centenário da Emancipação de Alagoas. Acervo Homero Cavalcante.

Inauguração do busto de Bráulio Cavalcante, obra do escultor carioca Eduardo de Sá (1866-1940) Ao fundo, a igreja do Livramento. Acerco: Homero Cavalcante.


A Praça e o busto de Bráulio em Maceió.

Busto de Bráulio Cavalcante na Avenida que leva o seu nome, em Pão de Açúcar, sua terra natal. 1947.



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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia