sábado, 2 de outubro de 2021

VISÃO DE PENEDO

 

Por Lêdo Ivo[i]


Penedo, à margem do rio São Francisco, que lhe oferece, com o carinho de uma namorada, águas que podem ser azuis como os céus de Minas Gerais e vermelhas como o barro das enxurradas, é uma aventura geográfica em Alagoas. É a estrada para as cidades belas e simples de Sergipe – Neópolis, de manhãs frias e campos verdes; Propriá, com seu porto onde a noite anuncia a chegada das barcaças – e o caminho para o alto São Francisco, o velho Opará, que levava os aventureiros a cidades cobertas de ouro.

Penedo-AL, Igreja da Corrente, 1943.


Em Penedo há velhas igrejas onde o ouro está presente como sinal de uma grandeza perdida, bangalôs em cujos jardins e boninas anunciam a chegada impressentida da primavera, casas antigas onde passeiam fantasmas, procurando botijas enterradas nos corredores malassombrados.

Agora, meu amor, que nos encontramos entre os arranha-céus banhados pelo reflexo do gás-néon, e nas avenidas tumultuosas os homens olham com temor este céu do Rio de Janeiro que se cobre de nuvens pesadas, presença do temporal que desabará dentro em breve, trago para os teus olhos claros estes cartões postais onde há trechos da cidade querida, que só poderei atingir pelo caminho indeciso da memória. Eu te ofereço estes postais, para que possas imaginar como é a cidade morta.

 

OS CÉUS SÃO CLAROS COMO OS DE BLEO HORIZONTE

Quando estive em Belo Horizonte, havia um girassol perto da estação. Em Penedo, há boninas e fícus-benjamins, porém, os céus são claros como os da cidade que oferece girassóis aos viajantes. Dir-se-ia que o São Francisco, eternamente grato à cidade querida, trouxe de Minas Gerais um céu diferente, mais belo do que o de Maceió.

Esse firmamento que inspirou os poetas parnasianos de minha terra, cobre a rua dos Pescadores, que no inverno fica totalmente inundada, e cobre os arrozais que se estendem nos baixios úmidos. É o grande céu aberto que, à noite, se inunda de estrelas, e se alarga por todos os lados, ficando mais perto da terra quando as igrejas – da Corrente, da Penha, de São Gonçalo Garcia, Senhor dos Pobres, Santa Cruz, São Sebastião, Santa Luzia, do Convento de São Francisco – estão mudas e graves como as de Minas Gerais. Isso porque, minha amiga, Penedo é uma lembrança de Minas Gerais. Há minas inexploradas na Ilha da Pedra e no Convento de São Francisco, onde também se encontram um subterrâneo e dois invisíveis carneiros de ouro, há inumeráveis tesouros enterrados pelos holandeses. Um frade guarda ambiciosamente os tesouros ocultos da Bica da Torneira. Em todas as casas de Penedo se abrigam botijas seculares.

 

Penedo-AL, Av. Nilo Peçanha, 1943

RIO, ARROZAIS E FANTASMAS

O rio São Francisco, que está próximo do mar, é obstinadamente vário em suas cores, azuis, verdes e amarelas. Lembras-te da novela de Thomas Hardy que eu li para que te deslumbrasses com o homem que buscava desesperadamente a bem-amada perdida entre os penhascos hostis de Wessex? Penedo é assim. Tudo recorda a presença de mistérios, de coisas sobrenaturais, de amores maiores do que o tempo. Os campos, de um verde metálico, estendido entre os arrozais cintilantes de prata, deixam ver caminhos ásperos por onde, no século passado, rolaram carruagens e cabriolés.

No rio barrento se destacam ilhas verdes, e canoas, e navios de roda como no Mississipi, barcaças de velas cor-de-rosa. O rio é amigo e inimigo da cidade; amigo porque lhe dá os melhores peixes: xiras, piranhas, surubins; e inimigo porque, no inverno, cobre as pedras do penedo com as inundações. Entretanto, são as águas que conduzem as canoas.

 

Penedo-AL, Rua João Pessoa, 1943.

AS MOÇAS PASSEIAM NAS TARDES FRIAS

Na Praça Floriano Peixoto as moças passeiam, e não se lembram de que a cidade foi fundada em 1560 por Duarte Coelho Pereira, donatário da Capitania de Pernambuco. Todas são belas, os vestidos azuis como o céu que as cobre. No Bar Central, os homens leem os jornais que o ônibus trouxe de Maceió, e falam da guerra, apesar da distância que há entre Stalingrado e os arrozais.

Passam pela Rua dos Pescadores, conduzindo silenciosamente as redes onde se agitam camarões e robalos.

As moças de Penedo, mais alegres do que as dos subúrbios calmos do Recife e de Salvador, menos silenciosas do que as de Belo Horizonte e Aracaju, esperam os namorados nas ruas, na ponte do desembarque, diante dos navios, junto das velhas igrejas que dão uma atmosfera sobrenatural às praças de bancos acolhedores.

Eis o retrato da cidade que não é linda como Juiz de Fora, mas é grave, digna e feita uma beleza onde se misturam silêncio e recolhimento.

As igrejas de Penedo parecem construídas para as tuas preces, e nas casas mais do que provincianas as moças em flor tocam valsas que Maceió despreza. Tocam valsas fora da moda.

Os jovens ágeis que jogam tênis e dançam blues no club granfino da cidade e os jornais de manchetes explosivas como granadas são os únicos indícios do tempo presente, pois as igrejas, as casas malassombradas e os vestígios dos homens lembram tempos antigos.

 

Penedo-AL, foto Marc Ferrez, 1875.



CONVITE E OFERENDA

Sob estes céus altos do Rio, nos edifícios onde há elevadores e telefones, entre os girassóis amigos de Belo Horizonte, em Baía do Salvador, passeando de braços pela Rua Chile, no Recife, no porto pleno de grandes navios, perto das salinas românticas de Aracaju, enfim, em qualquer lugar onde estejamos, deves me lembrar o nome de Penedo.

Seria como se olhasse novamente estes postais que ora me devolves.

***   ***

Transcrito da revista Carioca, RJ, 3 de julho de 1943. Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/830259/24203 e http://memoria.bn.br/DocReader/830259/24263

 

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Caro leitor,

Este Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, contém postagens com informações históricas resultantes de pesquisas, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso algumas delas seja do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.

 



[i]


LEDO IVO, poeta, romancista, contista, cronista, ensaísta e jornalista, nasceu em Maceió-AL, a 18 de fevereiro de 1924 e faleceu em Sevilha-Espanha, a 23 de dezembro de 2012. Ao escrever VISÃO DE PENEDO, tinha apenas 19 anos. Na foto ao lado, com 14 anos.

Um comentário:

  1. Maravilhosa narrativa de Ledo Ivo. Aos 16 anos já mostrava o grande poeta, cronista... O qual se tornou para orgulho da nossa Alagoas.

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia