sexta-feira, 19 de abril de 2024

O MORRO DO MORIM E AS TERRAS DO CAJUEIRO

Por Etevaldo Amorim

 

A capela do Morro do Morim, Limoeiro, Pão de Açúcar-AL

Quem demanda o extremo Leste do município de Pão de Açúcar, cujo limite com Belo Monte é definido pela barra do riacho Jacaré, ali conhecido por “Salgado”, passa obrigatoriamente pela Vila Limoeiro. A jusante desta antiga povoação, na exata extensão da Lagoa da Igreja, situa-se um acidente geográfico dos mais importantes e significativos: o MORRO DO MORIM.

Esse morro, encimado por singela capelinha dedicada a Nossa Senhora do Rosário, encerra características muito particulares. Nos idos tempos das grandes enchentes, quando o São Francisco corria largo e pujante, as suas águas ali produziam intensa correnteza. Por essa razão, era temida pelos canoeiros, que a evitavam, abrindo para a margem sergipana, a menos que tivesse que aportar no Limoeiro.

Mais acima da margem pedregosa, já próximo da capelinha, uma imensa massa arenosa se criou. Fina e limpa, a imensa jazida foi-se formando pelo acúmulo de areia trazida pelo vento da extensa coroa que ficava logo abaixo da ponta do morro. Sua forma se assemelhava ao “Morro do Careca”, famoso ponto turístico da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte.

Vista para Oeste a partir do morro do Morim, vendo-se, à direita,
parte da areia de que falamos.



Do alto, avista-se magnífico panorama. Desde o sopé do morro até a confluência do riacho, tendo ao fundo Belo Monte, uma imensa planície separada pela rodovia AL-225, que liga Pão de Açúcar àquela cidade: à esquerda, a várzea do Salgado, o povoado Restinga; à direita, da estrada até a margem do rio, as terras do Cajueiro.

Dividida em pequenos sítios, o Cajueiro tinha como proprietários diversos moradores de Limoeiro: Seu Alfredo Damasceno, Dona Maria Rocha (conhecida por Maria do Ouro), seu Antônio Maximino Brito, Dona Maria Clara (Mariazinha)/João Mendes Sobrinho.. e seus sucessores...

O que poucos sabem é que essas terras nem sempre estiveram na posse de gente da margem. Encontramos no jornal O Trabalho, de Pão de Açúcar-AL, na edição de 30 de agosto de 1884, uma interessante manifestação de uma pessoa que se assina como “UM INTERESSADO”. Nessa matéria, intitulada “NÃO HÁ DEMANDA BOA”, que preferimos transcrever para preservar o registro histórico, o autor contesta a pretensão do Sr. José Pedro de Mello, residente em Pão de Açúcar, de ter direito de posse por aquisição a proprietários do distante município de São Miguel dos Campos.

Vejamos:

 

NÃO HÁ DEMANDA BOA

 

Agita-se, no foro do Traipu, uma questão cujo autor, José Pedro de Mello, residente em Pão de Açúcar, disputa o direito de propriedade de um terreno a que chama – ILHA DO SALGADO.

Ligeiras considerações passo a fazer ao Sr. José Pedro, a fim de voltar ao silêncio e reconhecer o seu engano.

Dois são os pontos em que fundamento o meu juízo de não ter ele direito algum na suposta Ilha:

Primeiro Ponto: nulidade da compra, porque primeiramente aceitou escritura de venda passada e firmada pelo Tenente-Coronel Rocha[i], que vendeu em nome de sua mãe D. Antônia de Jequiá[ii], sem ter procuração nem legalmente achar-se autorizado.

Tendo falecido o Tenente-Coronel Rocha e sua mãe, viu-se o Sr. José Pedro sem poder se chamar dono da pretendida Ilha.

Corre, e de novo obtém do Coronel Arestides Arnaldo Bezerra Cansanção[iii] outra escritura de venda sobre o mesmo terreno, despreza a outra e agora se arroga de bom direito.

E por quê?

O Coronel Arestides é filho único de D. Antônia?

Não.

D. Antônia, quando morreu, deixou outros filhos e netos seus herdeiros legítimos. Portanto, procedeu-se a inventário e partilha nos bens por ela deixados.

Porém, pergunto eu ao Sr. José Pedro: a sua questionada Ilha foi dada a pagamento da legítima do Coronel Arestides? Se não sabe, eu lhe digo que não; porque não foi inventariada e nem partilhada; e neste caso está em comum e, por tal fato, nula a venda.

Segundo Ponto: Os terrenos da pretendida Ilha não podem, por conta do nosso direito pátrio, se chamar Ilha; porque a nossa legislação e direito declara positivamente que os aluviões de terra formados no meio dos rios, e ainda mesmo formando Ilhas uma só vez na vida, dando lugar a passar a vau[iv] do terreno firme para eles, ficarão pertencendo aos terrenos a que se ligarem. Portanto, perde o direito de Ilha. E creio que tal terreno se pode ou se deve chamar acessão do terreno ribeirinho.

Ora, os terrenos em questão, que nascem no terreno firme denominado – MORIM – ou Cajueiro, e formando uma península, deixa todos os anos que bichos e gente passem, em quase toda sua extensão, a pé enxuto, dos terrenos firmes que estão em frente para a almejada Ilha, como poderão se chamar Ilha?

E nem deve ser porque a Lei manda que tais terrenos sejam dos proprietários dos terrenos ribeirinhos.

Desculpe-me, senhor José Pedro.

Pão de Açúcar, 27 de agosto de 1884.

(a)    Um interessado.”

 

Tomada de Belo Monte, vendo-se à direita a barra do rio Jacaré
e as terras do Cajueiro, margeando o canal até o Morim, ao fundo.

***  ***

 NOTA:

 

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.



[i] Francisco da Rocha Cavalcante Filho. Nasceu em São Miguel dos Campos-AL no dia 19 de março de 1812. Filho do Cap. Francisco Rocha Cavalcanti e Dona Antônia Arnalda da Silveira Bezerra (Antônia de Jequiá). Faleceu em 9 de fevereiro de 1891.(?) Acho que não. Teria ele sido Vice-Governador no governo de João Baptista Accioly Junior – 12/06/1915 a 12/06/1918?

[ii] Antônia de Jequiá. Também conhecida por Antônia Arnalda Bezerra Massaranduba ou Antônia Arnalda Silveira Bezerra. Nasceu em São Miguel dos Campos-AL em 1793. Filha do Capitão Amaro Álvares Bezerra de Castro e de Anna Maria José Lins.

[iii] Arestides Arnaldo Bezerra Cansanção. Nasceu em 27 de fevereiro 1827, em São Miguel dos Campos-AL. Filho do Cap. Francisco Rocha Cavalcanti e Dona Antônia Arnalda da Silveira Bezerra (Antônia de Jequiá). Faleceu em 30 de abril de 1887.

[iv] Local raso de um rio, mar, lagoa, por onde se pode passar a pé ou a cavalo. 

5 comentários:

  1. Mais um belo e interessante resgate, com enriquecimento de detalhes pitorescos, sobre fatos históricos envolvendo as povoações ribeirinhas do Velho Chico. Desta feita, pontuando aquela bela e secular região de Limoeiro, próximo à querida Belo Monte. Avante, confrade!

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  2. Demóstenes de A. Cavalcanti Jr20 de abril de 2024 às 11:03

    Parabéns pelo blog! 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

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  3. Morro de morim, muito lindo e perto da vila que tanto amor, já vui pra esse morro belíssimo andando a pé muito gostoso ❤️❤️❤️

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  4. Excelente registro e contanda detalhadamente sobre o querido Morro do Murim. Parabéns amigo 👏👏👏

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia