segunda-feira, 13 de maio de 2024

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A NOTÍCIA DA ABOLIÇÃO


Etevaldo Amorim *

Os jornais são sempre uma boa fonte de pesquisa para quem se interessa em desvendar os segredos do passado. Simples episódios noticiados rotineiramente podem se transformar em peça chave para dirimir qualquer dúvida do pesquisador. Do mesmo modo, a narrativa pormenorizada de um fato oferece ao leitor a possibilidade de compreender melhor a história e tirar dela os melhores ensinamentos.

Assim se dá com o jornal O Trabalho, fundado em Pão de Açúcar no dia 4 de junho de 1882, por Achilles Mello e Mileto Rego. Folheando suas páginas, pode-se saber, com riqueza de detalhes, o modo como os pão-de-açucarenses ficaram sabendo da assinatura da Lei Áurea pela Princesa Izabel.

Os repórteres do jornal misturavam-se à multidão que aguardava a chegada do navio naquela manhã do dia 22 de maio de 1888. Quase 10:00 horas, todos os olhares se voltam para o morro do Faria, onde o rio altera levemente o curso para a esquerda. Eis que surge o vapor Maceió, da Companhia Pernambucana, atraindo a atenção de todos, desejos de confirmar a notícia que circulava oficiosamente, inclusive por cartas procedentes de Penedo, de que a Princesa Regente havia assinado a tão esperada Lei desde o dia 13 daquele mês.

O tempo que levou o vapor para cumprir o percurso até o porto, pouco mais de quatro quilômetros, parecia uma eternidade, tal era a ansiedade dos que ali esperavam a comunicação oficial do fato político que se tornaria um dos mais importantes de todo o Século XIX no Brasil. Entre passageiros e cargas, desembarca também a mala do Correio.

Em frente à Travessa da Matriz, no local que corresponde hoje ao Iate Clube Pão de Açúcar, explodem no ar diversas girândolas, mandadas soltar pelo Juiz Municipal Dr. Luiz Gonzaga de Almeida Araújo. Pouco mais abaixo, na saída da então denominada Travessa Gutemberg (atualmente João Antônio dos Santos, mas que já se chamou João Pessoa e José da Silva Maia), mais foguetes patrocinados pelos pretos saudavam a chegada do vapor.

O foguetório, ainda que intermitente, durou até a noite. Às dezenove horas, na Casa da Câmara, que funcionava no mesmo sobrado em que se hospedou D. Pedro II em 1859, reuniram-se as autoridades judiciárias, o Presidente da Câmara e um grande número de pessoas, inclusive muitos negros, acompanhados de uma animada banda marcial.

O Presidente da Câmara, Sr. Manoel Themóteo de Amorim pediu silêncio e leu o telegrama que recebeu do Presidente da Província, Manuel Gomes Ribeiro (Barão de Traipu), que, como 1º Vice-Presidente, sucedera Antônio Caio da Silva Prado, que deixou Alagoas para presidir a Província do Ceará. A mensagem, que reproduzia Circular enviada a todas as Províncias pelo Ministro da Agricultura - Deputado Rodrigo Augusto da Silva,confirmava que fora sancionada a Lei que concedia liberdade plena a todos os escravos brasileiros. Ao terminar a leitura, irromperam em aplausos e vivas aos Deputados, à Princesa Regente e ao Ministério de 10 de Março. Esse Gabinete, o penúltimo do Império, que chefiava o Governo no Sistema Parlamentarista de então, era composto pelo Ministro da Fazenda, Senador João Alfredo Correia de Oliveira, que o presidia; pelo Deputado José Fernandes da Costa Pereira, Ministro do Império; pelo Deputado Antônio Ferreira Vianna, Ministro da Justiça; Deputado Rodrigo Augusto da Silva, Ministro da Agricultura; Senador Luiz Antônio Vieira da Silva; Senador Thomaz José Coelho de Almeida, Ministro da Guerra e Senador Antônio da Silva Prado, Ministro dos Estrangeiros.

Em meio a esta cerimônia, uma cena comovente: Havia na Câmara um quadro com os retratos do Deputado Joaquim Nabuco e do Dr. José Mariano. Um dos pretos quis saber quem eram e, quando lhe disseram que eram os dois famosos abolicionistas pernambucanos, ajoelhou-se diante do quadro e, na sua linguagem rude, agradeceu-lhes o benefício que fizeram a ele e a todos os que há pouco viviam sob o jugo da escravidão.

Dali saíram todos em passeata a percorrer as ruas da cidade. Muitas casas reforçavam a iluminação demonstrando regozijo e apoio à manifestação, enquanto outras permaneciam em penumbra, evidenciando franca oposição.

Em frente ao sobrado onde morava o Dr. Jovino da Luz, uma pequena parada para ouvir dele uma bela poesia. Este foi um dos mais importantes intelectuais de Pão de Açúcar. Na época com trinta e três anos, além de poeta, já era doutor em Filosofia pela Universidade Gregoriana de Roma. Logo depois o cortejo pára em frente à casa do Dr. Francisco José da Silva Porto, digno Juiz de Direito da Comarca, ele que fora nomeado em 18 de junho de 1883 pelo Presidente da Província Dr. Euthíquio Carlos de Carvalho Gama. Ouviram dele um eloqüente discurso que terminou dando vivas à Princesa Regente, aos Conselheiros Dantas e João Alfredo e a Joaquim Nabuco.

Entrando pela Travessa da Matriz (hoje Rua Padre José Soares Pinto), outra parada para ouvir a fala do Juiz Municipal, que fez uma retrospectiva da luta abolicionista iniciada em 1830 com a proibição do tráfico negreiro. Depois de percorrer outras artérias da jovem cidade (Pão de Açúcar fora guinada a essa condição em 1877), a passeata seguiu pela Rua do Comércio (hoje Av. Bráulio Cavalcante) para ouvir mais um discurso, desta vez do Capitão João Alves Feitosa Franco.

Por fim, em frente à redação do jornal O Trabalho, na Travessa Gutemberg nº 12-A, ouviu-se novo discurso do Juiz Municipal Dr. Gonzaga Araújo, que ressaltou o papel da imprensa na luta contra a escravidão. Foram então lembrados os nomes de Joaquim Nabuco, Quintino Bocaiúva, José do Patrocínio e outros. Falou ainda o Professor Soares de Mello, assegurando que a verdadeira liberdade da Nação brasileira se conquistava naquela data, pois que se tornavam todos os homens iguais perante a Lei.

Dali foram todos para a Rua da Praia (Av. Ferreira de Novaes) onde se concentravam os festejos dos pretos. Deram vivas ao Imperador, à Princesa Regente, ao Gabinete de 10 de Março e aos abolicionistas de um modo geral. Os negros, como que para retribuir o apoio das autoridades e de todos os partidários da sua causa, ofereceram-lhes um bem preparado chá, de que todos compartilharam com incontida satisfação.

Já passava das dez horas da noite quando terminou essa pequena cerimônia. Então os libertos, e somente eles, começaram a tradicional dança do Côco, que demorou até as cinco da manhã.

O jornal também noticia, por seu correspondente, o reflexo da boa nova em Traipu. Naquela vila, que logo se tornaria cidade, havia apenas quarenta e um escravos. Mesmo assim, sabedores de que estava sendo discutido o Projeto que culminaria na Lei Áurea, retiraram-nos para fora da vila, tencionando mantê-los por mais tempo sob seu domínio.

Recebida a notícia oficial da promulgação da Lei de 13 de Maio, o Juiz Municipal Dr. Miguel de Novaes Mello, que viria a ser, em 1892, o primeiro Prefeito de Pão de Açúcar, tratou de divulgá-la a todos os habitantes de sua jurisdição.

A exemplo do que ocorreu em Pão de Açúcar, os abolicionistas locais organizaram uma passeata, com banda de música e cerca de seiscentas pessoas. Durante a caminhada, alguns discursos: do Dr. Juiz de Direito da Comarca, além dos doutores Manoel Leopoldino Pereira Netto, Octaviano Rodrigues de Carvalho, Florentino de Barros Abreu e Araújo Jorge; do Capitão Mariano Joaquim Cavalcante e do Alferes Manoel Firmino Menezes Mattos. Ao passar pela casa do Capitão Henrique Méro, a passeata, com a bandeira imperial à frente, foi saudada por uma salva de vinte e um tiros. Todos pararam para ouvi-lo.

Tal como fizeram os negros e abolicionistas destas duas pequenas localidades alagoanas, muitas outras, em todos os recantos do País, festejaram com todo o entusiasmo a libertação total dos escravos. E levaram dias e dias, pela dificuldade de comunicação. Como vimos, só nove dias depois se soube, de forma oficial, da assinatura da Lei. A rigor, demorou mais tempo do que a própria tramitação do Projeto no Congresso: três dias no Senado e dois dias na Câmara. O próprio Vice-Presidente Manoel Gomes Ribeiro, em relatório à Assembleia Provincial - relata:

“Este memorável acontecimento foi recebido em quase todos os pontos da Província com as maiores expansões de júbilo, tocando ao delírio o regozijo popular nesta capital, onde durante oito dias não cessaram as manifestações de contentamento, sendo sempre entusiasticamente saudados o Imperador, a augusta Princesa Imperial Regente, o Ministério e os mais salientes propugnadores da abolição.
Cabendo-me a gloriosa tarefa de pôr em execução na Província a áurea Lei, apenas tive conhecimento oficial de sua promulgação, dirigi-me por ofício ao Juiz de Direito e Câmara da Capital e por telegrama aos Juízes e Municipalidades das demais comarcas para que tivesse ela imediata publicidade e produzisse logo seus humanitários efeitos.
Assim, em toda a Província, conforme os intuitos da Lei, entraram sem grande demora na comunhão dos cidadãos brasileiros os 15.269 indivíduos que, em face da nova matrícula, ainda permaneciam em lastimável cativeiro.”

Alegra-nos saber que a sociedade brasileira (e alagoana, em particular) soube comemorar condignamente um fato de tamanha magnitude. A Lei 3.353, de 13 de maio de 1888 pôs fim a um período vergonhoso da história do Brasil. Com ela puderam obter a liberdade cerca de 720 mil escravos em todo o País. As consequências, seja do ponto de vista social, seja sob o aspecto econômico são dignas de estudo e de reflexão. Mas, esse já é outro assunto.


(*) É autor do livro Terra do Sol, Espelho da Lua. Este artigo foi publicado no caderno Saber do jornal Gazeta de Alagoas em 03 de maio de 2008.

Pão de Açúcar, 1888. Fotos: Adolpho Lindemann.

COLEÇAO PRINCESA ISABEL: FOTOGRAFIA DO SECULO XIX

Bia Correa do Lago, Pedro Correa do Lago

sábado, 11 de maio de 2024

MARCUS VINÍCIUS

 

Por Etevaldo Amorim

 

Marcus Vinícius


O último dia 7 deste mês de maio marcou a data da morte, em 1976, do inesquecível pão-de-açucarense Marcus Vinícius.

 

Poeta, jornalista, compositor, desenhista industrial, Marcus Vinicius Maciel Mendonça, filho de Aldemar de Mendonça e Zelina Alves Maciel, nasceu em Pão de Açúcar, no dia 14 de fevereiro de 1937. Iniciando seus estudos em sua terra natal, transferiu-se para Maceió, em 1949, ingressando no Colégio Estadual de Alagoas.

 

Expressando extraordinário dom para o desenho, foi neste ofício que experimentou seu primeiro emprego, no extinto Fomento Agrícola, órgão do Ministério da Agricultura, em 1955.

 

Marcus Vinícius em sua mesa de trabalho.

A poesia o encantava e seus versos eram dotados de extrema sensibilidade.

 

PÃO DE AÇÚCAR

 

Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.

 

Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.

 

Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.

 

Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.

 

Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa (não é bom lembrar...)

 

Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.

Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.

Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado (a educação personificada)

E João Lisboa (do Cristo Redentor)

A grandiosa joia.

Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.

 

***   ***

 

Como jornalista e músico, tornou-se figura conhecida e querida dos boêmios e da intelectualidade alagoana a partir da segunda metade da década de 1950.

 

Em 1959, entra para o Diário de Alagoas, órgão do grupo político do governador Sebastião Marinho Muniz Falcão.

 

Foi com o pseudônimo de Ícaro que ficou conhecido na imprensa de Alagoas, tanto no Diário de Alagoas como na Gazeta de Alagoas, para onde se transferiu em 1964, sempre encarregado pela edição do que na época se chamava de “Sociedade”, e que depois passou a ser a coluna social.

 

Já conhecido nas rodas sociais de Maceió, figura requisitada para as festas, reuniões e bailes nos principais clubes da capital alagoana, Ícaro era um dos mais importantes e assíduos frequentadores do Bar Jaqueira. Os seus amigos de boemia e música eram Aldemar Paiva, Nelsinho Almeida, Bercelino Maia, Reinaldo Costa, Juvenal Lopes, Setton Neto, entre outros.

 

Marcus Vinícius ao violão.


A sua permanência na imprensa diária durou cerca de quinze anos, entre 1955 e 1970, quando deixou de trabalhar como jornalista profissional e retornou à antiga função de funcionário público federal como desenhista do Ministério da Agricultura.

 

Pão de Açúcar lhe prestou justa homenagem ao denominar MARCUS VINÍCIUS a antiga “Rua da Tombadeira”, que se situa entre a Rua Cônego Jasson Souto (próximo ao posto de combustível), passando pelas extremidades das ruas Odilon Pires de Carvalho e Gabino Besouro; atravessando a rua José de Freitas Machado (Zuza Machado); novamente passando nas extremidades das ruas Pe. José Soares Pinto e, por fim, Rua Manoel Pereira Filho (rua do Monte), já na subida para o Conjunto Residencial Elpídio dos Santos.

 

A Rua da Tombadeira sendo pavimentada durante
uma das gestões do Prefeito Augusto Machado
(01/02/1973 - 31/01/1977) 

Tombadeira era nome antigo, referido por Gervásio Francisco dos Santos, em seu livro UM LUGAR NO PASSADO (1976), entre outros nomes de ruas, como “tradicionais e curiosos”. Gervásio que, nascido em 1916, baseou seu trabalho em memórias de infância, constituindo-se em precioso registro da história de Pão de Açúcar.

 

Aldemar Paiva

O radialista, compositor, humorista e escritor alagoano Aldemar Paiva, um dos seus melhores amigos, escreveu a respeito, ao saber que Marcus Vinicius havia morrido de câncer na noite do dia 7 de maio de 1976:

 

Ícaro, ele se assinava assim, o meu amigo Marcus Vinicius Maciel Mendonça, 39 anos, jornalista, seresteiro das Alagoas.

Meu amigo de Maceió morrendo às 23 horas do dia 7, seu corpo sendo levado para o Parque das Flores. Um lugar lindo, que andei visitando outro dia, em Maceió. Lugar bom para se ficar enterrado. Comércio de flores... Ouvindo orações... Tranquilo, belo, sossegado. Ali está Ícaro, o meu amigo.

Ícaro pegava o violão com o mesmo desembaraço com que usava a máquina de escrever e compunha. Ele não queria ser um profissional. Era o seresteiro anônimo.”




Outro alagoano, expoente das letras e do jornalismo, também escreveu sobre Marcus Vinícius. Arnoldo Jambo[i], na edição de 21 de maio de 1976, deixou gravada nas páginas do Diário de Pernambuco, a crônica

 

A FITA, O TROVADOR E A CEIFADEIRA

 

Rubens Jambo

A velha fita de gravador está a transmitir agora mesmo sua voz que calou. Mais de quinze anos passaram. O homem, no entanto, está aqui vivinho, malgrado a notícia de morte. Um milagre da eletrônica – pelo que devemos lastimar não o tenham desfrutado os nossos bisavós, que jamais sonharam ouvir música ou vozes dos que se foram antes deles. São vantagens insondáveis que a técnica permitiu. Além de conservar os sons, ela também nos garante o sentimento e a poesia que se alonga pelo canto das coisas e dos seres.

Mais de quinze anos...

Depois de Normann Fielding, com seu arrastado sotaque de súdito de S. Majestade Britânica (“Dizem de fato que o inglês é frio, mas eu até que não estou me sentindo muito frio agora”), do minhoto Agostinho Cistelos, José Brandão, Elói Paurílio[ii], daquela roda de despedida já perdida no tempo, vai-se agora o poeta, o cantor, o violonista, jornalista Marcus Vinícius. Apagou muito jovem pelo muito que prometia no cantar e no viver.

Dele se há de dizer que amou a vida em toda a sua plenitude de contemplativo. Munido de uma das mais apreciáveis vozes de cantor popular de sua geração. Marcus Vinícius, desde quando garoto chegou de Pão de Açúcar a Maceió, foi uma referência calosa nas noites de boemia da como que amolentada cidade que os alagoanos fizeram levantar às margens de suas mornas e murmurantes lagoas.

Positivamente cuidou muito pouco de si. A outra ambição não se apegou, durante os seus trinta e poucos anos, que não a de cantar para o deleite dos outros. Um autêntico trovador nesta materializante atualidade dos dias, ele foi cronista de jornal – o Ícaro – e menestrel naquele bom sentido que se deve e pode tornar dos nossos tempos. Compôs músicas e fez poemas. Perdulário sonoro de tudo quanto apreciava em nosso cancioneiro popular, ao som do seu violão e da sua admirável entonação vocal, embeberam-se noites adentro grupos inúmeros de deslumbradas figuras – homens e mulheres, velhos e moços – no curtir de dores de cotovelo e nas expansões e esperanças de amores recém-prometidos.

Há um destino de que se assinalam as criaturas assim como soube ser este Marcus Vinícius de quem agora a humanidade se diminui. É uma espécie de fado – ou sina – que parece determinar que em seu derredor se unam e reúnam gentes – para submeter-se à catarse que a música tão bem sabe realizar em tantos seres humanos.

Está o Marcus, depois de morto, quase diante dos meus olhos – pelo seu violão, pela sua interpretação cancioneira. Depois da tecnologia assoberbante do nosso século, presos os sons nas fitas e acetatos, não mais silenciam as gerações perante as que lhe seguirão. Como vivos conseguimos reter Noel Rosa, Ary Barroso, Lupcínio Rodrigues, Lamartine Babo (não sei o famoso Sinhô), grandes e intensamente poetas comunicantes do nosso tempo. Continuam às nossas ordens, gravados, pautados e decorados, transmitindo-nos todo aquele mundo de simplicidade e pureza lírica que pela música nos chega com alívio enganador, mas nunca mortificante.

Não é difícil imaginar-se o quanto continuar gratificantes para todos nós os Pixinguinhas, Ataúfo Alves, Dolores Durand. Se não terçaram armas, se não rebentaram em amplos e graves gestos de todo-poderosos, foram e vão muito mais longe na grande ajuda com que serviram e servem aos semelhantes. São figuras “quentíssimas”, dizem bem os jovens. E participam mais das nossas vidas – que vida, realmente, é parte da existência atravessada sem sustos nem temores – que os heróis lendários do passado, os Guilherme Tell cansativos em tantas latitudes.

Pois este grande, mas modesto das primeiras horas de domingo último, emergente de um sábado nunca esperado com aquele de que falava no ritornelo da canção de Vinícius de Morais – foi para junto destes todos que acabo de referir. Acredito que poucos dos que o aplaudiram souberam em tempo da necessidade de despedida em que se afogou nos transes últimos de seu quarto de hospital, quando o levou a ceifadeira fatal.

Muito embora não se tenha projetado como em verdade merecia – sempre preferiu a glória simples municipal – é certo que sua presença não se foi de todo. Ao lado daquelas coleções que sabia armar tão caprichosamente, restam-lhe uns poucos acetatos com sua voz gravada. E esta fita do meu velho Grundig[iii], em que como um lamento vindo lá do fundo do seu íntimo permanentemente impenetrado para tantas coisas, mas devassado para os acordes e dolência do seu canto, aqueles versos que nos soam imperativamente desconsoladores:

Tristeza não tem fim,

Felicidade sim.”

 

***    ***

 

FONTES:

PÃO DE AÇÚCAR, CEM ANOS DE POESIA (coletânea organizada por Etevaldo Amorim).

Blog do Majella, Marcus Vinícius, Jornalista, Poeta e Cantor, 2 de maio de 2010.

 

NOTA:

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam postagens com informações históricas resultantes de pesquisas, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso algumas delas seja do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.

 



[i] João Arnoldo Paranhos Jambo nasceu em Maceió no dia 7 de janeiro de 1922. Era filho do despachante Alfredo da Silva Jambo e de Elita Paranhos Jambo. Casou-se com Leonor de Magalhães Jambo, com quem teve os filhos Arnoldo Virgílio Jambo, médico em São Paulo; Alfredo Sérgio Magalhães Jambo, desembargador do TJ/PE; e Barbara Heliodora Jambo, renomada professora e artista plástica.

 

[ii] Elói Paurílio. Filho de Hipólito Paurílio da Silva e de Antônia Malheiros da Silva. Lei nº 2.248, de 5 de novembro de 1975, denomina RUA ELOI PAURÍLIO a primeira rua paralela à de nome Francisco Domingues da Silva, no bairro do Poço, em Maceió.

[iii] Grundig. Empresa alemã fabricante de eletrônicos de consumo de propriedade da Arçelik A.Ş., fabricante de produtos da linha branca (grandes eletrodomésticos) do conglomerado turco Koç Holding . Fundada em 1945 por Max Grundig e eventualmente sediada em Nuremberg.

sábado, 4 de maio de 2024

O PRIMEIRO PÃO-DE-AÇUCARENSE A GOVERNAR ARACAJU

Por Etevaldo Amorim

 

Antônio Xavier de Assis

Desde o dia 17 de março de 1855, cumprindo o ideal de Inácio Barbosa, então Presidente da Província de Sergipe, a florescente Aracaju vem sendo a Capital dos sergipanos, sucedendo à velha e histórica São Cristóvão.


Atualmente, a cidade é administrada pelo prefeito Edvaldo Nogueira Filho, nascido em Pão de Açúcar em 25 de janeiro de 1961. Filho seu Edvaldo e dona Lourdes, Edvaldinho partiu ainda muito jovem para estudar em Aracaju, onde chegou a cursar medicina, até ser absorvido pela política, iniciando nas lides estudantis e progredindo na atividade parlamentar e executiva.


O fato é que Edvaldo não é o primeiro a governar a cidade. Muito antes dele, lá no início do século XX, outro pão-de-açucarense esteve à frente dos seus destinos administrativos: ANTÔNIO XAVIER DE ASSIS.


Foi o próprio Edvaldo Nogueira Filho que, no lançamento da mais importante obra de Xavier de Assis – ESBOÇO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO BAIXO SÃO FRANCISCO, assim se expressou a respeito:


Quis o destino e a História – vejam vocês – que cem anos depois, em 2006, nossa bela Aracaju estivesse sendo administrada novamente por um pão-de-açucarense. Agora, enquanto exerço o terceiro mandato de prefeito de Aracaju, uma nova coincidência me dá a oportunidade de render as mais justas homenagens a esse grande alagoano-sergipano, que em 2020 completa o sesquicentenário de nascimento.

E se ainda não bastasse essa boa conspiração do acaso, ocorre que um neto de Xavier, igualmente um intelectual de intensa participação na vida política, administrativa e cultura do Sergipe contemporâneo, é um dos nossos parceiros nas homenagens que prestamos e nas iniciativas para preservar sua memória. Refiro-me ao conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Carlos Pinna de Assis, membro da Academia Sergipana de Letras.”


Aspecto de Aracaju em 1903.


Foi eleito Intendente em 1º de setembro de 1903, tomando posse em 1º de janeiro de 1904. Exerceu o mandato até 31 de dezembro e 1905, quando terminou o seu biênio[i].


Antônio Xavier de Assis nasceu na, então, Vila de Pão de Açúcar, Estado de Alagoas, a 15 de junho de 1870, quando governou o Partido Conservador, tendo como presidente o Barão de Itaboraí, e quando governava a província de Alagoas o brigadeiro José Miranda da Silva Reis.


Era filho legítimo do agricultor e negociante de gado Manuel Xavier de Assis e de D. Maria Inês da Soledade Tavares Nunes de Assis.


Realizou os estudos primários em sua terra natal, não prosseguindo nos outros graus por lhes faltarem suficientes recursos.


Dotado de viva e penetrante inteligência, foi se fazendo autodidata e adquirindo conhecimentos variados, tomando gosto, cada vez maior pela vida da imprensa, a despeito das deficiências do meio em que vivia e operava. Iniciou-se sob a orientação de um antigo apaixonado pelo jornalismo, Achilles Balbino de Leles Mello, em cujas oficinas tipográficas entrara, como aprendiz, aos 12 anos de idade, já órfão de pai e mãe, em 1882, isto em Pão de Açúcar, onde o mesmo Achilles Mello fundara o jornal “O Trabalho”.


Ainda com Achilles, que se transferiu com seu jornal para Penedo, em 1893, Xavier de Assis se mudou para a mesma cidade. Ali fundou, por sua vez, em 16 de junho de 1893, o jornal “O Estímulo”, de parceria com Joaquim Mazoni e Amarantho Filho, tendo o jornal tipografia própria. Era folha quinzenal. Em 18 de julho de 1897, fundou, ainda em Penedo, o hebdomadário “Tribuna Popular”, de que foi diretor-proprietário. Esse jornal não era órgão político. Todavia, mantinha uma coluna de oposição ao governo do Estado. Daí, talvez, o clima de intolerância criado em torno de si, forçando-lhe a se mudar para Sergipe, o que fez recorrendo à amizade que travara com o Dr. Josino Menezes, quando este residia em Penedo, exercendo a profissão de farmacêutico. Foi isto no começo da administração do Mons. Olímpio Campos, da qual era Secretário-Geral o Dr. Josino. A nova situação, comandada pelo Monsenhor Olimpio Campos, foi inaugurada em 24 de outubro de 1899.


Por muitos anos, Xavier de Assis exerceu atividade comercial em Aracaju, sendo o primeiro proprietário da Tipografia e Papelaria Moderna, que passou a ser depois Livraria Brasileira – a maior e melhor livraria do Estado, à época. Montou, ainda em Aracaju, uma fábrica de sabonetes e perfumaria com aparelharem importada da França e da Alemanha, o que fez por meio da sociedade com o húngaro Ringald Biélla. Foi proprietário do Sítio Palestina, que se tornaria bairro da capital, onde recebia, em efusões de afeto, parentes e amigos. Em 1914, salgo engano, seguiu para Maceió, levando sua família, com o propósito de fixar residência onde, no período, comprou duas fábricas – uma de bebidas e outras de doce e tomatada.


Dois anos depois regressou a Aracaju, ainda militando no comércio. Tornou-se, então, representante, em Sergipe, de diversas firmas comerciais de Pernambuco, Bahia, Paraíba e Rio de Janeiro, explorando os ramos de couros e peles, madeiras, algodão, mica, charque e bacalhau.


Foi também proprietário do Hotel dos Estados, em Aracaju, de sociedade com o inteligente artista pirotécnico Pedro Barros. Após deixar o cargo de Intendente, foi eleito membro do Conselho Municipal de Aracaju. Colaborou nos jornais do seu tempo, entre eles o Correio de Aracaju, Jornal do Povo, O Estado de Sergipe e Jornal de Notícias, todos de Aracaju. Colaborou, também, na importante “Revista Brasileira”, que se publicava na cidade do Rio de Janeiro.


Entrando para o funcionalismo público do Estado, exerceu os ofícios de Inspetor Escolar da 1ª Zona do Estado, Diretor, sucessivamente, dos Grupos Escolares “General Siqueira” e “Barão de Maroim”, ambos sediados em Aracaju, aposentando-se nesse último lugar. Além disso, exerceu a provisão de advogado, devidamente provisionado pelo antigo Tribunal de Relação do Estado.


Casou-se em Penedo, Alagoas, no dia 25 de janeiro de 1895, com D. Maria Isaura de Viveiros Oliveira e Silva, filha do antigo notário Joaquim Tibúrcio de Oliveira e Silva e D. Rita Dorotéa Viveiros de Oliveira e Silva.  Depois do casamento, dona Isaura passou a se chamar Maria Isaura de Viveiros Xavier de Assis.


Faleceu em Aracaju na manhã de 21 de novembro de 1939, quando no governo do Estado, como Interventor Federal, estava o Dr. Eronides Ferreira de Carvalho.


Fonte: Intendentes e Prefeitos de Aracaju, de Epifânio Dória.


Para melhor conhecer esse rico personagem, deixemos que ele próprio o diga em crônica:


O QUE SERÁ DEPOIS


O LUGAR ONDE EU NASCI E A TERRA QUE ESCOLHI.

Eram as terras dos Meirus e dos Xocós, habitantes de Jaciobá e Ipueira.


Em 1757, começa a catequese, com a chegada às mesmas terras de Dom Domingos do Loreto Couto[ii], que estabelece missão à margem do Itipicamunhã[iii], e em Tupiriá do outro lado do Parapitinga (que quer dizer: rio de pelo branco).


Vindo da queda d’água da Mata Grande, o Parapitinga vai por 90 quilômetros de leito pedregoso e 210 quilômetros de leito arenoso, até a foz do grande mar.


O altaneiro Pão de Açúcar, com seus velhos povoados do Cavalete, Pau Ferro, Paciência, Campo Grande, São Domingos e Aranha, contempla o rio e o vaivém das barcas grandes e canoas de tolda que transportam coisas e gente. Passam lentas na correnteza entre as embarcações dos pescadores, sequer balançadas pelo suave marulhar das águas claras.


Dia e noite, chova ou faça sol, o Pão de Açúcar é o baluarte natural que guarda o ponto bom de guarda, como um novo Almoroul, lar de míticos gigantes e lindíssimas princesas, na imitação do velho Tejo. Aliás, daqui do Pão de Açúcar, e do seu mais interno sertão, salta-se para o mundo, na propícia velocidade da correnteza do rio, para além da margem da penedia. Depois é só cruzar a corrente. E da Vila Nova que se põe à frente, alcançar afinal o destino.

É esse percurso que fiz e quero descrever. A surpresa de mares pouco abrigados, das areias e dos coqueirais infinitos onde viemos viver: Aracaju.


AS CIRCUNSTÂNCIAS DA VIDA


Hoje, 15 de junho de 1931, completo sessenta e um anos de idade e conclui o que posso considerar a obra da minha vida: o livro sobre o Rio São Francisco na parte que conheço desde sempre e desde sempre naveguei. Era um projeto antigo, do qual me afastaram as exigências da vida de gráfico, comerciante e industrial e, afinal, as lidas políticas nas quais quase que impertinentemente ingressei.


Nos muitos anos em que vivo em Aracaju, de 1899 até agora, com uma pequena interrupção em 1914 – tive o São Francisco em mente e almejei uma primeira publicação de fôlego no quadricentenário de sua descoberta (em 1901), que não pude cumprir diante do ingresso na política sergipana, na agitação do fim do governo do Monsenhor Olímpio Campos e na preparação do início do governo do meu amigo, Doutor Josino de Menezes.


Fui Intendente de Aracaju e dirigi a Capital em 1904 e 1905, tendo sido eleito em 1º de setembro de 1903 – com 252 votos – para suceder o Senhor Francisco de Andrade Mello, que cumprira o biênio anterior. Já tinha o então jornal “O ESTADO DE SERGIPE” e militei na imprensa sergipana escrevendo, também, para o “Correio de Aracaju”, “Jornal do Povo” e “Jornal de Notícias”.


Depois, na sequência dos fatos trágicos da política sergipana no início deste Século XX, e apesar do confronto do olimpismo com o faustismo, tive a sorte de poder retornar às minhas atividades comerciais com a Livraria Brasileira, posto que já tínhamos então sete filhos, a mais velha é Ismênia, ainda adolescente, mas dividindo com Marocas os cuidados com os mais novos e com as casas, que são três: a da cidade, na Avenida Coelho e Campos; a do Sítio Palestina, no extremo oeste de Aracaju, e a de São Cristóvão, onde passamos os verões.


No Governo Siqueira Menezes (1911/14), assumi cargo público na área educacional do Estado, permitindo-me trazer a Sergipe as ideias novas dos grupos escolares e das bolsas de estudos na Capital Federal, não apenas para estudantes que se destacavam no ensino médio nas mais variadas áreas de conhecimento, mas, também, para os jovens promissores nas artes plásticas, musicais e literárias que no Rio de Janeiro podiam ampliar os seus conhecimentos, técnicas e talentos.”


Cavalete, Pão de Açúcar-AL. Foto: Abílio Coutinho, 1869.


Sítio Palestina em 1911. Em primeiro plano, da esquerda para a direita: Milton Xavier de Assis, no colo da babá; Antônio Xavier de Assis Junior; Iracema Assis; Ismênia Assis; Helena Assis; a prima Arsélia Christo; Eurides Assis; a prima Mariquinha Christo e o primo Fernando Assis de Souza Christo. Atrás: o Dr. Nyceu Dantas; Sr. Felinto Corildo; Maria Isaura (Marocas) de Viveiros Xavier; Antônio Xavier de Assis; Sr. Carlos Krauss e Dr. Amando Fontes.

Dr. Carlos Pinna de Assis (1949-2023), neto de Xavier de Assis.

Prefeito de Aracaju
Edvaldo Nogueira Filho, atual Prefeito de Aracaju.. Foto: Danillo França.


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Nota 1.

Tive o privilégio de receber, do próprio Cons. Carlos  Pinna de Assis, um exemplar da obra ESBOÇO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO O BAIXO XÃO FRANCISCO, com que se dignou presentear-me, em 5 de junho de 2021. Lamentavelmente, o mesmo veio a falecer pouco tempo depois, a 5 de abril de 2023.

NOTA 2.

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.



[i] O lugar de Intendente fora quadrienal, pela Constituição do Estado de 18 de maio de 1892, tendo sido anual pela malograda Constituição de 8 de junho e 1891, que deu ao referido lugar a designação de Edil. Foi, ainda, dissolvida revolucionariamente em 28 de novembro do mesmo ano, passando a bienal pela tumultuária Reforma Constitucional de 5 de abril de 1895. Fonte: Epifânio Dória.

[ii] Domingos do Loreto Couto nasceu no Recife, provavelmente no ano de 1696. Era filho de Laura Soares Godim e João Álvares do Couto. Sua mãe, natural da terra, era filha do Capitão Mor Marcos Velho Gondim, fidalgo da casa Real, cavaleiro, professor  na  Ordem de Cristo, capitão de infantaria paga na cidade do Maranhão e capitão mor do Pará, e de Isabel Soares da Fonseca, filha do Capitão  Bartholomeu Soares  Canha. Bruno Kawai Souto Maior de Melo. ENGRE FRANCISCANOS E BENEDITINOS – O CASO DE DOMINGOS DO LORETO COUTO (1696-1762).

[iii] Itipincacunã (Pau Ferro). 

A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

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Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


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PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia