sábado, 10 de fevereiro de 2018

OS CARNAVAIS DE PÃO DE AÇÚCAR


       Álvaro Antônio Machado*
Adolescente, eu fazia, no final da década de 1960, a descoberta das belezas das festas da minha Pão de Açúcar e me encantava, particularmente, com os “carnavais” da minha terra. Isso mesmo, “carnavais”, porque no mesmo ano eram duas festas carnavalescas: uma denominada como tal, que acontecia no mesmo momento em todo o País; e outra chamada “micareme”, esta sim, uma entusiasmada festa carnavalesca que, pela animação e pela participação, parecia acontecer só em Pão de Açúcar ou, no mínimo, fazia da “terra de Jaciobá” a capital dessa folia fora de época.
O que me intrigava na micareme era sua proximidade com o carnaval propriamente dito. Quarenta dias depois das brincadeiras, dos batuques e da bebedeira da primeira festa, e a cidade já caía de novo na folia. Sim, porque a micareme começava logo após “romper a aleluia”, às vésperas do Domingo da Ressurreição, e se estendia até a madrugada da quarta-feira seguinte. Com uma agitação, um contentamento, uma presença popular que parecia fazer do carnaval uma mera preparação para a micareme.
É fato, também, que no carnaval havia algo que me indispunha e era motivo de mil recomendações de cuidados pelos meus pais: o entrudo, a brincadeira que dominava a manhã do domingo. Ela se caracterizava por grupos que circulavam pela cidade em busca de jovens ou adultos desavisados ou desprevenidos, para arrastá-los, sobre os ombros e em meio a enorme algazarra, para um banho forçado nas águas do “velho Chico”, jogados n’água da forma como estavam vestidos. 
Afora o entrudo, o carnaval era singelo enquanto a micareme se sobressaía como o grande festejo carnavalesco. Somente muito tempo depois encontrei uma explicação lógica para o estrondoso sucesso da micareme em Pão de Açúcar, que atraía visitantes e foliões de toda a redondeza. É que Pão de Açúcar, tal quais as cidades ribeirinhas do São Francisco, sempre manteve uma tradição de parir músicos de qualidade que, também no carnaval, faziam sucesso dentro e fora do município com suas bandas. Assim, elas eram muito disputadas no período do carnaval para abrilhantar a festança em outras cidades. Dessa forma, a rapaziada de “Seu” Nozinho, Brandão, Bubu, Irmãos Ramos e vários outros, cada qual no seu tempo, geralmente saía de Pão de Açúcar para tocar em outros lugares no carnaval e durante a micareme tocava em casa, abrilhantando a grande folia da terrinha.

Aos poucos, porém, essa tradição perdeu-se no tempo e restou apenas o carnaval propriamente dito, comemorado em Pão de Açúcar com bem menos destaque que antes da importação das bandas de axé e da substituição do frevo e das marchinhas por ritmos modernos descaracterizados.
Outrora era encantador chegar a época carnavalesca e naquela cidade interiorana tão longínqua, como num passe de mágica, surgirem os blocos que me embeveceram a infância e marcaram minha adolescência: Los Panchos, Bola Preta – precursor do Bola Branca e do Bola Vermelha, Os Cangaceiros, Boi Fubá, Os Bárbaros, A Boneca, As Lavandeiras, O Barracão, Dois Unidos, a Chaleirinha de Meirus; e as “escolas de samba” Sambistas de Urumarys e CIT (“Companhia Inimiga do Trabalho”). A ‘Sambistas de Urumarys’, em que eu figurava, literalmente, balançando o ganzá, trazia no nome uma homenagem aos primeiros habitantes da terra, os índios urumarys, de afinada sensibilidade poética e que deram o primeiro nome ao lugar: Jaciobá, que em tupi-guarani significa ‘espelho da lua’.
Grupo de foliões, tendo a frente Zé Negão (pandeiro) e João de
Santa (banjo)

As brincadeiras de rua, com direito a desfile na principal avenida da cidade, a Bráulio Cavalcante, onde o Rei Momo a tudo observava do seu palanque imperial, começavam ao cair da tarde e se estendiam até perto das onze horas da noite. Nesse período, enquanto uma banda tocava no centro da avenida fazendo a grande festa popular, uma tradição era mantida: a ‘visita’ dos blocos a residências previamente avisadas, onde os proprietários recebiam os foliões com bebidas e tira-gostos, uma forma divertida e inteligente de beber e comer sem pagar, melhor que isso, retribuindo a gentileza com a animação carregada pelas marchinhas e frevos cantados pelos blocos.
O Sr. Roberto Alvim no carnaval de 1968.

A cada ano os blocos exibiam fantasias distintas, mas sem perder a originalidade que caracterizava cada um deles, como os chapéus mexicanos de “Los Panchos”. Dentre todos os blocos e dentre todos os foliões, um indivíduo sempre se destacava: Roberto Alvim. De longe, para mim, o mais fidedigno folião da minha terra e da minha época. Ele parecia viver ‘esperando o carnaval chegar’. E quando chegava, carnaval ou micareme, “seu” Roberto encarnava o autêntico folião: galhofeiro, dançarino, divertido, detentor de contagiante alegria e exibindo-se sempre fantasiado com seu martelinho de plástico brandindo nas mãos e nas cabeças dos amigos.   
Grupo de foliões, tendo a frente Zé Negão (pandeiro) e João de
Santa (banjo)

Terminada a maratona de visitas, e já com os integrantes devidamente ‘calibrados’ pelas distintas bebidas ofertadas, era o momento de grande parte dos foliões (ou, pelo menos, os que ainda se punham de pé) brincar o carnaval no Iate Clube Pão de Açúcar, onde uma banda animava as quatro noites de folia.
E os dias de folia voavam, como sói acontecer nos momentos felizes de nossas vidas. O alvorecer da “quarta-feira ingrata” levava a banda que animava o carnaval do Iate Clube a sair tocando além dos muros da agremiação, puxando o último cordão de foliões pela “Rua da Frente”, como se tentassem evitar o acorde final de ‘Vassourinhas’. A despedida era coroada com os foliões menos alquebrados mergulhando nas águas do ‘velho Chico’, como se procurassem uma purificação para voltar à lida do cotidiano e esperar, ansiosos, o futuro carnaval ou a próxima micareme...

Bloco Los Panchos
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Álvaro Antônio Melo Machado, médico formado pela Universidade Federal de Alagoas; Sócio-efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas; membro da Academia Alagoana de Medicina e da Academia de Letras de Pão de Açúcar.

2 comentários:

  1. Muito obrigado, querido amigo Etevaldo, pela reprodução e minha alegria pela feliz recepção a essas memórias da terrinha que nos são tão caras. Grande abraço.
    Álvaro Antônio

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  2. Estórias fantásticas da cidade e fotografias raríssimas que ratificam a escrita.
    Paulo Henrique Resende

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

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Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

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Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia