segunda-feira, 12 de março de 2018

O COMENDADOR CALAÇA E A IGREJA DO BONFIM

Por Etevaldo Amorim

O Comendador Calaça. Acervo de Mada-
lena Haber Calaça Pontes.
Nascido em Penedo-Alagoas, em novembro de 1811, “filho de pais honrados e dignos”[i], ficou órfão ainda muito jovem. Tendo que se dedicar ao trabalho para prover sua própria subsistência, recebeu apenas a instrução primária, com noções de gramática e aritmética, em sua terra natal. Dedicou-se ao comércio e à criação de gado, escolhendo para tanto mudar-se para os sertões de Água Branca, então pertencente ao município de Mata Grande.

Foi lá que o Imperador Pedro II o encontrou, em 1859, quando da sua viagem à Cachoeira de Paulo Afonso. Profundo conhecedor de toda aquela região, o Major Calaça lhe serviu de guia e o abrigou na Fazenda do Talhado, no percurso mais difícil da excursão. Desde Piranhas, último ponto navegável do Baixo São Francisco, onde deixara o vapor Pirajá, o Imperador e sua numerosa comitiva seguiram a cavalo e estiveram sob sua orientação segura e confiável.

O nome, na verdade um apelido, lhe teria sido dado ainda menino, por se parecer, no gênio trêfego, com um homem “Fulano de Tal Calaça”. Calaça significa “posta de carne”.

As informações acerca da flora e da fauna da região, fornecidas pelo Major, muito impressionaram Dom Pedro. E mais ainda o agradou a maneira simpática com que tratou a todos, a sua abnegação na tarefa de preparar tudo de modo a oferecer o máximo conforto possível naquelas circunstâncias. Sobre isso ele registraria em seu diário:

...o sr. Calaça apanha a água da chuva, e é bem boa a que nos dá para beber assim como tem uma casinha bem arranjada e limpinha para estas alturas, cujas paredes ele mesmo pintou, não tendo posto vidraças nas janelas por conselho econômico da mulher. Antes de vir há 3 anos habitar aqui, tinha casa de negócio na Água Branca. Mas tanta gente o procurava para arranchar-se em sua casa que, por bem entendida economia, não sei se houve conselho da Penelope, fugiu para aqui onde cuida do seu milho, arroz, feijão etc., da sua vaquinha e cabrinha, e enfim vive mais sossegado da bolsa, esperando eu poder agradecer-lhe o bom agasalho, d’um modo que há de ser grato a seu coração de bom pai de família; em todo caso, lembrar-se-á de que não lhe fui pesado somente.[ii]

Como parte da recompensa, Calaça seria agraciado, em 14 de março de 1860 (data de aniversário da Imperatriz Tereza Cristina), com o título honorífico de Oficial da Ordem da Rosa.[iii]
O Imperador D. Pedro II .


Àquela época, enquanto já tinha o seu filho mais velho, Manoel José Gomes Calaça Junior, nomeado Professor Público em Água Branca, sentia a dor cruciante pela perda de sua querida filha, fruto do seu primeiro casamento de que ficara viúvo muito cedo. A respeito dela, o jornal maceioense Orbe, na edição de 9 de fevereiro de 1898, revela um fato deveras triste e que muito fez sofrer aquele dedicado pai. Diz o jornal:

“...sendo casada durante anos, morreu donzela, assassinada vilãmente e traiçoeiramente pelo próprio marido, depois de haver-lhe devorado a fortuna que levara pela herança materna, não pequena para aqueles tempos”.

Ante a fraqueza das autoridades, o assassino conseguiu fugir e, assim, ficar impune a tamanha brutalidade.

Do seu segundo casamento, com a Srª Izabel Gomes de Sá, teve sete filhos, sendo quatro homens e três mulheres, tendo conseguido dar a todos esmerada educação. São eles: Manoel José Gomes Calaça Junior, professor público; Francisco José Gomes Calaça e Aristóteles Ambrosino Gomes Calaça, ambos Engenheiros; e Populo Gomes Calaça, padre. Uma das filhas era Delfina Senhorinha Gomes Calaça, que se casou com Valério Gomes da Silveira Novaes.

Desse encontro resultou grande amizade entre o Imperador e aquele prestimoso sertanejo, que perdurou por toda a vida. Tanto que, de regresso à Bahia, onde deixara a Imperatriz Tereza Cristina, e em visita ao famoso Ginásio Baiano, sob a direção do renomado professor Abílio César Borges (Barão de Macaúbas), ali encontrou o jovem Francisco Calaça, de cuja educação se encarregaria. Determinou, então, que o diretor do colégio o mandasse a Água Branca despedir-se da família antes de seguir para a Europa a fim de ingressar no curso de Engenharia Civil na tão celebrada Escola de Pontes e Calçadas, em Paris. Formado Engenheiro, em 1868 aos 25 anos de idade, logrando classificar-se em segundo lugar na sua Turma, o Dr. Francisco José Gomes Calaça retornou ao Brasil, onde ocupou importantes cargos nas obras do Governo Imperial.
Campus do IFAL, em Maceió, construído no local onde existia
a casa do Comendador Manoel José Gomes Calaça.


Logo que o filho fixou residência em Maceió, em 1877[iv], para ocupar o cargo de Fiscal da Alagoas Railway, o Major Calaça, entendendo já ter cumprido a sua missão, e também cansado da lida, vendeu tudo o que tinha em Água Branca, mesmo que por preço menor do que de fato custava, e se foi para a Capital, investindo os recursos auferidos em prédios para alugar. Instalou-se no arrabalde do Poço, numa chácara que, segundo Félix Lima Júnior em seu livro Maceió de outrora, tinha um casarão colonial com um belo renque de palmeiras imperiais, que ia do portão até a entrada da casa. Isso tudo foi demolido para a construção da Escola Industrial, depois Escola Técnica Federal, depois CEFET e atualmente denominado IFAL – Instituto Federal de Educação de Alagoas.

Para atender a uma antiga necessidade de sua nova comunidade, Calaça resolveu arcar com a construção da capela do Senhor do Bonfim, da qual havia apenas um projeto.

Com efeito, a construção foi iniciada a 31 de julho de 1882 (segundo o Orbe, de 6 de agosto de 1882, p.2), e, a 26 de janeiro de 1884, recebeu a bênção (Orbe, 20 de janeiro de 1884), passando a integrar a Paróquia de Nossa Senhora Mãe do Povo, de Jaraguá.
A capelinha do Senhor do Bonfim, construída pelo Comendador
Calaça.

Muito tempo depois, com o crescimento do bairro do Poço, a capelinha tornou-se pequena demais. Assim foi que o Rev.Pe. Hélio Lessa, que prestava assistência à comunidade, Bteve a ideia de ampliá‐la. Foi escolhido, então, o projeto do engenheiro‐arquiteto Joffre Saint’Yves Simon[v], com contrato firmado no ano de 1949 no valor de Cr$ 500.000,00 (Quinhentos Mil Cruzeiros). O novo templo[vi] era constituído por uma nave circular com 20 metros e 70 centímetros de diâmetro e uma parede concêntrica composta por 15 arcos, uma cúpula de 16 metros de diâmetro coroada por outra, toda envidraçada, com 4 metros de diâmetro, ostentando no topo o emblema da fé.

A altura total da cúpula, incluída a cruz era de 17 metros. Na fachada principal havia um amplo frontão, estilo grego, encobrindo o batistério, o pórtico e uma sala. Externamente, uma parede com arcos simulados, circundando a nave circular. O altar‐mor ficava em área situada por trás de um arco de grandes proporções e era iluminado por luz indireta (LIVRO DE TOMBO, s/d). Para ver a Igreja do Senhor do Bonfim atualmente, (clique aqui).


Tendo a sua mulher, Dona Izabel, falecido a 28 de abril de 1887, o velho Comendador, em que pese insistentes pedidos de seu filho para que fosse morar com ele, jamais quis deixar a sua antiga residência, apegado às boas lembranças de outros tempos, tendo apenas a companhia de uma velha criada. Entretanto, os temores do Dr. Calaça se justificaram quando, na noite de 27 de abril de 1897, o Sítio do Comendador foi invadido por um indivíduo, provavelmente com o intuito de roubá-lo. Alertados por seus gritos, os vizinhos acorreram para lá e o encontraram caído à porta do quarto, para onde se recolhera poucos minutos atrás. O criminoso tentou asfixiá-lo, não tendo conseguido. Estranhando que a empregada não o tenha alertado, foram à sua procura e deram com ela morta junto à porta do quintal, ao pé da escada.

Diz ainda o jornal Orbe, de 30 de abril de 1897, “Pessoas que vinham do Norte, perto de 9 horas, encontraram na altura de Cruz das Almas, um indivíduo a cavalo, correndo desesperadamente.” Seria o criminoso que fugia?!

Depois desse fato, o Comendador mudou-se para a casa do filho Engº Francisco Calaça, onde veio a falecer no dia 8 de fevereiro de 1898. Seu corpo foi sepultado na mesma capelinha de que foi construtor e benfeitor.

“Bom e expansivo, prestimoso e dedicado, a memória do honrado velho perdurará durante muito tempo no seio da sociedade alagoana, onde deixa gravado sobre o mármore o seu nome honrado e digno”.



[i] ORBE, Maceió, Al, 9 de fevereiro de 1898.
[ii] Anuário do Museu Imperial, Petrópolis, 194, p. 129/130. Ao citar Penpelope, o Imperador certamente se referia à rainha mulher de Ulisses, na mitologia grega.
[iii] Correio Mercantil, RJ, 14 de março de 1860.
[iv] Diário de Pernambuco, 17 de julho de 1920, p. 2.
[v] Natural do Acre, filho de Carlos Alberto Simon e de Rosalie Lanneretone Simon.
[vi] IX Congresso Norte-Nordeste de Pesquisa e Inovação. Instituto Federal de Educação do Maranhão. São Luis, 2014.

3 comentários:

  1. Etevaldo, que texto delicado, primoroso e feliz! Mais uma vez viajo em sua escrita como se estivesse a desvendar um capítulo crucial de novela, neste caso uma novela verdadeira de um antepassado meu. Muitíssimo grata!!

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  2. Parabéns pelo texto e por nós mostrar, com rigor histórico, a vida de nossos antepassados e nos dar a impagável oportunidade de re-encontrar parentes próximos. A família vive!

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  3. Parabéns Etvaldo. Seu texto contando a história ocorrida em um passado não muito longe. Nos faz entender o porquê dos nomes das ruas que passamos e que sequer sabíamos o ocorrido. Após conhecer essa história posso também está passando-a a outros.

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia