sábado, 23 de março de 2024

O BRAVO SARGENTO WALDEMAR GOES

 

Por Etevaldo Amorim


O Capitão Waldemar Goes. Foto: Revista Alagoas
Maceió, Quinta-feira, 4 de agosto de 1938. O correspondente do jornal Diário da Manhã, do Recife, entrevistava o Interventor Osman Loureiro e o Coronel José Lucena de Albuquerque Maranhão, então Comandante do 2º Batalhão da Polícia Militar de Alagoas, sediado em Santana do Ipanema. O assunto dominante era, por óbvio, a morte de Virgulino Ferreira da Silva – “Lampião” e seu bando, na Grota do Angico, município de Porto da Folha (atualmente pertence ao território de Poço Redondo), Estado de Sergipe.


Os créditos pelo exitoso ataque a Angicos eram dados aos comandantes da operação: o próprio Lucena, o tenente João Bezerra, o aspirante Ferreira e o sargento Aniceto Rodrigues. Pouco se falava, por exemplo, da morte do soldado Adrião Pedro de Souza, única baixa da Força Pública na Missão na grota do riacho Angico.


Até aquele desfecho, na fria madrugada do dia 28 de julho de 1938, muitos embates aconteceram entre cangaceiros e volantes, que têm sido objeto de estudo de grande número de pesquisadores, constituindo-se numa bibliografia das mais vastas, e assunto aparentemente inesgotável. Um desses embates envolveu o personagem desta nossa história: o sargento Waldemar da Silva Goes.


O jornalista quis saber do coronel Lucena sobre o ato de bravura que inspirou a promoção do sargento alagoano no dia anterior (3 de agosto). Fora ele promovido a Aspirante, juntamente com o Sargento João Bezerra, a Capitão; o 2º Tenente Ferreira, a 1º Tenente; o sargento Aniceto Rodrigues, a Aspirante. O Tenente Coronel Lucena, promovido a Coronel. O relato do Coronel e as notícias coligidas de diversos outros jornais da época nos possibilitam reconstituir um pouco da história desse bravo militar.


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O Sgt. Waldemar. Foto Roberto Plech

O sargento Waldemar encontrava-se em Batalha, para onde fora destacado “a bem de sua saúde”. Estava bem, e tudo corria conforme planejado. Ademais, estava a 37 km do rio São Francisco, perto de suas origens: a Vila Limoeiro, pertencente ao município de Pão de Açúcar, mas próxima de Belo Monte. Ali vivera na sua infância em casa de seu pai, o sergipano José Sotero de Goes[i]; e de sua mãe, dona Silvina da Silva Maia,[ii] junto a seus irmãos: Antônio, João, Marieta, Angelina e Ana (Doninha).


Embora sob a patente ameaça dos cangaceiros, o ambiente era de tranquilidade naquela segunda-feira, 18 de abril de 1938. Estava ele em sua casa quando chega um cavaleiro. Ofegante, lhe contou que o povoado Capivara havia sido atacado por um grupo de cangaceiros. A cinco léguas dali, atravessando de Sergipe para Alagoas, Lampião e mais 16 comparsas alcançam aquela localidade, no município de Traipu.


Sem saber que se tratava de Lampião, para lá se dirigiu o sargento Goes, acompanhado de dois soldados e nove civis que se dispuseram. Quando lá chegaram, os bandidos já haviam saído. Só então tomou conhecimento que se tratava do famigerado “rei” do Cangaço. Precisavam seguir no encalço dos cangaceiros. Antes, porém, o sargento Waldemar se dirigiu aos civis que o acompanhavam:


- Bem, meus senhores! Tratem de regressar. São pais de família, civis e, portanto, não têm obrigação de me acompanhar. Deixem-me, que sou soldado, cumprindo-me lutar até morrer, nunca recuar.” Parte dos combatentes civis ainda o acompanharam até o povoado Girau, a 12 léguas de Capirava, onde encontraram os bandoleiros, quando, afinal, desistiram.


Durante o saque a Girau, Lampião resolveu fazer filantropia. Fazer caridade com o chapéu alheio, diria melhor. Entrou na loja do Sr. Eloy Maurício e distribuiu todo o sortimento de tecidos aos moradores, causando-lhe enorme prejuízo.


Outro comerciante, o Sr. Odilon Lima, tentou fazer com ele uma “camaradagem de emergência”. Mas Lampião cuidou logo impor a sua “autoridade”:


- Saiba que está falando com o Cap. Virgulino Ferreira!!!


Odilon distribuiu bebida a todo o bando, preferindo Lampião tomar vinho quinado.


Nesse ínterim, diz o correspondente do Diário da Manhã:


Lampião estava a saquear quando o atacou o sargento Waldemar, com apenas dois soldados, um dos quais logo saía de combate. Sustentou fogo como um herói – 2 contra 17 – e, quando já ferido no antebraço esquerdo e no tórax, ficara imobilizado. Lampião, por sua vez, na suposição de que enfrentava uma força considerável, abandonava Girau, deixando a sua cavalaria, que o sargento afoitamente engarrafara...”


Na prática, isso significa que o sargento apreendera os cavalos do bando, impondo assim um sério revés aos bandoleiros. Isso tudo se passava na entrada do lugarejo. Rastejando em meio à vegetação, os agentes da lei conseguiram ultrapassar as montarias dos bandidos, que eram em número de dezoito, e se colocaram atrás de um casebre, a uns 40 metros da casa onde se encontravam Lampião e seu bando.


Na tentativa de reaver os seus animais, por três vezes Lampião mandou mensageiros ao sargento, dando ordem para que os soltasse. O bravo militar respondia de pronto:


- Se Lampião quiser seus cavalos, que venha buscá-los, e que qualquer um que se aproximar, cairá por cima deles cravado de balas.


E a troca de tiros continua. Waldemar, temendo ser apanhado vivo, decide ir de encontro à casa onde se entrincheiravam os bandidos. Saiu rastejando e logo divisou uma figura na janela; dormiu na pontaria e, quando disparou sua arma, sentiu que havia sido baleado, pois o bandido também atirara contra ele.


A bala varou o seu braço esquerdo, penetrando o estômago, na região epigástrica, alojando-se entre o pulmão e o fígado, onde permaneceu até o fim dos seus dias. Soube-se depois que o bandido que o atingiu também foi baleado e faleceu logo em seguida. Foi sepultado em uma fazenda próxima, sob sigilo, pois Lampião não gostava que soubessem da perda de um dos seus para os “macacos”.


A pequena tropa do sargento Waldemar Goes entrou no povoado, onde Lampião e seu bando permaneceram por cerca de três horas, e tomou conta da situação. Mesmo ferido, o militar, montado em seu cavalo e sangrando muito, retornou a Batalha, onde só veio receber os primeiros curativos 22 horas depois de todo o ocorrido.


Depois de razoavelmente refeito, conduziu até Santana do Ipanema os cavalos tomados de Virgulino, que não poderia saber, mas teria participado da sua ultima batalha em território alagoano.[iii]


Já o historiador santanense Clerisvaldo Chagas, em “Os dois últimos combates e a última viagem de Lampião[iv], descreve assim a contenda:


“O tiroteio começou feroz e desordenado. Os bandidos talvez pensassem que estavam sendo atacados por grande número de atacantes. Waldemar rastejava em direção de uma casa onde supunha está o grosso do bando. O sargento foi ferido no terço médio do braço direito. A bala transfixou o braço alojando-se na região umbilical, mas sem atingir órgão vital”. O sargento passou a atirar com o outro braço cada vez mais animando os seus soldados. Um deles caiu ferido e o sargento recuou ao ponto de partida. “Restavam dois homens atirando. Um já ferido outro prostrado ao chão, esvaindo-se em sangue. O sargento brigava como um leão. Os bandidos foram amortecendo o fogo e fugiram”.


Outra notícia, publicada no Jornal Pequeno, Recife-PE, de 21 de abril de 1938, desta feita do próprio Comandante do 2º Batalhão da Polícia Militar, Tenente-Coronel Lucena, diz muito do que foi esse confronto, protagonizado pelo nosso bravo conterrâneo:


Maceió, 21. Ao Cel. Comandante Theodureto Camargo, do Regimento Policial Militar, o Tenente-Coronel Lucena dirigiu às 9,30 h de ontem, de Santana do Ipanema, o seguinte despacho:


“Lampião com 16 bandidos atravessou para este Estado no Saco do Medeiros[v] ao anoitecer do dia 17, conforme comuniquei ao Sr. Secretário[vi]. Logo que tive aviso, fiz seguir uma volante de Pão de Açúcar, pela margem e uma daqui, via Batalha, e outra comandada pelo Aspirante Porfírio, via Arapiraca, esta noite.


O referido grupo, ao amanhecer de ontem, atacou o povoado Capirava, no município de Traipu, que dista do ponto que saltaram quatro léguas. Capivara, logo após o ataque, avisou Batalha, onde está destacado o sargento Waldemar com mais duas praças. Esse sargento, reunindo onze civis, seguiu imediatamente a cavalo para ali, tendo atacado os bandidos nas imediações de Girau, onde, em campo raso, travarem tiroteio, tendo por fim o grupo fugido, ficando o sargento e um soldado gravemente feridos, desaparecendo alguns dos que o acompanhavam. O referido sargento ficou no campo de luta combatendo com civis e praças até a fuga do grupo.

Um prisioneiro de Lampião, que escapou, viu o bandido bastante ensanguentado e um cabra ferido conduzindo outros, são sabendo, entretanto, se Lampião estava ferido. O grupo de bandidos andava montado e nossas forças estão na batida do mesmo. Fiz seguir o médico com o capitão Rodrigues e força até Batalha em socorro dos feridos. Estou com muita fé em um novo encontro.


Peço mandar urgente para Palmeira os cinco cunhetes de munição, conforme combinamos aí, pois esqueci-me de trazê-los e hoje tive dificuldades em fazer seguir a força para Batalha com a falta de munição e já tenho algumas volantes pouco municiadas. Peço mostrar este ao Sr. Secretário. O sargento Waldemar deu um grande exemplo, digno de louvores, serve para os demais companheiros. Saudações respeitosas. J. Lucena, Tenente-Coronel Comandante.”


***   ***   ***

Naquele mesmo dia (4 de agosto de 1938), o Interventor assinava Ato que nomeava o Aspirante Waldemar como Delegado em Arapiraca[vii]:


Por Ato de 4 de agosto de 1938, o Interventor Federal (Osman Loureiro), exonerou o 2º Tenente do Regimento Policial Militar, Antônio Ferreira de Oliveira, do cargo de Delegado de Polícia, em comissão, do município de Arapiraca, nomeando para substituí-o o Aspirante a Oficial do mesmo Regimento, WALDEMAR DA SILVA GOES.[viii]


Já como 1º Tenente, foi o 3° Comandante do Corpo de Bombeiros de Alagoas, no período de 09/09/48 a 19/02/49.[ix]


Anos depois, já investido na patente de Capitão, foi Assistente Militar do Governador Arnon de Melo. Nessa época, sofreu outro revés: um grave acidente, conforme descrito em notícia do correspondente do Diário de Pernambuco, Arnoldo Jambo, na edição de 28 de novembro de 1954:


 Dois jeeps do Estado colidiram violentamente à altura do lugarejo denominado Chã do Pilar, resultando saírem feridos o motorista Antônio Calheiros de Barros e o Capitão da Polícia Militar do Estado Waldemar da Silva Goes. Este último assistente militar do Governador  do estado (Arnon de Mello) encontra-se internado no Pavilhão de Cirurgia do  Hospital São Vicente em estado desesperador.”


***   ***

O militar Waldemar da Silva Goes casou-se em Maceió, no dia 12 de outubro de 1934, aos 23 anos de idade (teria nascido em 1911) com a Srª Rosália Alves Goes (filha de Abílio Alves da Silva e Belmira de Souza Alves), com quem teve os filhos: Ademar (militar), José, Gilvanete, Cícero e Irapuan (militar).


Por tudo que aqui conseguimos reunir, ainda que não corresponda integralmente ao que fez pela Força Pública do Estado de Alagoas, podemos assegurar que a sua promoção ao posto de Capitão foi justa e merecida. Quanto a nós, esperamos estar contribuindo para a perpetuação da memória desse bravo militar.

O Interventor Osman Loureiro e o correspondente do Diário
da Manhã. Foto: Roberto Plech

O Cel. Theodureto Camargo do Nascimento
e o Cel Lucena Maranhão. Foto: Roberto Plech


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NOTA:

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.



[i] José Sotero de Goes, filho de Manoel Sotero de Goes e Maria Joaquina de São José.

 

[ii] Silvina da Silva Maia. , filha de Arthur da Silva Maia e Maria dos Prazeres Silva.

 

[iii] Revista Alagoas em data ignorada.

 

[v] Saco dos Medeiros, localidade situada à margem esquerda do Rio São Francisco, acima da cidade de Traipu, quase defronte a Gararu-SE.

 

[vi] Dr. José Maria Correia das Neves, Secretário do Interior durante a interventoria do Sr. Osman Loureiro.

 

[vii] Diário da Manhã), em edição do dia 8 de agosto de 1938.

 

[viii] Diário da Manhã, Recife-PE, 7 de agosto de 1938.

 

[ix] Histórico do Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas.

4 comentários:

  1. História de um passado de muita apreensão dos nossos conterrâneos .

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  2. História de muita luta , sangue derramando das forças policiais , como também de muita apreensão dos nossos conterrâneos sertanejos.

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  3. Que bela história! Dentre os bravos guerreiros da Ordem e da Lei, um conterrâneo nosso. E, numa bela surpresa, fico sabendo que ele, o então Sgt PM Waldemar da Silva Góes, após sua merecida promoção por bravura, também entrou no rol de nossos ex comandantes do glorioso Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas

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  4. Um relatório histórico, porém desconhecido do grande público. Vamos divulgar!!

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia