quinta-feira, agosto 14

O CONDE D’EU EM PÃO DE AÇÚCAR

 

Por Etevaldo Amorim


Ao longo do segundo semestre de 1889, Gastão de Orleans, o Conde d’Eu[i], visitou as províncias do antigo Norte do Império do Brasil (atualmente Norte e Nordeste), como uma estratégia de reatar os vínculos políticos com as autoridades regionais[ii], e dar sobrevida ao Regime Monárquico.


Partindo do Rio de Janeiro no dia 12 de junho, a bordo do paquete nacional Alagoas, o genro do Imperador tencionava visitar as províncias da Bahia, Pará, Amazonas, Ceará, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Foi uma viagem difícil e cheia de atribulações. Basta dizer que, no mesmo vapor, viajava um dos maiores propagandistas da causa republicana, o Dr. Silva Jardim[iii]. Os dois se confrontaram em Salvador e no Recife.


O Conde D'Eu, ao centro, a bordo do vapor Paumery em viagem entre Manaus e Tabatinga, 1889. O Barão de Corumbá à esquerda. Foto: Barbosa Rodrigues. Fonte: COLEÇÃO PRINCESA ISABEL - Fotografia do Século XIX, Pedro e Bia Corrêa do Lago.


Na viagem de regresso à Corte, a bordo do vapor Una, desembarcou ele em Maceió no dia 20 de agosto, indo direto para a Estação Ferroviária de onde seguiu até o km 35, no local denominado Lourenço de Albuquerque (município de Rio Largo) para inaugurar o ramal à vila de Assembleia (atual Viçosa) da Ferrovia Maceió-Imperatriz (atual União dos Palmares).[iv]


Às 11 horas da noite embarcou com destino a Penedo, onde chegou no dia 21 para uma incursão até a Cachoeira de Paulo Afonso.


No dia seguinte, depois de visitar a cidade e assistir a uma missa, embarcou novamente no Maceió[v] com destino a Piranhas, de onde subiria até as cachoeiras. A seu lado, o ajudante de ordens Barão de Corumbá - João Mendes Salgado.[vi]


Alguns órgãos da imprensa da época veicularam notícias de que o visitante fora recebido com grande entusiasmo pelos políticos e pelo povo em geral. Mas consta que o Conde foi recebido com extrema frieza. Um jornal local de oposição assim descreveu:


Em Pão de Açúcar, central cidade da província das Alagoas, o Sr. Gaston d’Orleans teve uma recepção muitíssimo fria. Na véspera de sua chegada escreveram pelas travessas proclamações republicanas, e ao saltar, um conceituado negociante do lugar levantou uma lindíssima bandeira com o dizer:


- Pavilhão Federal.


O viajante visitou a Casa da Câmara, não se apresentando para recebê-lo um só vereador.” (CONDE..., 1889, p. 3).


Já Aldemar de Mendonça, em seu livro Monografia de Pão de Açúcar, transcreve nota do jornal “O Trabalho”, datado de 24 de agosto de 1889:


“Como era esperado, ontem à tarde, chegou a esta cidade S. Alteza o Conde D’Eu, que foi recebido por uma comissão nomeada pelo Presidente da Província, autoridades judiciárias e policiais, Pároco da Freguesia e Guarda Municipal, e outras pessoas gradas, sendo assim acompanhado com jubilosa manifestação, á casa do Juiz de Direito da Comarca, onde foi bem hospedado. Sua Alteza seguirá, agora pela manhã, com destino à Cachoeira de Paulo Afonso, devendo regressar nestes 3 ou 4 dias.”


E o respeitável historiador pão-de-açucarense ainda acrescenta:


“Sabemos, por tradição, que quando o ilustre visitante percorria as ruas desta cidade, teve de passar por perto de um quiosque instalado na rua do meio, (Avenida Bráulio Cavalcante) pertencente ao Sr. Manoel Rego, republicano exaltado. Já bem próximo do referido quiosque, impulsivo como era Manoel Rego, gritou bem alto: “Viva a República” e o Conde perguntou a alguém daqui quem era aquele entusiasta, tendo sido informado que se tratava de um cidadão correto, portador de qualidades exemplares, porém intransigente na defesa dos seus ideais. ”


Na preciosa obra Esboço Histórico e Geográfico do Baixo São Francisco, Antônio Xavier de Assis, o primeiro pão-de-açucarense a governar Aracaju, mencionou:


"Em 1889, quando o Conde D'Eu visitou o Baixo São Francisco, Pão de Açúcar foi a única localidade que levantou bandeira vermelha na sede do seu Club, fato que impressionou mal o genro de D. Pedro II. Penedo fez o mesmo, mas em uma ponte de desembarque."


A "bandeira vermelha", embora não fosse o pavilhão oficial da campanha republicana, era utilizada para representar a luta pela igualdade e justiça social. 


Conclui-se, então, que Pão de Açúcar possuía o seu Clube Republicano, a exemplo do Clube Republicano do Rio de Janeiro,  fundado em 3 de Dezembro 1870 através do manifesto republicano. Este clube foi fundado e presidido por Quintino Bocaiuva e Joaquim Saldanha Marinho em protesto contra a monarquia e seu centralismo, e propunha a instalação de uma república federativa, em um modelo inspirado nos Estados Unidos. Poucos meses após sua criação vários clubes semelhantes se espalharam pelo resto do país.


Pois bem, o Conde regressou à Corte esperando ter alcançado grande êxito no seu intento. E os acontecimentos foram se sucedendo, até o 15 de novembro, com o movimento de militares que derrubou o Gabinete do Visconde de Ouro Preto[vii], culminando com a implantação do regime republicano.


“Após o dia 15 de novembro de 1889 – diz ainda Aldemar de Mendonça - deviam todos os lugarejos, por pequenos que fossem, comemorar a magna data da implantação do novo regime, com festejos condizentes com a Proclamação da República. Os maiorais da terra, entretanto, abstinham-se de fazê-lo. O escrúpulo em “mudar de casa”, tão comum, hoje, entre os políticos... a compaixão, talvez, pela expatriação do velho monarca que era tão generoso... .


Fossem quais fossem as razões, foi necessário que surgisse aquela mocinha espicaçando o brio daqueles homens, prontificando-se a ser oradora das solenidades que se deviam promover, em homenagem à Proclamação da República. Essa mocinha era D. Laura Marques de Albuquerque[viii], falecida há poucos anos na cidade de Penedo.”

O Capitão Manoel Rego. Foto: acervo Juracy Rego de Oliveira.


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Agora vejam esse telegrama publicado no Jornal do Penedo, edição de 23 de novembro de 1889:


“ESTAÇÃO DO PENEDO, 21 DE NOVEMBRO DE 1889.


Do Rio. O Governo dos Estados Unidos da América do Norte pôs à disposição da República Brasileira todas suas tropas, todo seu erário e sua força, caso nações europeias não reconheçam oficialmente nova forma Governo, ainda mais: caso Inglaterra exija pagamento dívida Brasil, será esta paga em 23 horas pelos cofres dos Estados Unidos.

Peço publicação todas Gazetas.

Viva a República dos Estados Unidos da América do Norte!!!!

Bellarmino Augusto Athayde – Comandante Força[ix]. ”

 

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NOTA

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.



[i] Luís Filipe Maria Fernando Gastão, conde d'Eu (Louis Philippe Marie Ferdinand Gaston; Neuilly-sur-Seine, 28 de abril de 1842 — Oceano Atlântico, 28 de agosto de 1922), foi um nobre francês, tendo sido conde d'Eu. Gastão era neto do rei Luís Filipe I de França, tendo renunciado aos seus direitos à linha de sucessão ao trono francês em 1864, quando do seu casamento. Tornou-se príncipe imperial consorte do Brasil por seu casamento com a última princesa imperial de facto, D. Isabel Cristina Leopoldina de Bragança, filha do último imperador do Brasil, Dom Pedro II. Faleceu quando voltava ao Brasil para celebrar o centenário da independência brasileira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em 1922.

[ii] SANTOS, Magno Francisco de Jesus. UM PASSEIO EM DIAS DE TORMENTAS: A VIAGEM DO CONDE D’EU ÀS PROVÍNCIAS DO ANTIGO NORTE DO BRASIL. UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2016. Disponível em https://www.scielo.br/pdf/his/v36/0101-9074-his-36-e6.pdf. Acesso em: 20 de julho de 2020.

[iii] Antônio da Silva Jardim (Capivari, 18 de agosto de 1860 — Nápoles, 1 de julho de 1891) foi um advogado, jornalista e ativista político brasileiro, formado na Faculdade de Direito de São Paulo. Em 1º de julho de 1891, fez uma viagem de turismo à Itália, na companhia de Joaquim Carneiro de Mendonça. Em Nápoles, visitava o vulcão Vesúvio quando escorregou e caiu em uma de suas bocas, desaparecendo.

[iv] Fonte: Orbe, Maceió, 21 de agosto de 1889.

[v] Fonte: Jornal do Penedo, 24 de agosto de 1889.

[vi] Almirante João Mendes Salgado, era filho de João Mendes Salgado e de Dona Sabina Joaquina da Fonseca. Nasceu no Rio de Janeiro, em 3 de março de 1832 e ali faleceu no dia 30 de julho de 1894.

[vii] Gabinete Ouro Preto foi o ministério formado pelo Partido Liberal em 7 de junho de 1889 e dissolvido em 15 de novembro do mesmo ano. Foi chefiado por Afonso Celso de Assis Figueiredo, Visconde de Ouro Preto, sendo o 32º e último gabinete do Império do Brasil após o estabelecimento do Decreto n. º 523 de 1847, interrompido pela Proclamação da República. Foi antecedido pelo Gabinete João Alfredo e sucedido pelo Governo Deodoro da Fonseca.

[viii] Laura Marques de Albuquerque (solteira, Laura Soares de Albuquerque), casada com José Marques de Albuquerque e mãe do poeta Lauro Marques de Albuquerque.

[ix] Bellarmino Augusto Athayde. Natural da Paraíba, nascido em 15 de abril de 1850, era flho de José Francisco de Athayde e Mello e Anna Francisca Martins Botelho. Já como Major reformado do Exército, faleceu em Olinda-PE no dia 23 de outubro de 1914. Fonte: A Província, 24 de outubro de 1914.

5 comentários:

  1. São fatos históricos de uma grandeza muito esclarecedora para todos que queiram se iteirar sobre a nossa história Pão de Açucarense

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  2. As pessoas, pela politica mostram o carácter e perdem a educação .

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  3. Pão de Açúcar, terra da Cultura!!!

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  4. Gosto muito e tenho curiosidades sobre Pão de Açúcar Alagoas,

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  5. Quando procuro entender e fazer um paralelo entre nossa Rés Pública e o regime anterior, percebo que o meio termo foi bem melhor, político econômico e socialmente, para a grande maioria das nações que mantiveram sua monarquia (Inglaterra, Dinamarca, Japão, Espanha etc) em detrimento daqueles que as eliminaram e as riquezas do povo ficaram à mercê de grupinhos se revesando com as chaves do cofre. Conde Deus teria sido um grande administrador, a exemplo de seu sogro D. Pedro Ii

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia