Por Etevaldo Amorim

Igreja de N. S. da Luz, em Meirus, Pão de Açúcar-AL
Afinal, é Meirus ou Campo Alegre?
As referências mais antigas tratavam o lugarejo, ora como
Campo Alegre, ora como Meirus; e até como Campo Alegre dos Meirus e Campo
Alegre das Flores.
É um desses casos em que, ignorando a tradição e o costume do povo, decide-se por impor outros nomes a lugares que já os têm desde tempos imemoriais.
Bem, pelo menos neste caso, deu-se fim a essa duplicidade de
denominação. Desde 1992, passou a ser definitivamente Meirus, por Decreto
Legislativo de autoria do vereador José Roberto Almeida da Silva (Beto de
Meirus), aprovado na Câmara de Vereadores na Legislatura 1989-1992.
Depois de cumprir os muitos mandatos que lhe confiou o povo
daquele importante povoado, Beto de Meirus é hoje artista reconhecido: poeta e
artesão.
A ORIGEM DO NOME

A planta chamada Meirus, na lagoa próxima ao povoado. Foto: Cícero Almeida da Silva (Palega)
A foto acima, feita pelo amigo Cícero Almeida da Silva
(Palega), mostra uma planta conhecida na região pelo nome indígena de Meru, que
deu origem ao nome do povoado.
O fato de estar ambientada, e em grande quantidade, na lagoa
próxima ao povoado, pode ter concorrido para que seu nome fosse usado como
referência do lugar e usado assim, no plural: “é lá nos Merus”, “vou para os Merus”,
“espere lá nos Merus”... Meirus, como é comumente escrito, pode ser uma corruptela
de Meru.
Trata-se de uma planta aquática, da família Cannaceae, cujo nome
científico é Canna glauca, recebendo outros nomes populares, a depender da
região: Maracá, Caetê-imbiri, Piriquiti e Meru[i].
É muito valorizada tanto pela sua beleza em paisagismo quanto por sua capacidade de purificação da água em sistemas de biofiltragem (tratamento de esgoto). Nativa do Brasil, sua distribuição se estende desde o Pantanal até o Nordeste, sendo adaptada a áreas alagadas (pântanos, brejos e ao redor de rios e lagos, lagoas).
A CAPELA DE N. S. DA LUZ
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| A praça central de Meirus, vendo-se ao fundo a igreja de N. S. da Luz. |
Fato marcante da sua história foi a doação feita por Dona Anna Theresa de Jesus, constituindo patrimônio da Capela ali existente, sob a invocação de Nossa Senhora da Luz. O registro consta do Livro do ano de 1863, fls. 24, do Cartório do 1º Ofício, que transcrevo com a ortografia da época:
“Escriptura de doação que faz D. Anna Theresa de Jesus de um
pedaço de terra à Capella de N. S. da Luz de Campo Alegre.
Saibam quantos esta virem que sendo no anno do nascimento de
Nosso Senhor Jesus Christo de Mil, Oitocentos e Sessenta e Quatro, aos vinte e
seis dias do mês de fevereiro, nesta Villa de Pão d’Assúcar, Comarca de Mata
Grande, Província das Alagoas, na rua da Praia, em casa de residência da
Senhora Anna Theresa de Jesus, onde eu, tabelião, fui vindo para passar esta escriptura,
na presença das testemunhas abaixo firmadas, compareceu a mesma D. Anna Theresa
de Jesus, moradora nesta Villa, acompanhada de um tabelião, do que Dou Minha
Fé, e pela mesma D. Anna Theresa de Jesus foi dito, perante mim e testemunhas,
que de sua própria e boa vontade faz doação de cincoenta braças de terras de
comprimento com quarenta de largura à Capella de Nossa Senhora da Luz de Campo
Alegre, deste Município, cuja demarcação do referido terreno é do modo
seguinte: da porta principal da sobredita capella se medirá, em linha recta
para cima, trinta e cinco braças; do mesmo pondo se medirá, para baixo, quinze
braças. Assim como com o sobredito ponto para o Norte se medirá dezoito braças;
e, para o Sul, vinte e duas braças, e desse modo para demarcação o mencionado
terreno por ella doado à referida Capella. Disse mais que a administração do
terreno doado por ella ficará a seu cargo e, por sua morte, passará a seu
herdeiro primogênito, e assim se obrigará com primogênito deste, cuja regra se
guardará restrictamente para sempre. Disse mais que o aforamento do terreno
pertencente à mesma Capella será de sessenta réis por palmo, anualmente, cuja
quantia será augmentada assim que julgar conveniente a competente
administradora. Disse mais que fazia a doação desse terreno no valor de
cincoenta mil réis e que, pela presente, daria em favor da mesma Capella
---(ilegível) testemunhas Pedro Soares de Mello Alvino Cesão[ii]
e José Rodrigues Delgado Gomes, que esta assignão a rogo da doadora, Francisco
Rodrigues de Mello, Mariano Joaquim Cavalcante[iii].
Nesta Villa de Pão d’Assúcar, em vinte e cinco de fevereiro de mil, oitocentos
e sessenta e quatro.”
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Dona Anna Theresa de Jesus era irmã do Cel. Anacleto de Jesus
Maria Brandão e, portanto, tia do bispo Dom Antônio Brandão e do historiador
Moreno Brandão.
Do seu casamento com Bento José Rodrigues Delgado, tiveram as
filhas Clarinda Maria da Conceição e Maria do Espírito Santo. Esta última era
casada com Antônio Duarte de Albuquerque (filho de Manoel Duarte de Albuquerque
e Antônia Rodrigues do Bonfim). Estes Duarte de Albuquerque eram proprietários,
por volta de 1857, de uma parte das terras do Itororó.
Dona Anna Theresa de Jesus e seu marido Bento José Rodrigues
Delgado também eram donos de parte das terras da Lagoa de Pão de Açúcar.[iv]
A dita capela, segundo Aldemar de Mendonça, teria sido
construída em 1714, por iniciativa do missionário português Frei José
de S. Jerônimo. Entretanto, carta do correspondente do Jornal do Penedo, que se assinava por
“Epaminondas”, datada de 30 de setembro de 1878, diz:
“ENFERMO. Do povoado Campo Alegre, deste termo, chegou
ultimamente nesta cidade o Reverendo Frei José de S. Jerônymo, que se acha
prostado de gravemente doente; e pelo seu estado melindroso é muito duvidoso
que se restabeleça. O Reverendo Frei José há muitos anos que reside naquele
povoado, onde sempre teve uma vida bastante regular, e estava construindo ali
uma espaçosa capela dedicada a N. S. da Luz, que já vai bastante adiantada.
Fazemos votos ao Altíssimo pelo restabelecimento de tão respeitável e virtuoso
franciscano.”
Hormino Lyra[v],
conterrâneo com origens no povoado Lagoa de Pedra, assim se refere a Meirus, em
seu conto ASSASSÍNIO DE UM BANDIDO, publicado na revista Fon-Fon, Ano XVII. Nº
9, Rio de Janeiro, 3 de março de 1923, p. 3:
“Havia ao norte de Pão de Açúcar, pitoresca cidadezinha alagoana à margem do
São Francisco, e distante doze quilômetros da mesma cidade, lugarejo aprazível
denominado Meirus, com as suas palhoças, tijupás[vi],
choupanas, casas de barro, pau-a-pique; umas cobertas com telhado de colmo[vii],
outras, com telhado de telha vã[viii].
Nesse lugarejo aparecera velho religioso, Frei José de São
Jerônymo, que ali se sentira bem, muito feliz, pois gozavam os olhos em rever
todos os dias aquele delicioso pedaço de terra brasileira, recanto abençoado
das Alagoas, que lhe lembrava um painel antigo, presépio encantador.
Com o auxílio dos habitantes dali, dos das suas cercanias,
revolveu erigir lá uma capela, onde dizia as missas, e pregava ao modesto e
meigo rebanho, cujas almas cândidas, como brancas pombas, feitas de piedade e
de fé, criam piamente na lealdade, no saber do bom velhinho, criam
ardorosamente nas verdades da religião.
Morou frei José ainda muitos anos no referido lugarejo, ao
qual batizara de Campo Alegre, que hoje é povoação, tendo já, como base de
progresso industrial, grande máquina de extrair a semente da penugem
algodoeira, ou, como se diz vulgarmente, de descaroçar algodão.”
Em 1859, quando da visita a Propriá, Estado de Sergipe, o
Imperador D. Pedro II, assistiu a um Te Deum, oficiado pelo Rev. vigário Nunes,
o da Villa Nova, Rev. Manoel Francisco de Carvalho. O coro era composto dos
Revs. Frei Simplicio da Santíssima Trindade, Frei José da Piedade e Frei José
de S. Jeronymo. (fonte: Correio da Tarde, RJ, 11 de novembro de 1859).
Frei José de São Jerônymo faleceu em 1883. O Jornal do Penedo
de 14 de julho, publicou esta nota:
“AGRADECIMENTO. A Ordem 3ª de São Francisco nesta cidade,
juntamente com o seu Co-Comissário, Padre Tertuliano José dos Santos Patury,
cordialmente agradecem aos reverendos Senhores Vigário da Freguesia, Cônego
Manoel Antônio do Valle, Dr. Theotônio Ribeiro e Padre Simplício do Rosário o
obséquio de, gratuitamente, se prestarem ao enterramento e visita solene do
Rev. Padre Ex-Definidor e Guardião do mesmo convento, Frei José de S. Jerônymo,
cuja morte sempre será sentida, não só por seus irmãos como pelo povo em geral.
Penedo, 10 de julho de 1883.”
Frei José fora eleito guardião do convento de Santa Maria dos
Anjos, em Penedo, em 1875, com a incumbência do comissariado da Ordem Terceira,
até 1877, já com o convento em vias de extinção.
Em 1903, vinte anos depois da morte de Frei José, segundo
nota no jornal A Fé Christã, de 20 de junho, ainda se projetava concluir as
obras da capela de “Campo Alegre dos Meirus”.
A pequena igreja, que foi visitada pelo bispo Dom Antônio
Brandão, quando da sua visita a Pão de Açúcar em 22 de setembro de 1904[ix],
recebeu também a marca da violência do bando de Lampião, que derrubou o sino com
portentoso tiroteio. Este sino se encontra exposto no Museu Xucurús, em
Palmeira dos Índios.
Aliás, o bando de cangaceiros também dizimou rebanhos inteiros de proprietários locais. Além disso, ateou fogo na fábrica a vapor de descaroçar algodão, de propriedade do Sr. João Pereira de Mello (Pereirinha), no dia 15 de janeiro de 1927.
Para proteger o algodão colhido, os moradores o estocaram na
igreja, supondo que o famigerado cangaceiro não o incendiasse sob um teto
sagrado. De fato, não o fez; mas retirou tudo para fora e ateou fogo. Cícero
Almeida conta que, ainda durante a década de 1960, podia-se notar a mancha escura
no chão, vestígio da fogueira sinistra de Lampião.
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EDUCAÇÃO
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| Alunos formados defronte à Escola Anna Thereza de Jesus, em Meirus. 1979. |
Pela Resolução 1.074, de 20 de julho de 1889, assinada pelo
Vice-Presidente, no Exercício da Presidência da Província, Dr. Manoel[x]Messias
de Gusmão Lyra, foi criada a cadeira mista no povoado Meirus, sendo sua
primeira professora a Srª Elysa Gaston Leite.[xi]
Por volta de 1894, era professor primário o Sr. Laurentino Irineu de Oliveira Maciel (avô materno de seu Dema).
Em 1916, segundo o Relatório dos Presidentes dos Estados Brasileiros – 1890-1930, lá estava o professor Ernesto Pereira de Mello. Mais tarde, entre 1929 e 1937, lecionava a professora Maria da Glória Lyra.[xii]
Pelo Decreto nº 651, de 11 de abril de 1913, assinado pelo
Governador Clodoaldo da Fonseca, e pelo Secretário Tertuliano de Menezes
Michell, foram criadas trinta e seis escolas subvencionadas no Estado de
Alagoas, entre as quais as de Torrões e Campo Alegre. (Revista Comercial de
Alagoas, nº 5, Maio-Junho de 1913.)
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ATIVIDADE AGRÍCOLA E INDUSTRIAL
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| Fábrica de descaroçar algodão, incendiada por Lampião em 1927,. |
Meirus era centro produtor e beneficiador de algodão, o “ouro branco” da época. Demonstração da pujança do arrojado povoado é a nota publicada na Tribuna Popular, de Penedo, em 1º de novembro de 1899, pelo grande comerciante Manoel Francisco Pereira:
“AVISO. Para
os devidos fins, faço ciente ao público ter-me associado ao meu sogro – Pedro
Alves da Silva, sob a firma Pereira & Comp., para compras de algodão nos
Meirus e Torrões, sendo ele encarregado naquele povoado e, no último, o nosso
empregado Sr. Ismael Pereira de Mello.
“Para
qualquer negócio tendente ao que fica explicado, poderão os interessados
dirigirem-se ao abaixo firmado, a cargo de quem fica a direção da casa.
Pão de
Açúcar, 1º de outubro de 1899.
(a(a) Manoel Francisco Pereira.”
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MELHORAMENTOS.
Na década de 1960, durante o governo do Major Luiz Cavalcante, Meirus recebeu energia elétrica fornecida pela CHESP, cuja inauguração se deu no dia 30 de junho de 1967.
No dia 2 de outubro de 1971, foi assentada defronte a capela de Nossa Senhora da Luz a estátua do Padre Cícero, esculpida pelo pão-de-açucarense João Damasceno Lisboa.
Na gestão do prefeito Eraldo Lacet Cruz, foi construído um
Postos de Saúde e instalada uma Estação Repetidora de TV na Serra de Meirus,
bem como a instalação de TVs públicas na praça central do povoado.
Duante a gestão do prefeito Antônio Carlos Lima Rezende
(Cacalo), Meirus foi beneficiado com um sistema de abastecimento de água, para
atender também o vizinho povoado de Rua Nova.
Na gestão do prefeito Jorge Dantas, Meirus passou por um
processo de intensa urbanização, tendo suas ruas e praças recebido pavimentação
a paralelepípedo; aliás, produzidos ali mesmo pelos cantareiros locais, e
assentados em regime de mutirão.
E muito mais se espera do povoado Meirus, berço de gente ativa e trabalhadeira, para ainda mais engrandecer o município de Pão de Açúcar.
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| Assentamento da estátua do Pe. Cícero. 01/10/1971. À esquerda, o Sr. Humberto Machado conversa com o vereador José Roberto Almeida da Silva. Foto: Arquivo da Prefeitura. |
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| O Prefeito Augusto Machado assiste ao assentamento da estátua do Pe. Cícero. 1971. |
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| Detalhe do povoado Meirus em 1971. |
NOTA:
Caro
leitor,
Deste
Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de
informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita
pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência
bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse
para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior
proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a
citação das referências. Isso é correto e justo.
[i]
Informações coligidas com a cooperação dos colegas Engenheiros Agrônomos Élcio Lins
e Jussara Moreira.
[ii]
Avô materno de Bráulio Cavalcante.
[iii]
Avô paterno de Bráulio Cavalcante.
[iv]
Fonte: SANTOS, Eduardo Padilha dos. Os Duarte de Albuquerque e Rodrigues
Delgado — Pão de Açúcar — AL. Notas Históricas e Genealógicas — Edição 4–2017, por:
Maria das Graças Alves.
[v]
Poeta, romancista e ensaísta, HORMINO ALVES LYRA nasceu em Pão de Açúcar,
Alagoas, em 3 de agosto de 1877. Filho de Higino da Rocha Lyra e Francisca
Cavalcanti Alves, era irmão do ex-Prefeito Manoel Alves Lyra e do Monsenhor
Lyra, que dá nome a uma escola no Povoado Lagoa de Pedra.
Fez seus estudos secundários
no Ginásio São João em Penedo, onde exerceu as funções de censor e lecionou
como substituto de várias cadeiras.
Em princípio, pensou
dedicar-se à vida eclesiástica. Entretanto, não obstante a sua crença
religiosa, percebeu que não tinha vocação para o sacerdócio. Prestou, então,
concurso para a Fazenda e para os Correios e Telégrafos. Aprovado em ambos,
preferiu o segundo, sendo admitido como Telegrafista.
Escreveu para vários jornais
e revista como O Malho e Revista da Semana.
Suas principais obras são:
Dona Ede (romance), em 1913; O 14 (contos), também em 1913; O Barão do Triunfo,
1941, separada da Imprensa Nacional (memória); Crisol (poesia), 1960. Troveiro,
1960 (poesia).
Foi casado, em primeiras
núpcias, com Alayde Vaz Ribeiro (filha de João Vaz Ribeiro e Ana Braga Ribeiro)
e, em segundas núpcias, com Marieta de Mello Carvalho (filha do Coronel Augusto
Álvaro de Carvalho e de D. Maria Luiza de Mello Carvalho), falecida em 5 de
janeiro de 1961. Hormino Lyra faleceu no rio de Janeiro em 13 de setembro de
1970.
[vi]
Tijupá, palavra de origem tupi, referia-se a uma pequena cabana ou choupana
utilizada como abrigo temporário.
[vii]
É uma cobertura feita com materiais naturais como palha de junco, sapé, centeio
ou palmeira, dispostos em feixes e compactados em camadas espessas.
[viii]
Telhado de telha vã é um tipo de cobertura em que as telhas são instaladas
diretamente sobre as ripas, sem o uso .de forro ou laje por baixo, deixando a
parte interna da estrutura aparente
[ix]
A Fé Christã, Penedo-AL, 15 de outubro de 1904.
[x]
Jornal do Penedo, 14 de setembro de 1889.
[xi]
Jornal do Penedo, 17 de agosto de 1889. Elysa Gaston, casada com Bellarmino
Elvídio Leite, foi jubilada em 1910 quando lecionava em Ipióca, município de
Maceió. Faleceu em Maceió no dia 14 de dezembro de 1912.
[xii]
Almanak do Ensino do Estado de Alagoas – 1937.






Parabéns Etevaldo, belíssimo texto. Uma contribuição enorme para a construção da história de Meru, Maru, Meirus. Valeu
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