sexta-feira, 30 de abril de 2021

NOMES DE RUAS

 

Waldemar Cavalcanti[i]

 

Os ruídos da civilização, em Maceió, parece-me que somente têm feito com que se mudem os nomes

Valdemar Cavalcanti, foto O Malho, 29/10/1932

antigos de nossas ruas.

As placas de esquina de outrora, com uns nomes saborosos, de tão pitorescos, foram substituídos sob a orientação de um literato, amoroso na certa de nossas poucas letras.

Noutro dia, num ligeiro passeio a pé pela cidade, tive a impressão de ser ela um compêndio de literatura ou um manual prático de história política local. Parece-me que esse é o único meio de a terra tirar do anonimato os seus homens ilustres. Uns pobres homens, cuja obra se restringiu desgraçadamente a um meio e a uma época.

E se há de louvar essa iniciativa das Prefeituras pelo seu sentido humano, pelo lado propriamente intelectual bem que parece uma censura: é que vem pôr em relevo nomes sem eco, sem coisa nenhuma. Felizmente esse relevo apenas se observa entre os carteiros.

Para mim é que essa retificação ao batismo de nossas ruas assume um caráter muito ruim de anti-tradicionalismo.

Não digo que se deve observar em todas as ruas e em todas as praças o seu nome primitivo. Ninguém não gosta de ter para cartão de visita o endereço: Rua dos Cachorros, ou Beco das Vacas. Assim por diante. Além disso, há nomes que nada têm de interessante. A Rua do Apolo é um exemplo. É tão precioso, tão parnasiano, que instintivamente a gente se lembra do fim de um soneto. Neste caso, é bem melhor o novo: Rua Dr. Melo Morais.

Porém, há nomes com doçuras de poemas. Bem que há um ritmo cheio em Praça Nossa Senhora das Graças. Dir-se-ia que esse nome, que entra assim terno no ouvido do povo, é para a conquista de mais devotos para a Santa.  (hoje é Praça Guimarães Passos; mas parece que a designação não agradou nem nos Grêmios de letras). A Praça de São Benedito é Praça Dr. Tavares Bastos.

Mais: se se anda pela Rua do Comércio tem-se que dizer Rua Dr. Rocha Cavalcante; dobra-se pela Rua Augusta e estamos na Ladislau Netto; quebra-se pelo Mercado e andamos na Rua Barão de Alagoas; se seguimos pela do Hospital, vamos pela Rua Barão de Maceió.

Em Pajuçara, então, as ruas tinham nomes saborosos: Rua do Cravo (hoje Dr. Antônio Pedro de Mendonça)[ii]; do Araçá (Epaminondas Gracindo)[iii]; da Caridade (Comendador Almeida Guimarães)[iv]; do ABC (Coronel Pedro Lima)[v]; do Gameleiro (Elysio de Carvalho)[vi]. E a Rua do Jasmim é a Rua de São Pedro[vii]:

Um bairrismo exaltado por demais quis ter uma Avenida. Daí a Avenida Presidente Bernardes. Mas ninguém assim chama. Só se conhece é a Rua Primeiro de Março.

Não sei de coisa mais intimamente popular que a designação de certas ruas de gente pobre: Sovaco da Ovelha, Pilão sem Boca[viii], Furna da Onça, Beco do Castola, Beco do Sururu. São coisas gostosas. E, mais que tudo, são nossas.

O que não vai é essas história de uns finos de paladar macio tirarem da boca do povo isso que depende justamente de sua criação fertilíssima.

 

Transcrito da Revista NOVIDADE, nº 5, 9 de maio de 1931.

http://memoria.bn.br/DocReader/721158/64

 Idêntica postagem foi feita pelo Site HISTÓRIA DE ALAGOAS, em 24 de março de 1917ilustrada com fotos da época. https://www.historiadealagoas.com.br/nomes-de-ruas.html


 

 



[i] VALDEMAR CAVALCANTI. Nasceu em Maceió a 6 de abril de 1912 e faleceu no Rio de Janeiro a 19 de junho de 1982. Filho de Pedro Alvino Cavalcante e de Francisca de Souza Almeida. Sobrinho de Bráulio Cavalcante. Foi casado com Jeruza Xavier Cavalcanti (filha de Luiz Leão Xavier da Costa e Augusta Camelo Xavier da Costa), com quem teve os filhos Sérgio Xavier Cavalcanti (Advogado) e Roberto Xavier Cavalcanti (Economista).

 [ii] R. Dr. Antônio Pedro de Mendonça, que liga a Av. Walter Ananias à R. Epaminondas Gracindo.

[iii] Notícia do jornal Evolucionista, de Maceió, edição de 23 de junho de 1905, dá conta de que os moradores da Rua do Araçá pretendiam requerer ao Intendente a mudança do nome para Sadok de Sá.

[iv] Rua Comendador Almeida Guimarães, que liga a Rua Sampaio Marques à R. Epaminondas Gracindo.

[v] Que liga a R. Rocha Cavalcante à Av. Walter Ananias.

[vi] Que liga a R Almirante Mascarenhas à Av. Walter Ananias.

[vii] Denominou-se Agostinho Guimarães (Major), próximo à Capitania dos Portos.

[viii] No bairro da Levada.

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia