segunda-feira, 28 de outubro de 2024

NOTÍCIA HISTÓRICA SOBRE O CÓLERA NO BRASIL

 Por Alfredo Brandão¹

Chegou a vez de Alagoas. 


Os fins de 1855 e os princípios de 1856 assinalam uma época sombria e trágica na história da nossa terra. A dor, o luto, o pranto, a viuvez e a orfandade espalham-se por todos os lados ante as vinte mil sepulturas cavadas pelo cólera-morbus no curso espaço de seis meses.


O Presidente da Província, o Dr. Antônio Coelho de Sá e Albuquerque, ao saber que o cólera se achava na Bahia, envidou todos os meios para evitar que ele invadisse o território alagoano. Infelizmente, todos os cuidados foram improfícuos: no dia 18 de novembro, o cólera aparecida em Piaçabuçu e logo no dia seguinte era observado em Penedo um outro caso, num operário de uma fábrica de óleo vegetal.


A epidemia – diz o Dr. Sá e Albuquerque em seu Relatório, começou com benigno caráter, fazendo poucas vítimas nos primeiros dias. Em 24 de novembro já grassava extensamente, desdobrando-se pelas margens dos rios, regulando a mortandade cinco por cento. Em fins do mesmo mês apareceu o primeiro caso em Jaraguá na pessoa de um correio vindo da cidade de Penedo. Então as notícias dos povoados das margens do S. Francisco chegavam a cada instante mais aterradoras. O cólera seguia rio acima. A linha de combate estendia-se desde Piaçabuçu até Piranhas, mais de 40 léguas de extensão. Em dezembro a epidemia estendeu-se para o centro e litoral e invadiu Coruripe, Barra de S. Miguel, Mata Grande, Anadia e Palmeira dos Índios. Corria o tempo e o cólera caminhava implacável por toda a Província. Sua marcha parecia abertamente pronunciada de Sul para Norte, não poupando um só dos lugares compreendidos na zona limitada pelos cursos dos rios S. Francisco e Mundaú.”


Na vila de Assembleia a moléstia apareceu no dia 6 de janeiro, tendo sido transportada de Quebrangulo. No dia 7 surgiram novos casos. No dia 8 o número aumentou assustadoramente e no princípio de fevereiro a epidemia já se achava açoitando palmo a palmo todo o município.


As devastações do Cólera em Alagoas ainda hoje são relembradas com horror – a moléstia havia assumido um caráter fulminante e estendia-se deste o tugúrio da miséria até a vivenda confortável do rico. As cidades desertas e silenciosas apresentavam um aspecto funéreo de tristeza e desolação. As casas fechadas só se abriam para dar passagem a enterros, e os rumores da vida pareciam ter se concentrado nos cemitérios, onde verdadeiras legiões de coveiros continuamente cavavam novos túmulos.


No centro, o povo aterrorizado e desanimado, não vendo na epidemia mais do que um castigo do céu, apenas procurava os meios de debelar o mal nas rezas, nas procissões e na penitência. Esse estado de depressão nervosa, essa certeza que todos tinham de ser feridos pelo flagelo muito concorreu, aumentando a receptividade mórbida de cada um, para que o Cólera produzisse tão vasto morticínio.


Nessa quadra dolorosa de provações terríveis, o povo alagoano soube perfeitamente compreender os seus deveres de humanidade e confraternização.


Os médicos, no dizer do Presidente da Província, foram verdadeiros heróis. Alguns entre estes os Drs. Roberto Calheiros de Mello e Manoel Rodrigues Leite e Oiticica, prestaram os seus serviços gratuitamente. Segundo uma estatística organizada pelo Dr. Thomaz do Bomfim Espíndola, Alagoas perdeu perto de vinte mil pessoas.


Em Pernambuco a epidemia apareceu no dia 13 de dezembro, na vila de Papacaça, onde morreu o Dr. Amazonas, cirurgião militar que por mandado do Governo seguira de Maceió para prestar serviços às vítimas. Em princípios de janeiro a moléstia chegou no Recife e atingiu o apogeu em 3 de fevereiro, quando matou 133 pessoas. Em toda a província o obituário elevou-se a mais de 37 mil.


Paraíba e Rio Grande do Norte também pagaram o seu tributo, morrendo na primeira província 16 mil pessoas e na segunda 4 mil.


Maranhão, Piauí e Ceará apenas foram visitadas pelo cólera na sua segunda explosão, a qual teve origem em 1862, no município de Goiana, em Pernambco. A causa dessa epidemia foi encontrada na exumação precoce de cadáveres em cemitério de coléricos.


Muitos pontos de Pernambuco foram novamente devastados. Em Cruangi a epidemia revestiu-se de um caráter apavorante, tendo prestado relevantes serviços na debelação do mal o alagoano, Major-Médico do Exército, Dr. Félix Moreno Brandão², o qual renunciou ao pagamento a que tinha direito. Do Recife, a segunda epidemia foi transportada para Maceió pelo brique Fidelidade e, estendendo-se para o interior, causou algumas devastações em Murici, Imperatriz, Assembleia e outros municípios.


A terceira epidemia brasileira começou na cidade do Rio Grande (RS) em 1867, após o desembarque de passageiros de um vapor procedente da América do Norte. Irradiando-se para Santa Catarina e Rio de Janeiro, estendeu-se logo depois para o nosso Exército, então em operações de guerra no Paraguai. Parece que o cólera foi para aí levado pelo vapor Teixeira de Freitas, que saíra do Rio com um contingente de duzentas praças.


Graças, porém, à atividade do corpo de saúde e as providências do General em Chefe, que mandou construir a duas léguas de Corrientes uma enfermaria para coléricos, a epidemia começou a diminuir e extinguiu-se de todo em poucos meses, apesar das condições especiais do meio onde ela tinha aparecido.

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Transcrito do jornal Gutenberg, 4 de novembro de 1910.

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NOTA:

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.

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Alfredo Brandão

¹ALFREDO DE BARROS LOUREIRO BRANDÃO. Nasceu em Viçosa – AL 19/02/1874 e faleceu em Maceió - AL 06/01/1944). Escritor, médico. Filho de Teotônio Torquato Brandão e Francisca de Barros Loureiro Brandão.

 ²DR. FÉLIX MORENO BRANDÃO. Nasceu em Mata Grande a 26 de novembro de 1825 Filho do Tenente-Coronel Anacleto de Jesus Maria Brandão e Maria Francisca da Conceição. Pai do historiador Moreno Brandão. Faleceu em Pão de Açúcar-AL no dia 24 de agosto de 1878.

4 comentários:

  1. Parabéns! Excelente resgate histórico.

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  2. Parabéns por nos presentear com mais um ciclo da nossa história, desta feita, penosa, tendo em vista que a cólera ceifou milhares de vítimas.

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  3. Tristes períodos. O cólera deixou muitos órfãos. Serve sempre de alerta e referência para continuarmos na busca permanente por vacinas. Parabéns, meu confrade, por mais um excelente artigo

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  4. Estudei no Ginásio Feliz Moreno em Mata Grande, homenagem a ele!

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

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Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


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PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

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Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia