quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

COMANDANTE SATURNINO – UM ALAGOANO NA 1ª GUERRA MUNDIAL


Por Etevaldo Amorim
O primeiro grande conflito de caráter mundial, ocorrido entre 1914 e 1918, inicialmente referido como “A Guerra Europeia”, e que se tornaria conhecido (até o advento da II Guerra Mundial), como “A Grande Guerra” ou “A Guerra das Guerras”, começou a tomar contornos decisivos no ano de 1917.
O Comandante Saturnino Furtado de Mendonça.
Os Estados Unidos da América eram os principais fornecedores de alimentos e armas para a França e Inglaterra (integrantes da Tríplice Entente, ao lado do Império Russo). Além disso, havia grandes investimentos e empréstimos de bancos norte-americanos àqueles países. Era do seu maior interesse, portanto, que a Entente saísse vencedora no seu confronto com os países da Tríplice Aliança (Alemanha, Itália e Império Austro-Húngaro).
Entretanto, a 31 de janeiro de 1917, a Alemanha anuncia o começo da guerra submarina para inicia-la efetivamente no dia seguinte, levando a efeito um bloqueio naval no intuito de impedir o suprimento de gêneros para os países com os quais estava em conflito. Essa atitude desencadeou uma série de acontecimentos:
No dia 3 de fevereiro, os Estados Unidos rompem relações diplomáticas com a Alemanha.
Durante os três primeiros anos da Guerra, o Brasil permaneceu neutro. Essa posição, respaldada na Convenção de Haia (1907), tinha por objetivo não prejudicar as exportações brasileiras, principalmente do café.
No dia 7 de fevereiro, ante o anúncio do Governo alemão, o Governo Brasileiro se manifesta, encaminhando, através da nossa Representação em Berlim, uma Nota em que conclui dizendo:

“Por isso o Governo Brasileiro, não obstante o seu sincero e vivo desejo de evitar divergências com as nações amigas, ora em luta armada, sente-se no dever de protestar contra esse bloqueio, como efetivamente protesta e, em consequência disso, de deixar ao governo imperial alemão a responsabilidade de todos aqueles casos que se derem com cidadãos, mercadorias e navios brasileiros, desde que se verifique a postergação dos princípios reconhecidos do direito internacional ou atos convencionais em que o Brasil e a Alemanha sejam partes”.[i]

Rui Barbosa, um entusiasta em defesa da tomada de posição do Brasil na guerra, se manifesta dizendo que a Nota Brasileira se tratava de um simples e tímido protesto. Disse ele ao jornal carioca A NOITE, edição de 10 de fevereiro de 1917:

“... a Nota é meramente um protesto, cujo objetivo declarado se resume a notificar a Alemanha de que, se cumprir o que ameaça, será ela a responsável pelos seus atos. Ora, não era necessário uma declaração do Brasil para se saber que a Alemanha é responsável pelos atos da Alemanha. A Nota não contém mais nada.”

Ignorando a “Nota”, os alemães torpedeiam, a 4 de abril, o navio brasileiro Paraná, na costa da França. Dois dias depois, os Estados Unidos declaram guerra à Alemanha. No dia seguinte foi a vez de Cuba e Panamá.
Apenas alguns dias depois, a 11 de abril, o Brasil rompe relações diplomáticas com a Alemanha.
No dia 20 de maio, outro navio brasileiro, o Tijuca, foi torpedeado perto da costa francesa por submarino alemão.
Nos meses seguintes o Brasil confiscou, a título de “indenização de guerra”, 42 navios alemães que se achavam em nossos portos, e os incorporou à frota do Lloyd Brasileiro.
Dando prosseguimento a sua escalada, a Alemanha volta a atacar um navio brasileiro. A 22 de maio de 1917, o “Lapa” foi atingido por três tiros de canhão disparados por um submarino. O cônsul brasileiro em Cádiz, Sr. Matheus Albuquerque, alagoano de Porto Calvo, prestou apoio às vítimas e conduziu inquérito para apurar caso.
Importante reunião é convocada pelo Presidente Wenceslau Brás, tendo como pauta a discussão da neutralidade brasileira na guerra.
Palácio do Catete, 27/05/2017. Reunião para discutir a neutralidade brasileira. Da esquerda para a direita: Nilo Peçanha, Rui Barbosa, o Presidente Wenceslau Brás, Rodrigues Alves e o Vice-Presidente Urbano Santos. Foto: Fon-Fon.
Um dos navios alemães confiscados pelo Brasil, o “Palatia”, rebatizado com o nome de “MACAU”, chega ao porto do Rio de Janeiro no dia 7 de setembro de 1917, procedente de Santos-SP, onde recebera reparos. A 17 de setembro, segue para a França, com carregamento de 92.000 sacos, sendo 52.000 de café e 40.000 de feijão e outros cereais apanhados no porto do Rio de Janeiro. Tentaria romper o bloqueio alemão, a exemplo do que já conseguira os vapores Jacuhy e Corcovado. Para tanto, o Lloyd Brasileiro fez um seguro de 100 mil libras junto ao Lloyd Belga.


O vapor Macau, ex-alemão Palatia.
Fabricado em 1912, e com tonelagem de 3.557, o navio possuía excelentes camarotes para a oficialidade e confortáveis alojamentos para toda a tripulação. Prestava-se muito bem à temerária travessia até o porto de Havre, França, para onde seguia com “carta de prego”. Essa é uma expressão utilizada para definir “carta fechada, contendo instruções secretas, as quais só devem ser conhecidas em determinadas circunstâncias e em determinado local.”.
Para essa arrojada empreitada, o Lloyd convocou um experimentado Comandante, o Capitão Saturnino de Mendonça, cuja nomeação aconteceu no dia 1º de agosto.
Já em 1889, ele morava no Rio de Janeiro e frequentava o Curso de Náutica do Lyceo Literário Português, uma Instituição de Ensino filantrópica, sem fins lucrativos, fundada por imigrantes portugueses.[ii]
Iniciou sua carreira no Lloyd Brasileiro a 10 de agosto de 1890, como 2º piloto do paquete “Alagoas”, desembarcando a 25 de março de 1894. A 26 de março de 1894, foi transferido para o “Porto Alegre”.
Exerceu o cargo de Prático da Associação de Praticagem do Porto de Vitória-ES, de que foi exonerado em 1899[iii]
Trabalhou também no paquete “Rio de Janeiro”; no “Meteoro”, “Brasil”, “Vênus”, “Itapemirim”, “Satélite”, “Guajará” e “Ibiapaba, onde passou oito anos”. O último navio que comandou foi o “Monte Moreno”, de propriedade do Sr. Antenor Guimarães, do qual saiu em virtude de doença de sua esposa.
No dia 18 de outubro, na altura do golfo de Biscaia, na costa espanhola, o a tripulação do Macau percebeu que estava sendo seguido por dois submarinos alemães. Relatos de sobreviventes, feito a repórteres do jornal A Razão (19/12/2917), dão bem a ideia do que se passou:
“No dia 18 de outubro, às 5:20 h da tarde, quando navegávamos a cerca de 250 milhas  do cabo Finisterra, surpreendeu-nos o estrondo tremendo de um torpedo rebentando de encontro ao nosso navio, a meia não, do lado de bombordo. O navio adernou logo desse lado, o que causou a morte de dois infelizes companheiros nossos, um carvoeiro e um foguista, que estavam tirando carvão e ficaram subterrados debaixo da hulha.”
Recebendo ordem de parar, o comando do navio brasileiro obedeceu. O Comandante de um dos submersíveis, acompanhado de alguns oficiais, subiu a bordo e exigiu que a tripulação abandonasse o navio, que seria bombardeado.
Já acomodados nas diversas baleeiras, a tripulação pode distinguir o submersível, cor cinza, ostentando o número U-93. Na ponte se achava o comandante que, pedindo para que se aproximassem, perguntou:
“El Capitán?”
- Soi yo!,”, respondeu o Comandante Saturnino, pondo-se de pé.
- Venga...
O bote encostou no submarino e o Comandante subiu, seguido do taifeiro Arlindo Dias dos Santos que, julgando tivesse o alemão mandado subir toda a equipagem, o acompanhou. Nunca mais se teve notícias de ambos...
Depois disso, o submarino afastou-se e disparou 12 tiros até afundá-lo. Isso se deu a 46º de latitude Norte e 11 de longitude de Greenwiche, às 5 horas da tarde, de 22 para 23 de outubro de 1917, sem prévio aviso.[iv]
Nas principais cidades brasileiras levantaram-se protestos contra o torpedeamento do Macau. Em Maceió, a 28 de outubro de 1917[v], aconteceu um grande Ato, em que discursaram os jornalistas Guedes de Miranda, Aurino Maciel e Rodrigues de Melo. Após as manifestações, saíram em passeata pelas ruas da cidade, visitando as redações dos jornais Diário do Povo, Correio da Tarde e Jornal de Alagoas.
MENSAGEM DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA AO CONGRESSO NACIONAL[vi]
“Senhores Membros do Congresso Nacional,
Cumpro o penoso dever de comunicar ao Congresso Nacional que, por telegramas de Londres e de Madri, o Governo acaba de saber que foi torpedeado, por um submarino alemão, o navio brasileiro “Macau”, e que está preso o deu comandante.
A circunstância de ser este o quarto navio nosso posto a pique por forças navais alemãs é por si mesma grave, mas esta gravidade sobre de ponto com a prisão do comandante brasileiro.
Não há como, Senhores Membros do Congresso Nacional, iludir a situação ou deixar de constatar, já agora, o estado de guerra que nos é imposto pela Alemanha.
A prudência com que temos agido não exclui, antes nos dá a precisa autoridade, mantendo ilesa a dignidade da Nação, para aceitar os fatos como eles são e aconselhar represálias de franca beligerância.
Se o Congresso Nacional, em sua alta sabedoria, não resolver o contrário, o Governo mandará ocupar o navio de guerra alemão que está ancorado no porto da Bahia, fazendo prender a sua guarnição, e decretará a internação militar das equipagens dos navios mercantes de que nos utilizamos.
Parece chegado o momento, Senhores Membros do Congresso Nacional, de caracterizar na lei a posição de defensiva que nos têm determinado os acontecimentos, fortalecendo os aparelhos de resistência nacional e completando a evolução da nossa política externa, à altura das agressões que vier a sofrer o Brasil.
Palácio da Presidência, Rio de Janeiro, 25 de outubro de 1917.
Wenceslau Brás Pereira Gomes.”


Deputados apreciam Mensagem do Governo proponto o Estado
de Guerra. Foto: Fon-Fon.

O Senado apreciando a Mensagem de Estado de Guerra contra
a Alemanha. O Senador Ruy Barbosa discursa. Foto: Fon-Fon.
Grande aglomeração em frente ao Senado, aguardando a decisão
acerta da Declaração de  Estado de Guerra. Foto: O Malho.


Finalmente, ante a forte pressão popular, o Brasil declara guerra à Alemanha no dia 4 de novembro de 1917.

O Presidente Wenceslau Brás assina o Decreto. De pé, a seu lado, o Ministro das Relações Exteriores, Nilo Peçanha. À esquerda, o Vice-Presidente Urbano Santos. À direita, Delfim Moreira e Arthur Bernardes, Governador (então chamado Presidente) do Estado de Minas Gerais, e Arthur Bernardes, Deputado Federal pelo mesmo Estado. Foto: Fon-Fon, RJ, 03/11/2917.

Vapor Paraná, da Companhia Comércio e Navegação,
aqui no cais de Christiania, Noruega, torpedeado nas
 proximidades de Cherburgo (Normandia-França).
Em destaque o seu comandante, Cap. José da Silva Peixe.
 Foto: Fon-Fon, RJ, 14/04/1917.
O Vapor Tijuca, aqui no porto de Nova York, Foi torpedeado 
nas costas da Bretanha a 20/05/2017. Em destaque o seu comandante,
 Sr. Carlos Antônio Duarte. Foto: Fon-Fon, RJ, 26/05/1917.
Vapor Lapa, torpedeado a 200 milhas do porto de Cádiz. Foto: Fon-Fon, RJ, 02/06/1917.


ERA ALAGOANO, O COMANDANTE DO “MACAU”.


Saturnino Furtado de Mendonça era um tipo moreno, baixo, acaboclado, rosto oval, ostentando bigode e cabelos pretos. Extremamente simpático e de uma palestra excelente.[vii]
Era muito conhecido e estimado em todos os portos onde atracava. No Recife, em uma das vezes em que esteve comandando o Ipiapaba, submeteu-se a uma cirurgia com o Dr. Arnóbio Margues, no Hospital Português. Naquele porto esteve, pela última vez, em 22 de maio de 1916, de regresso de New York, no Guarajá.
Nasceu na Vila de Barra de Santo Antônio Grande, então pertencente ao município de São Luiz do Quitunde, Estado de Alagoas, a 29 de novembro de 1867. Era um dos nove filhos do casal Manuel Saturnino de Mendonça e Anna Joaquina Barbosa de Mendonça.
Manuel Furtado de Mendonça, pai de
Saturnino.
Seu pai, também nascido naquela Vila, em 21 de fevereiro de 1825, ainda muito moço foi nomeado professor público de instrução primária, função que desempenhou até 1890, quando foi jubilado. Ali mesmo faleceu a 26 de junho de 1910.[viii] Sua mãe, também professora primária, lecionou na mesma Vila pelo menos entre 1877 e 1896.[ix] Eram seus irmãos: José Furtado de Mendonça e Maria José de Mendonça Barros.
No dia 10 de janeiro de 1893, em São Luiz do Quitunde, casa-se com Hortência Cavalcante de Albuquerque, filha de Manoel Cavalcanti de Albuquerque e Anna Maria Cavalcanti de Albuquerque. Desse consórcio, já residindo no Rio de Janeiro, nasceram quatro filhos: Samuel, Victoriano, Mathilde e Sylvia.
Sua esposa, entretanto, faleceria a 27 de junho de 1908. Nesse mesmo ano, no Recife, contrairia novas núpcias com a Srtª Josephina Guilhermina da Silva.
Viúva, e com duas filhas menores, D. Josephina requereu indenização ao Lloyd, que nunca foi paga. O Estado brasileiro ofereceu uma pensão, que chegou a ser suspensa dois anos depois.
Saturnino Furtado de Mendonça é sempre referido em todas as histórias sobre a participação brasileira na 1ª Guerra Mundial, mas pouco se diz a respeito da sua origem, afinal aqui ressaltada, para orgulho dos seus conterrâneos de Alagoas e, especialmente, dos seus patrícios da Barra de Santo Antônio.
__________
Sugestão para o registro de referência:

AMORIM, Etevaldo Alves. COMANDANTE SATURNINO, UM ALAGOANO NA 1ª GUERRA MUNDIAL. Maceió, janeiro de 2010. Disponível em: http://www.blogdoetevaldo.blogspot.com.br. Acesso em: dia, mês e ano.


[i] Correio da Manhã, RJ, 10 de fevereiro de 1917.
[ii] Jornal do Comércio, RJ, 9 de dezembro de 1889
[iii] A Imprensa, RJ, 14 de setembro de 1899.
[iv] O Estado, SC, 28 de setembro de 1917.
[v] Gazeta de Notícias, RJ, 29 de outubro de 1917, p. 5.
[vi] Relatórios do Ministério das Relações Exteriores (RJ) - 1891 a 1928.
[vii] Jornal Pequeno, Recife-PE, 26/10/2017, p. 2.
[viii] O Malho, RJ, 3 de setembro de 1910, p. 39.
[ix] Gutenberg, Maceió-AL, 20 de junho de 1896.

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia