sábado, março 22

A VILA LIMOEIRO NO INÍCIO DOS ANOS 1970

 

Por Etevaldo Amorim


Corria o ano de 1972. Pão de Açúcar, Alagoas, Ginásio Dom Antônio Brandão, 8ª Série.


A colega Maria José Albuquerque comenta comigo que fora publicada, no jornal Gazeta de Alagoas, uma reportagem sobre a Vila Limoeiro (àquela época ainda chamada Vila Alecrim). Logo me interessei em ver. Assim que terminaram as aulas daquele dia, a generosa colega me levou até sua casa e me presenteou com o exemplar do referido periódico.


Limoeiro em 1968. À direita, a casa de "Dona Miúda". Foto: Jim Squire/Neide Alves Melo.


Sob o título FOME E MISÉRIA: RETRATO DE UM POVOADO ALAGOANO, com texto de Carlos Cavalcante e fotografia de Arlindo Tavares, que para lá foram levados pelo Sr. Epitácio Mendes[i], a reportagem publicada na edição de 11 de junho daquele ano revelava o estado em que se encontrava aquele lugar.


Eis o texto:


“Alecrim é um povoado pertencente ao município de Pão de Açúcar, com mais de 400 anos de existência, apresentando os seguintes aspectos: não tem luz, cinema, loja, padaria, feira, não passa ônibus no local, a missa é celebrada de dois em dois meses e só tem uma venda, que não possui qualquer tipo de medicamento.


A miséria é total. Na seca de 1970, mesmo sendo banhado pelo rio São Francisco, Alecrim sofreu a sua pior crise. Os seus habitantes, notadamente os mais pobres, chegaram a comer manga com farinha, enquanto muitos outros abandonaram o local em busca de melhores dias e até hoje não retornaram, permanecendo suas residências fechadas e sem ninguém saber os seus paradeiros, segundo declarou um de seus moradores, Lindauro Costa[ii], chefe da agência dos Correios em Belo Monte, o qual há 45 anos reside no local.


DISTÂNCIA


Alecrim distancia-se de Pão de Açúcar em apenas 15 km – 20 minutos de carro em uma boa estrada – e de Belo Monte apenas 5 km.


Para os habitantes de Alecrim, não se justifica que o povoado não tenha energia elétrica da CHESF, porque Belo Monte possui energia de Paulo Afonso, podendo, com um pequeno esforço, receber também o mesmo benefício. “O que falta mesmo é interesse”, declarou o Sr. Lindauro Costa.


TINHA LUZ


Até 1961[iii], o povoado tinha energia elétrica, produzida por um motor instalado pela Prefeitura Municipal. Neste ano, o motor apresentou defeito e de lá para cá nenhum prefeito de Pão de Açúcar lembrou-se de mandar consertá-lo. Apesar de já ter sido retirado, ainda continuam instalados os postes e os fios. Mas, iluminação mesmo, que é bom, não há.


Ninguém pode precisar exatamente quantos anos tem o povoado. Sabe-se apenas que existe há mais de 400 anos. O seu primeiro nome foi Limoeiro. Alecrim é o nome de uma fazenda que existe no local; mas como sua proprietária gozava de grande prestígio e influência, resolveu, há cerca de 20 anos, mudar o nome. O povoado agora chama-se Alecrim.


Apesar de atualmente viver em completa miséria, Alecrim, há quarenta anos passados, tinha um porto que servia para embarque e desembarque de mercadorias para Jacaré dos Homens, Batalha, Major Isidoro e Traipu.


O Sr Francisco Lemos tem uma estória interessante sobre a miséria de Alecrim: “minha avó contava que há aproximadamente 300 anos, o Padre Francisco[iv] – de Batalha – realizava sua primeira visita ao povoado. Ao descer da canoa observou, às margens do São Francisco, várias pessoas dançando nuas. Voltou para a canoa e disse, limpando os pés: “Fica-te terra do Limoeiro! Tu floras mas não vingas”.


A estória é conhecida por todos os habitantes do povoado. Apesar de muita gente não acreditar que a praga do padre Francisco tenha vingado, a verdade é que, deste tempo para cá, Alecrim tem vivido em constantes misérias.


ESCOLAS


Alecrim possui um estabelecimento de ensino: Escola Isolada Estadual de Alecrim, com duas professoras, 56 alunos e funcionando com as quatro séries primárias, no horário matutino; MOBRAL com 50 alunos e duas professoras e Escola Municipal, que tem 29 alunos e uma professora.

Limoeiro, 172. Aula noturna do MOBRAL, à luz de candeeiro. Foto Arlindo Tavares, Gazeta de Alagoas


HABITANTES


O povoado tem pouco mais de 300 habitantes, 117 casas e 5 ruas. Das 117 residências, 20 se encontram fechadas desde 1970, quando muitas famílias deixaram Alecrim, temendo maiores consequências ou mesmo a morte em virtude da longa estiagem que assolou o Nordeste.


Passados já dois anos, nenhum dos imigrantes retornou, e ninguém sabe dos seus paradeiros, pois até mesmo a agência dos Correios que existia no local foi fechada em 1970.


Linauro Costa, homem bastante instruído e perfeitamente entrosado com os problemas da região, declara: “Vivemos na maior desgraça. Duas crianças morrem por mês, por absoluta falta de assistência. Das muitas campanhas realizadas para erradicar doenças, nenhuma delas ainda passou por aqui. Ninguém se lembra da gente. Só mesmo em época de eleição, pois mesmo sendo pequeno, o povoado tem 120 eleitores, afora outros em idade de tirar o título, mas sem poder se deslocar para a cidade”.


ESTRADA


A única estrada de acesso a Alecrim encontra-se em estado lastimável. Além de sensivelmente prejudicada pelas chuvas – nenhum veículo pode chegar até lá – construíram uma cerca no meio da estrada, impedindo a passagem de mais de um veículo. Diversos apelos já foram lançados pelos moradores da região ao prefeito de Pão de Açúcar que, até agora, não se pronunciou sobre as possibilidades de melhorar as condições da rodovia.


COMUNICAÇÃO


A comunicação dos habitantes de Alecrim com outras regiões é completamente inexistente. Além de não possuir agência de correio, a única estrada de acesso está intransitável  com uma cerca no seu centro.


Sentindo a gravidade do problema, dona Maria Rosa Andrade, 78 anos de idae e mais conhecida como “Maria Miúda’, adquiriu um caixão, mortalha e uma garrafa de Pitu para dar ao coveiro no dia de sua morte.


Disse dona Maria Miúda “morando aqui há mais de 65 anos, sei muito bem que quem adoecer gravemente, nunca conseguirá se salvar, porque, além de não termos farmácias, a nossa única venda não dispõe de nenhuma espécie de medicamento.”


Além de ter adquirido todo o seu material, Dona Miúda comprou também um caixão, mortalha e garrafa de Pitu para os seus irmãos, João Andrde, 82 anos, e Maria José Lemos, com 72 anos, também moradores de Alecrim.


MISSA


Igreja de Jesus, Maria e José. Foto Arlindo Tavares. Gazeta de Alagoas.


Missa somente de dois em dois meses, celebrada pelo pároco de Batalha, que muitas vezes tem ultrapassado esse tempo, devido unicamente às condições intransitáveis das estradas.


A igreja tem mais de 300 anos. Os primeiros santos adquiridos, principalmente, os seus padroeiros Jesus, Maria e José, estão sendo destruídos pelo tempo. Novas imagens já foram adquiridas, enquanto as antigas estão em completo abandono. Mesmo considerando-se o grande valor histórico das imagens, nenhuma providência foi tomada, até agora, para sua conservação.


FONTES DE RIQUEZA


As principais fontes de riqueza do pobre povoado de Alecrim são o feijão, arroz e algodão. As terras são consideradas como da melhor qualidade. A maior parte delas está, porém, em completo abandono. Nem os seus proprietários querem explorá-las e nem as distribui com os moradores, que poderiam, em consequência, conseguir melhores condições.


Para os moradores de Alecrim só existe uma única salvação: o Plano de Irrigação do Nordeste, anunciado pelo Governo Federal. Sendo banhado pelo rio São Francisco, o povoado poderia ganhas novas condições de sobrevivência, não havendo, mesmo no verão, mais falta de água. Como a terra é de excelente qualidade, poderia apresentar boas produções de feijão, arroz, mandioca e milho.


Finalizando a reportagem, publicamos o apelo do Sr. Francisco Lemos: “esperamos que, com o trabalho da Gazeta de Alagoas, as autoridades procurem tomar conhecimento de nossa existência e que algumas medidas sejam colocadas em prática, porque se as coisas continuarem assim como vão, ninguém poderá precisar o nosso futuro. Queira Deus que as autoridades ouçam nosso apelo.”

 

Limoeiro, 1872. Rua Mário Vieira. Foto Arlindo Tavares, Gazeta de Alagoas




***   ***

NOTA:

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.

 


[i] Epitácio Mendes Silva. Filho de Francisco Mendes da Silva e Adélia Rodrigues da Silva, nasceu em Batalha no dia 3 de junho de 1933. Foi casado com Matilde Avaiusini Mendes Silva. Residia em Maceió e era proprietário da empresa IMUNILAR, pioneira em Alagoas no setor de prestação de serviços de vigilância e de limpeza e conservação. Faleceu em Maceió em 18 de dezembro de 2014.

[ii] Lindauro Costa. Filho de Antônio Luiz da Silva (Antônio de Severo) e Maria Custódia da Silva (dona Caboca), nasceu em Limoeiro em 1915. Casado com Salvelina Vieira Melo Costa, com quem teve os filhos Luis, Lindalvo e Sinval. Foi, por muitos anos, responsável pela agência dos Correio  em Limoeiro (Alecrim) até 1970, quando a agência fechou, passando a ser lotado na agência de Belo Monte. Militante político de esquerda, chegou a ser preso e processado durante o período da ditadura militar. Faleceu em Maceió no dia 9 de fevereiro de 2003, sendo sepultado no dia seguinte, na Vila Limoeiro.

[iii] Há aqui um equívoco.  Na verdade, o serviço de iluminação pública foi inaugurado em Limoeiro em 30 de março de 1958, na gestão do prefeito Elpídio Emídio dos Santos. A energia da CHESF só chegaria em 1976.

[iv] Trata-se do Pe. Francisco José Correia de Albuquerque.  Segundo Aldemar de Mendonça, em 1958,  foi publicada a 2ª edição da obra escrita por Padre Teotônio Ribeiro, Cônego honorário da Sé de Olinda e doutor em Cânones pela Universidade Gregoriana de Roma, denominada “Esboço biográfico do Dr. Francisco José Correia de Albuquerque” Presbítero Secular do Hábito de São Pedro. Era conhecido vulgarmente por Santo Padre Francisco. Nascido, talvez, em 1757, em Penedo-AL. Sobre Limoeiro, onde foram desatendidas umas tantas suas admoestações, depois de sacudir o pó das alpargatas: “Fica-te pó, que te não quero comigo levar nas alpargatas. Por ambição e inveja principiaste e por inveja e ambição hás de acabar. Quem aqui vier morar, não haverá de medrar”.

 

7 comentários:

  1. Excelente registro 👏👏👏👏

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  2. Qual a situação atual desse povoado?

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  3. Necy Thereza Novais Florêncio da silva22 março, 2025 18:03

    Atualmente o povoado ainda vive dessa forma?

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  4. Passados quase 53 anos, a Vila Limoeiro superou essa fase de dificuldades. A situação foi melhorando e hoje experimenta uma fase de relativo crescimento.

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  5. incrível história da minha terra 👏🏻❤️

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  6. Na dita seca de 1970, em um outro povoado ribeirinho, também no município de Pão de Açúcar, um determinado Senhor teria caminhado por 18 km até o dito povoado para comprar uma um litro de mel de engenho que pediu fosse colocado em uma cabaça que trazia. Quando o comerciante terminou de encher a cabaça, o Sr. faminto, confessou que seria fiado. O que não foi aceito pelo vendedor que despejou todo mel de volta. Então, com um misto de alívio e vergonha, o Sr. arrematou: "essa era minha intenção ao vir aqui. Agora volto pra casa quebro a cabaça, adiciono farinha e meus filhos irão dormir de barriga cheia"

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  7. Limoeiro... esse pequeno povoado também fez parte de minha infância. Mesmo já tendo nos mudado para Pão de Açúcar, costumava passar minhas férias em Belo Monte, na casa da madrinha Ester Machado. Ir a Limoeiro a pé, sob um sol escaldante, apenas por chamego de crianças, era um de nossos passatempos. A doçura de suas mangas parecia nos atrair. Pescar por algumas horas no Velho Chico durante o trajeto e caçar passarinhos também eram comuns

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia