Por Etevaldo
Amorim
Corria o ano de 1972. Pão
de Açúcar, Alagoas, Ginásio Dom Antônio Brandão, 8ª Série.
A colega Maria José
Albuquerque comenta comigo que fora publicada, no jornal Gazeta de Alagoas, uma
reportagem sobre a Vila Limoeiro (àquela época ainda chamada Vila Alecrim).
Logo me interessei em ver. Assim que terminaram as aulas daquele dia, a
generosa colega me levou até sua casa e me presenteou com o exemplar do
referido periódico.
Limoeiro em 1968. À direita, a casa de "Dona Miúda". Foto: Jim Squire/Neide Alves Melo. |
Sob o título FOME E
MISÉRIA: RETRATO DE UM POVOADO ALAGOANO, com texto de Carlos Cavalcante e
fotografia de Arlindo Tavares, que para lá foram levados pelo Sr. Epitácio
Mendes[i], a
reportagem publicada na edição de 11 de junho daquele ano revelava o estado em
que se encontrava aquele lugar.
Eis o texto:
“Alecrim é um povoado
pertencente ao município de Pão de Açúcar, com mais de 400 anos de existência,
apresentando os seguintes aspectos: não tem luz, cinema, loja, padaria, feira,
não passa ônibus no local, a missa é celebrada de dois em dois meses e só tem
uma venda, que não possui qualquer tipo de medicamento.
A miséria é total. Na seca
de 1970, mesmo sendo banhado pelo rio São Francisco, Alecrim sofreu a sua pior
crise. Os seus habitantes, notadamente os mais pobres, chegaram a comer manga
com farinha, enquanto muitos outros abandonaram o local em busca de melhores
dias e até hoje não retornaram, permanecendo suas residências fechadas e sem
ninguém saber os seus paradeiros, segundo declarou um de seus moradores, Lindauro
Costa[ii],
chefe da agência dos Correios em Belo Monte, o qual há 45 anos reside no local.
DISTÂNCIA
Alecrim distancia-se de
Pão de Açúcar em apenas 15 km – 20 minutos de carro em uma boa estrada – e de
Belo Monte apenas 5 km.
Para os habitantes de
Alecrim, não se justifica que o povoado não tenha energia elétrica da CHESF,
porque Belo Monte possui energia de Paulo Afonso, podendo, com um pequeno
esforço, receber também o mesmo benefício. “O que falta mesmo é interesse”, declarou
o Sr. Lindauro Costa.
TINHA LUZ
Até 1961[iii],
o povoado tinha energia elétrica, produzida por um motor instalado pela Prefeitura
Municipal. Neste ano, o motor apresentou defeito e de lá para cá nenhum
prefeito de Pão de Açúcar lembrou-se de mandar consertá-lo. Apesar de já ter
sido retirado, ainda continuam instalados os postes e os fios. Mas, iluminação mesmo,
que é bom, não há.
Ninguém pode precisar
exatamente quantos anos tem o povoado. Sabe-se apenas que existe há mais de 400
anos. O seu primeiro nome foi Limoeiro. Alecrim é o nome de uma fazenda que
existe no local; mas como sua proprietária gozava de grande prestígio e
influência, resolveu, há cerca de 20 anos, mudar o nome. O povoado agora
chama-se Alecrim.
Apesar de atualmente
viver em completa miséria, Alecrim, há quarenta anos passados, tinha um porto
que servia para embarque e desembarque de mercadorias para Jacaré dos Homens,
Batalha, Major Isidoro e Traipu.
O Sr Francisco Lemos
tem uma estória interessante sobre a miséria de Alecrim: “minha avó contava que
há aproximadamente 300 anos, o Padre Francisco[iv] –
de Batalha – realizava sua primeira visita ao povoado. Ao descer da canoa
observou, às margens do São Francisco, várias pessoas dançando nuas. Voltou
para a canoa e disse, limpando os pés: “Fica-te terra do Limoeiro! Tu floras
mas não vingas”.
A estória é conhecida
por todos os habitantes do povoado. Apesar de muita gente não acreditar que a
praga do padre Francisco tenha vingado, a verdade é que, deste tempo para cá,
Alecrim tem vivido em constantes misérias.
ESCOLAS
Alecrim possui um
estabelecimento de ensino: Escola Isolada Estadual de Alecrim, com duas
professoras, 56 alunos e funcionando com as quatro séries primárias, no horário
matutino; MOBRAL com 50 alunos e duas professoras e Escola Municipal, que tem
29 alunos e uma professora.
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Limoeiro, 172. Aula noturna do MOBRAL, à luz de candeeiro. Foto Arlindo Tavares, Gazeta de Alagoas |
HABITANTES
O povoado tem pouco
mais de 300 habitantes, 117 casas e 5 ruas. Das 117 residências, 20 se
encontram fechadas desde 1970, quando muitas famílias deixaram Alecrim, temendo
maiores consequências ou mesmo a morte em virtude da longa estiagem que assolou
o Nordeste.
Passados já dois anos,
nenhum dos imigrantes retornou, e ninguém sabe dos seus paradeiros, pois até
mesmo a agência dos Correios que existia no local foi fechada em 1970.
Linauro Costa, homem
bastante instruído e perfeitamente entrosado com os problemas da região,
declara: “Vivemos na maior desgraça. Duas crianças morrem por mês, por absoluta
falta de assistência. Das muitas campanhas realizadas para erradicar doenças,
nenhuma delas ainda passou por aqui. Ninguém se lembra da gente. Só mesmo em
época de eleição, pois mesmo sendo pequeno, o povoado tem 120 eleitores, afora
outros em idade de tirar o título, mas sem poder se deslocar para a cidade”.
ESTRADA
A única estrada de
acesso a Alecrim encontra-se em estado lastimável. Além de sensivelmente prejudicada
pelas chuvas – nenhum veículo pode chegar até lá – construíram uma cerca no
meio da estrada, impedindo a passagem de mais de um veículo. Diversos apelos já
foram lançados pelos moradores da região ao prefeito de Pão de Açúcar que, até
agora, não se pronunciou sobre as possibilidades de melhorar as condições da
rodovia.
COMUNICAÇÃO
A comunicação dos habitantes de Alecrim com
outras regiões é completamente inexistente. Além de não possuir agência de
correio, a única estrada de acesso está intransitável com uma cerca no seu centro.
Sentindo a gravidade do
problema, dona Maria Rosa Andrade, 78 anos de idae e mais conhecida como “Maria
Miúda’, adquiriu um caixão, mortalha e uma garrafa de Pitu para dar ao coveiro
no dia de sua morte.
Disse dona Maria Miúda “morando
aqui há mais de 65 anos, sei muito bem que quem adoecer gravemente, nunca
conseguirá se salvar, porque, além de não termos farmácias, a nossa única venda
não dispõe de nenhuma espécie de medicamento.”
Além de ter adquirido
todo o seu material, Dona Miúda comprou também um caixão, mortalha e garrafa de
Pitu para os seus irmãos, João Andrde, 82 anos, e Maria José Lemos, com 72
anos, também moradores de Alecrim.
MISSA
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Igreja de Jesus, Maria e José. Foto Arlindo Tavares. Gazeta de Alagoas. |
Missa somente de dois
em dois meses, celebrada pelo pároco de Batalha, que muitas vezes tem
ultrapassado esse tempo, devido unicamente às condições intransitáveis das
estradas.
A igreja tem mais de
300 anos. Os primeiros santos adquiridos, principalmente, os seus padroeiros
Jesus, Maria e José, estão sendo destruídos pelo tempo. Novas imagens já foram
adquiridas, enquanto as antigas estão em completo abandono. Mesmo considerando-se
o grande valor histórico das imagens, nenhuma providência foi tomada, até
agora, para sua conservação.
FONTES DE RIQUEZA
As principais fontes de
riqueza do pobre povoado de Alecrim são o feijão, arroz e algodão. As terras
são consideradas como da melhor qualidade. A maior parte delas está, porém, em
completo abandono. Nem os seus proprietários querem explorá-las e nem as
distribui com os moradores, que poderiam, em consequência, conseguir melhores
condições.
Para os moradores de
Alecrim só existe uma única salvação: o Plano de Irrigação do Nordeste,
anunciado pelo Governo Federal. Sendo banhado pelo rio São Francisco, o povoado
poderia ganhas novas condições de sobrevivência, não havendo, mesmo no verão,
mais falta de água. Como a terra é de excelente qualidade, poderia apresentar
boas produções de feijão, arroz, mandioca e milho.
Finalizando a
reportagem, publicamos o apelo do Sr. Francisco Lemos: “esperamos que, com o trabalho
da Gazeta de Alagoas, as autoridades procurem tomar conhecimento de nossa
existência e que algumas medidas sejam colocadas em prática, porque se as coisas
continuarem assim como vão, ninguém poderá precisar o nosso futuro. Queira Deus
que as autoridades ouçam nosso apelo.”
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Limoeiro, 1872. Rua Mário Vieira. Foto Arlindo Tavares, Gazeta de Alagoas |
NOTA:
Caro leitor,
Deste Blog, que tem
como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações
históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em
geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica.
Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em
qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas
fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências.
Isso é correto e justo.
[i] Epitácio Mendes Silva. Filho de Francisco Mendes da Silva e Adélia Rodrigues da Silva, nasceu em Batalha no dia 3 de junho de 1933. Foi casado com Matilde Avaiusini Mendes Silva. Residia em Maceió e era proprietário da empresa IMUNILAR, pioneira em Alagoas no setor de prestação de serviços de vigilância e de limpeza e conservação. Faleceu em Maceió em 18 de dezembro de 2014.
[ii] Lindauro Costa. Filho de Antônio Luiz da Silva (Antônio de Severo) e Maria Custódia da Silva (dona Caboca), nasceu em Limoeiro em 1915. Casado com Salvelina Vieira Melo Costa, com quem teve os filhos Luis, Lindalvo e Sinval. Foi, por muitos anos, responsável pela agência dos Correio em Limoeiro (Alecrim) até 1970, quando a agência fechou, passando a ser lotado na agência de Belo Monte. Militante político de esquerda, chegou a ser preso e processado durante o período da ditadura militar. Faleceu em Maceió no dia 9 de fevereiro de 2003, sendo sepultado no dia seguinte, na Vila Limoeiro.
[iii] Há aqui um equívoco. Na verdade, o serviço de iluminação pública foi inaugurado em Limoeiro em 30 de março de 1958, na gestão do prefeito Elpídio Emídio dos Santos. A energia da CHESF só chegaria em 1976.
[iv]
Trata-se do Pe. Francisco José Correia de Albuquerque. Segundo Aldemar de Mendonça, em 1958, foi publicada a 2ª edição da obra escrita por
Padre Teotônio Ribeiro, Cônego honorário da Sé de Olinda e doutor em Cânones
pela Universidade Gregoriana de Roma, denominada “Esboço biográfico do Dr.
Francisco José Correia de Albuquerque” Presbítero Secular do Hábito de São
Pedro. Era conhecido vulgarmente por Santo Padre Francisco. Nascido, talvez, em
1757, em Penedo-AL. Sobre Limoeiro, onde foram desatendidas umas tantas suas
admoestações, depois de sacudir o pó das alpargatas: “Fica-te pó, que te não
quero comigo levar nas alpargatas. Por ambição e inveja principiaste e por
inveja e ambição hás de acabar. Quem aqui vier morar, não haverá de medrar”.
Excelente registro 👏👏👏👏
ResponderExcluirQual a situação atual desse povoado?
ResponderExcluirAtualmente o povoado ainda vive dessa forma?
ResponderExcluirPassados quase 53 anos, a Vila Limoeiro superou essa fase de dificuldades. A situação foi melhorando e hoje experimenta uma fase de relativo crescimento.
ResponderExcluirincrível história da minha terra 👏🏻❤️
ResponderExcluirNa dita seca de 1970, em um outro povoado ribeirinho, também no município de Pão de Açúcar, um determinado Senhor teria caminhado por 18 km até o dito povoado para comprar uma um litro de mel de engenho que pediu fosse colocado em uma cabaça que trazia. Quando o comerciante terminou de encher a cabaça, o Sr. faminto, confessou que seria fiado. O que não foi aceito pelo vendedor que despejou todo mel de volta. Então, com um misto de alívio e vergonha, o Sr. arrematou: "essa era minha intenção ao vir aqui. Agora volto pra casa quebro a cabaça, adiciono farinha e meus filhos irão dormir de barriga cheia"
ResponderExcluirLimoeiro... esse pequeno povoado também fez parte de minha infância. Mesmo já tendo nos mudado para Pão de Açúcar, costumava passar minhas férias em Belo Monte, na casa da madrinha Ester Machado. Ir a Limoeiro a pé, sob um sol escaldante, apenas por chamego de crianças, era um de nossos passatempos. A doçura de suas mangas parecia nos atrair. Pescar por algumas horas no Velho Chico durante o trajeto e caçar passarinhos também eram comuns
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