Por Etevaldo
Amorim
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Bráulio Cavalcante em sua formatura, em 1911. Foto: acervo Homero Cavalcante. |
10 de março! Nesta data,
há 113 anos, era assassinado o jovem tribuno pão-de-açucarense Bráulio
Cavalcante. Poeta e idealista, tendo ainda toda a vida pela frente, sucumbiu
ante as forças mais retrógradas da época.
Desde os tempos de Faculdade,
como estudante de Direito no Recife, Bráulio não deixava de cuidar das coisas
da sua terra. Durante as férias, participava ativamente dos eventos culturais e
de outros que faziam parte do cotidiano dos seus conterrâneos. Nessas ocasiões,
exercitava seus dotes de oratória.
Em 17 de janeiro de
1910, por exemplo, participou da festa de inauguração da canoa de seu Irineu
Maciel, de nome Iacina, saudando o Sr. Vicente Amaral, proprietário do jornal
Diário de Notícias, da Bahia.[i]
Pôr na água uma embarcação, depois de meses de construção em estaleiros
improvisados à beira do rio, era motivo de festa.[ii]
Com o Grupo Dramático
J. M. Goulart de Andrade, esteve em Santana do Ipanema, em apresentações das
peças “O prêmio da virtude” e “O Financeiro”, com muito aplauso e grande
frequência. (A IDÉIA, 06/02/1910)
Em maio do mesmo ano,
esteve presente no ato de “assentamento
da cumeeira” do Polyteama que receberia o nome do renomado poeta alagoano
José Maria Goulart de Andrade, construído na então Rua Aurora (depois Rua Dr.
Paes Barreto e atualmente Prof. Antônio de Feitas Machado). Na ocasião, usou da
palavra para agradecer, em nome do Grupo, aos discursos do Capitão Manoel Rego,
Luiz Fialho e Álvaro Machado. Nesse mesmo prédio, funcionaria depois o Cine
Teatro Palace.[iii]
No mês seguinte, lá
estava ele num festival, no mesmo teatro, abrilhantado pela banda União e
Perseverança. Foram encenadas as peças “A vingança do plebeu” e “O pato
recheado”, junto a Manoel Pereira Filho. Entre aquele drama e esta comédia,
falaram Lucilo Mesquita e Bráulio Cavalcante.[iv]
Bráulio demonstrava
verdadeira adoração por Alagoas, por Pão de Açúcar, pela família, pelos amigos.
Seus versos eram carregados de romantismo e até de uma certa nostalgia
O Blog do Etevaldo,
atuando sob o tema HISTÓRIA E LITERATURA, cumpre o dever de registrar esse fato
que constitui peça importante na história de Pão de Açúcar e de Alagoas.
*** ***
A MARCHA DERRADEIRA
Domingo, 10 de março de
1912. O centro de Maceió é tomado por extraordinária massa popular, protestando
contra o retorno de Euclides Malta que, pressionado, houvera se ausentado do
Estado há mais de um mês. Desde o porto de Jaraguá até o Palácio dos Martírios,
embora escoltada por forte esquema policial, tendo à frente o General Olympio
da Fonseca[v], a
Comitiva teve que suportar insultos da população, enquanto os sinos das igrejas
dobravam a finados.
A passeata seguia pela
Rua do Livramento. À frente o Dr. Bráulio Cavalcante, jovem liderança
oposicionista, recém-formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade do
Recife, e a quatro dias de completar vinte e cinco anos.
Os manifestantes
alcançam a Praça Deodoro, recebendo cada vez mais adeptos. A seu lado, o
acadêmico José Moreira da Silva Lima, repórter do Jornal de Alagoas, que seria
depois Prefeito de Maceió e emprestaria seu nome a uma das principais artérias da
Capital, a avenida Moreira Lima. (para saber mais sobre Moreira Lima clique
AQUI)
À direita, tomaram a
Rua do Macena (atual Cincinato Pinto) e, em seguida, adentram a Rua Augusta
(depois chamada Ladislau Neto e hoje popularmente conhecida por “rua das
árvores”). Dobram à esquerda e percorrem o último trecho da Rua do Comércio.
Em meio àquela
agitação, talvez tenha ele lembrado os tempos calmos da sua terra natal; das
apresentações do Grupo de Teatro Paz e Progresso no Politheama Goulart de
Andrade, ao lado de Luiz Paulo e Antônio Maia; das crônicas e poemas publicados
nos jornais locais; ou mesmo da inauguração da Banda Musical Euterpe de Pão de
Açúcar, regida pelo Mestre Abílio Mendonça, há menos de um ano, quando usou da
palavra ao lado do Promotor Luiz Medeiros..[vi]
Chegam finalmente à
Praça dos Martírios. Nada lhe poderia
vir à mente senão os temas do discurso que teria de fazer na condição de orador
da Campanha.
Segundo reportagem do
Jornal de Alagoas, edição de 15/03/1912, ao aproximar-se da estátua de Floriano
Peixoto, três soldados do 8º Pelotão, comandados pelo Tenente Brayner, o intimaram a interromper a manifestação.
Bráulio ponderou que estava no exercício de um direito assegurado pela
Constituição da República; que não se cogitava de desrespeitar as autoridades.
A resposta foi a ordem de prisão contra ele, seguida de um tumulto
incontrolável. Atravessado por uma bala, Bráulio caiu ferido mortalmente. Seu
corpo, inicialmente colocado no saguão do Palácio, foi depois transportado para
a casa do seu irmão Pedro.
No seu registro de
óbito, lavrado pelo escrivão Luiz de França Cerqueira, com base no atestado
fornecido pelo Dr. Afrânio Jorge, diz:
“Nº 93. Aos onde dias do mês de Março do ano de mil novecentos e doze, neste primeiro distrito do Município e Cidade de Maceió, Capital do Estado de Alagoas, compareceu em meu cartório Sátyro de Araújo Marques[vii], encarregado de enterros, exibindo atestado do Doutor Afrânio de Araújo Marques[viii], médico, declarou: Que faleceu ontem, às cinco e meia horas da tarde, na Praça dos Martírios, desta cidade, o Bacharel Bráulio Guatimosim Cavalcante, com vinte e quatro anos de idade, solteiro, natural deste Estado, residente neste Distrito, vítima de ferimento penetrante da cavidade torácica, e produzido por arma de fogo, e tem de ser sepultado no cemitério público. O falecido era filho legítimo do Major José Venustiniano Cavalcante e de sua mulher Doma Maria Olympia Cavalcante. Que, para constar, lavre este termo que assino com o declarante. Eu, Luiz de França Cerqueira, escrivão, o fiz escrever e assino. (a) Luiz de França Cerqueira e Satyro de Araújo Marques.”
Em depoimento ao jornal Diário do Povo, de Maceió-AL, órgão do Partido Republicano Conservador, edição de 1º de abril de 1917, o Dr. Afrânio Jorge esclarece:
"No dia em que o Tenente Brayner foi ferido, dia em que se finou Bráulio Cavalcante, estava eu de saída com minha família, quando rompeu o tiroteio, findo o qual o distinto moço Sr. Affonso Ribeiro de Mello[xi], acompanhado de duras praças, me veio pedir para socorrer os feridos, que os havia.
E eu fui, tendo examinado
primeiro a Bráulio, já sem vida e, após, ao tenente Brayner, em estado comatoso
e sem salvação possível.
A cena que se diz lá se
ter dado é falsa, bem como ter saído eu para a praça atear o facho da rebelião
entre os soberanos, cá fora na praça o lugar mais limpo deles.
Eu me retirei do saguão
do palácio depois que levaram o tenente para cima e, na praça, parei alguns
instantes para responder a algumas perguntas do Dr. José da Rocha
Cavalcante de saudosa memória, que
entrava na praça pela rua do Comércio, acompanhado de um outro cidadão, de quem
não me recordo.
Durante este pequeno
lapso de tempo, o tenente Cunha (o que está lá para o Paraná), pretendeu
dispersar-nos, o que não levou a efeito.
Quando a casa do Dr.
Mascarenhas[xii] foi atacada, eu estava em
minha residência, como poderá informar o Sr. Coronel Clemente Silveira, que foi
quem, com toda a delicadeza, impediu que um irmão do Dr. Mascarenhas fosse à
casa do mesmo, convencendo-o da imprudência desse movimento.
De casa eu saí logo após
para cuidar dos feridos, prestando os primeiros cuidados a Júlio Floriano
Caldas e daí seguindo para o hospital de São Vicente onde, em companhia do Dr.
Armando Silva, cuidei de três feridos, um dos quais é um moço que trabalha no
Diário Oficial, e que teve de sofrer, dias depois, no Hospital Militar, para
onde fora transferido, por pertencer ao Tiro Alagoano, a amputação da perna."
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O tenente João das Neves Lima Brayner. |
O tenente Brayner também foi ferido, vindo a falecer três dias depois. O seu registro de óbito, lavrado pelo mesmo escrivão, com base no atestado fornecido pelo médico Alfredo de
Barros Loureiro Brandão, reza:
“Nº 97. Aos treze dias
do mês de março do ano de mil, novecentos e doze, neste primeiro distrito do
município de cidade de Maceió, Capital do Estado de Alagoas, compareceu em meu
cartório Alfredo Fiock Pinto[ix],
encarregado de enterros e exibindo atestado do Doutor Alfredo de Barros
Loureiro Brandão[x],
médico, declarou: Que faleceu hoje às doze horas da madrugada, digo, doze e
meia horas da madrugada, na Enfermaria Militar, desta cidade, o
Primeiro-Tenente JOÃO DAS NEVES LIMA BRAYNER, com quarenta e cinco anos de
idade, natural da Paraíba do Norte, residente neste Distrito, Oficial do
Exército, vítima de hemorragia cerebral em consequência de ferimento por arma
de fogo, e tem de ser sepultado no cemitério público. O falecido era casado com
Dona Anna Camboim Breayner e deste seu consórcio deixou nove filhos: Antônio
Lima Brayner, Corintha Lima Brayner, Floriano Lima Brayner, Ary Lima Brayner,
Jurandir Lima Brayner, Corina Lima Brayner, Coralina Lima Brayner, digo Corina
Lima Brayner, Ruy Lima Brayner, Corália Lima Brayner, Coralina Lima Brayner. Do
que, para constar, lavrei este termo que assino com o declarante. Eu Luiz de
França Cerqueira, escrivão, o fiz escrever e assino. (a) Luiz de França
Cerqueira.”
Nos dias que se
seguiram, Maceió continuou sob forte tensão, com o povo nas ruas promovendo
manifestações. Entre elas, o funeral de Bráulio, num cortejo de cerca de oito
mil pessoas, número significativo, considerando que a população de Maceió, em
1920, seria de 74.166, segundo o IBGE.
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Funeral de Bráulio Cavalcante. O Malho, 06/04/1912. |
Para saber mais sobre Bráulio Cavalcante e o contexto político daquela época, clique em BRÁULIO XBRAYNER – A PENA E A ESPADA.
Publicado na Gazeta de
Alagoas, edição de 3 de março de 2012.
Caro leitor,
Deste Blog, que tem
como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações
históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em
geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica.
Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em
qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas
fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências.
Isso é correto e justo.
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[i] Nasceu em Mata Grande-AL, a 30 de junho de 1857 e faleceu em Salvador-BA, em 15 de outubro de 1929. Era casado com Silvina de Mendonça Barros, sobrinha do Pe. Antônio José Soares de Mendonça, primeiro vigário da freguesia de Pão de Açúcar.
[ii] A Ideia, 23 de janeiro de 1910.
[iii] A Ideia, 1º de maio de 1910.
[iv] A Ideia, 19 de junho de 1910.
[v] General Olympio de Carvalho Fonseca, Inspetor-Interino da 6ª Região Militar. Filho de Severiano Martins da Fonseca (irmão do Marechal Deodoro da Fonseca) e Maria Amália de Carvalho. Nasceu no Rio de Janeiro no dia 27 de janeiro de 1857 e lá faleceu 6 de maio de 1930. Casou-se em 7 de março de 1883, com Albertina Augusta Barbedo.
[vii] Satyro de Araújo Marques. Natural de Sergipe, filho de Cândido José Marques e Maria Florência de Araújo Marques. Casado, em 1910, com Margarida de Almeida Cardoso.
[viii] Certamente há um erro aqui. Não havia, em Maceió, médico com o nome de Afrânio de Araújo Marques. Por certo o escrivão confundiu com o sobrenome do declarante (Satyro de Araújo Marques). O médico que forneceu o atestado foi o Dr. Afrânio Augusto de Araújo Jorge.
[ix] Alfredo Fiock Pinto. Natural de Pernambuco, faleceu no Rio de Janeiro em 25 de setembro de 1933. Filho de Francisco Inácio Pinto e Emília Erundina Fiock Romano. Casado com Maria Quitéria Fernandes Pinto.
[x]
Dr. Alfredo de Barros Loureiro Brandão. Nasceu em Viçosa – AL, em 19 de fevereiro de 1874 e faleceu em Maceió –
AL em 6 de janeiro de 1944. Escritor, médico. Filho de Teotônio Torquato
Brandão e Francisca de Barros Loureiro Brandão.
[xii] Luiz de Castro Mascarenhas. (Maceió - AL 01/04/1882 – Maceió - AL 23/07/1926). Na ocasião era Secretário do Interior. Filho de Felinto de Castro Mascarenhas e Maria Adelaide de Mascarenhas.
A figura de Bráulio Cavalcante muito nos honra ao representar milhões de brasileiros que lutaram e os que continuam com esse mesmo pensamento de defender a nossa liberdade
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