domingo, junho 29

UM TREM PARA PÃO DE AÇÚCAR

 

Por Etevaldo Amorim


Estação da EFPA em Piranhas. Foto: Site História de Alagoas


Nos tempos em que, no Brasil, as ferrovias experimentaram significativa expansão, foi construída em Alagoas a Estrada de Ferro Paulo Afonso, graças à influência do Visconde de Sinimbu, então Presidente do Conselho de Ministros (de 5 de janeiro de 1878 a 28 de março de 1880).


Objetivando fazer a interligação entre os cursos Baixo e Médio do rio São Francisco, a via férrea consistia num percurso de 117 km, partindo de Piranhas (então pertencente a Pão de Açúcar) e Jatobá, na Província de Pernambuco. Tendo o seu trecho inicial (de Piranhas a Olhos d'Água, atual Olho D'Água do Casado), inaugurado em 25 de fevereiro de 1881, foi finalmente concluída até Jatobá em 2 de agosto de 1883.


A estrada trouxe, incontestavelmente, muitos benefícios para a Região. Entretanto, até ser extinta em 1964, a Paulo Afonso sofreu muitos revezes, incluindo dois pavorosos acidentes e a pecha de ser deficitária.


Outro ponto controverso foi a concepção do seu traçado. Alguns analistas eram da opinião de que Pão de Açúcar (e não Piranhas) é que deveria ter sido escolhida como ponto de partida da ferrovia, chegando ao ponto de sugerir uma revisão desse trecho, realocando a nova Estação Central.


Comecemos com esse artigo do correspondente especial do Diário de Pernambuco em Alagoas, publicado na edição de 23 de setembro de 1920[i]


“Maceió, 19 de setembro de 1920. Assim como há indivíduos que são constantemente vítimas de um determinismo funesto, há também empresas que nasceram sob o influxo maligno de um fado adverso. A Estrada de Ferro de Paulo Afonso é uma dessas empresas.


Desde que o engenheiro Krauss foi, em 1868, incumbido de fazer os estudos dessa via férrea, cuja construção se iniciou em 1878, na vigência de uma das mais terríveis secas que tem flagelado o Nordeste, até hoje, aquela estrada ainda não deixou margem à menor compensação para a soma aproximada de 7 mil contos que custou, sendo de quase 100 contos o déficit anual por ela deixado.


Apesar de otimamente construída, a Estrada de Ferro Paulo Afonso tem tido desastres horrorosos dos quais são mais notáveis os que ocorreram a 17 de julho de 1880 e a 20 de janeiro de 1891.


O seu traçado é dos piores, porquanto a sua estação central está situada em lugar cujas condições topográficas são muito desfavoráveis e a sua estação terminal não fica em lugar adequado à larga expansão. Não são melhores os pontos onde se acham as estações intermediárias.


O que o bom senso estava mostrando era que a estrada de ferro deveria partir de Pão de Açúcar ou Entre-Montes, localidades em que se torna difícil a navegação do São Francisco, terminando em Tacaratu, região provida de terrenos fertilíssimos e de excelentes brejos adaptados não só à bovinocultura como, principalmente, à policultura.


Obedecendo a essa diretriz, a via férrea alcançaria Água Branca e Paulo Afonso (atual Mata Grande), verdadeiros oásis no meio de uma zona desértica, onde se levanta somente uma flora de cactáceas.


E bastariam essas duas cidades, que ainda poderiam ser beneficiadas por um ramal da Paulo Afonso para lhe garantir os mais opulentos lucros quintuplicados talvez pelas rendas oriundas de Tacaratu.


Entretanto, na construção da via acelerada predominou o capricho e a cupidez, fazendo-se dispendiosíssimos trabalhos, muitos deles meramente suntuários, e... o resultado é que Paulo Afonso está hoje reduzida a condições de pasmosa e terrível precariedade.


Chega a tal ponto a decadência dessa estrada, que ela não tem uma locomotiva em sofrível estado e todas as vezes que de piranhas parte um trem para Jatobá, é preciso que siga após ele um empregado para ir pachorrentamente apanhando as peças que caem da imprestável locomotiva.


É doloroso que se verifique fatos desta ordem em um país onde há tanta deficiência de meios fáceis de transporte!!”

***   ***


Mapa da ESPA. Foto: Site História de Alagoas


Outra opinião nesse sentido partiu do senador alagoano Eusébio de Andrade, que apresentou ao Senado a seguinte Indicação[ii]:


“A Estrada de Ferro Paulo Afonso precisa, para dar resultado compensador ao enorme capital que representa, que tenha o devido desenvolvimento.


O fim que o governo imperial teve em vista, por ocasião da terrível seca de 1877, foi, principalmente, aproveitar milhares de braços dos indivíduos que tangidos e acossados do Nordeste em dolorosa emigração procuravam, pelas margens do São Francisco, o litoral, e nesse sentido, foi decretada a construção a estrada, tendo por objetivo ligar o Alto ao Baixo rio S. Francisco.


O erro do traçado foi logo depois de terminada a construção reconhecido por todos os técnicos. A comissão de estudos, tendo unicamente em vista e preocupada somente em ligar os dois trechos do majestoso S. Francisco pela mais curta distância, esqueceu-se de todos os demais preceitos econômicos.


‘Procurando apenas encurtar a distância, escreveu um dos diretores dessa ferrovia, o saudoso Dr. Mello Netto[iii], a Comissão levou-a para uma zona desabitada, pedregosa e estéril, atravessando enormes tabuleiros de caatingas e pedregosos leitos de riachos secos que só têm água durante a estação invernosa, até chegar ao seu ponto objetivo; quando, entretanto, era evidente que seria preferível estender-se este traçado em melhores condições técnicas e econômicas.’


É urgente, portanto, sanado esse mal, dar à indicada ferrovia outro destino que não o de uma simples estrada de socorro, transformando-a, como tudo impõe, no seio do sertão onde foi plantada, em um elemento real de desenvolvimento, estímulo e auxílio à exploração das riquezas de uma grande zona no território nacional e dando à Nação as vantagens indiretas que as empresas de transporte ferroviário proporcionam.


Sala das Sessões, 10 de dezembro de 1920.”


prossegue:


“A remodelação do traçado da Estrada de Ferro Paulo Afonso é uma medida urgente e inadiável e deve consistir em ligar Pão de Açúcar a Piranhas, e esta vila a Água Branca, Paulo Afonso e Tacaratu.


Em Pão de Açúcar deve ficar a estação inicial daquela ferrovia, porque, além desta cidade (que pode ter o mais belo futuro, visto ser habitada por um povo laborioso e inteligente) é difícil a navegação do S. Francisco e impedida por numerosos recifes, tais como o de Magahen (provavelmente corruptela de Magalhães), pedras da huna e do Mateus.


Partindo a estrada de Pão de Açúcar, poderia ter uma estação no povoado da Ilha do Ferro, outra em Entre-Montes e uma parada em Jacarezinho[iv], onde existe magnífica salitreira, em outros tempos explorada pelos jesuítas.


Também seria de conveniência estabelecer uma estação no lugarejo incipiente denominado Boa Vista. Ligada Piranhas à zona das matas (Água Branca e Paulo Afonso), ampliaria consideravelmente as possibilidades da Pedra e aproveitaria muito ao desenvolvimento daqueles municípios, que são verdadeiros “oásis” no meio da aridez circunjante. Terminando em Tacaratu, a Estrada de Ferro faria reviver uma região esplêndida e dotada de recursos ótimos.”


Tivessem os técnicos e os políticos da época levado em conta todas essas ponderações, Pão de Açúcar poderia ter sido brindada, naquelas últimas décadas do Século XIX, com uma estrada de ferro.


Dá prá imagina o porto repleto de canoas de navios, o intenso traslado de cargas, passageiros embarcando... O trem apita e parte. Transpõe o Cavalete, passa na ponte sobre o riacho Pau-Ferro, ... Uma breve passagem pela Estação da Ilha do Ferro, depois Entre-Montes e segue até o ponto final, em Pernambuco.


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Obra de arte da antiga EFPA. Foto: Ida Wanderley Tenório

Obra de arte da antiga EFPA. Foto: Ida Wanderley Tenório

Obra de arte da antiga EFPA. Foto: Ida Wanderley Tenório




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NOTA:

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo. Tratamento de imagem: Vívia Amorim



[i] DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 23 de setembro de 1920.

[ii] DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 8 de fevereiro de 1921.

[iii] Antônio de Souza Mello e Netto, Diretor da Estrada de Ferro Paulo Afonso. Irmão de Ladislau Netto.

[iv] Não se trata do Jacarezinho de Pão de Açúcar, mas de um povoado situado no atual município de Olho d’Água do Casado.

2 comentários:

  1. Parece muito provável, estar esclarecido sobre a mina de salitre da serra de São Gregório descrita pelo sargento - mor Diogo de Campos Moreno no "Livro que dá Razão do Estado do Brasil " publicado em 1612 - onde está escrito o trecho que diz dá povoação do porto Jasuaba ,Jaciobá - Pão de Açúcar em 1611. Pois do porto de Jasuaba se tinha acesso a serra de São Gregório onde estava a dita mina de salitre que no Brasil colonial chegou a ser explorada pelos Jesuítas , hoje região compreendida no lugar Jacarezinho , interior de Olho d'água do Casado - Alagoas

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  2. Sonhar ainda não está proibido. Quiçá, algumas décadas adiante, a lenta mas persistente evolução comercial que ocorre nessa região não transforme em realidade essa possibilidade de efetivar um transporte ferroviário que ajude a escoar as diversas riquezas ali disponibilizadas e pouco exploradas?

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia