quinta-feira, setembro 25

POVOADO IPUEIRA – A ORIGEM DE SEU NOME

 

Por Etevaldo Amorim

 

O povoado Ipueira, Pão de Açúcar-AL


Onde você mora? Para onde você vai?


– Moro nas Impueiras. Vou para as Impueiras – diz a maioria das pessoas referindo-se ao nosso simpático povoado, que tem experimentado notável crescimento nos últimos anos.


Isso é fruto do linguajar corriqueiro, que perdura a ponto de se acreditar como correto. Entretanto, a bem da boa prática do nosso idioma, faz-se necessário dizer que a grafia correta é IPUEIRA que, em tupi-guarani, significa “lugar raso onde a água se acumula” ou "rio que já correu".


Etimologicamente, segundo o dicionário de Aurélio Buarque de Holanda, o nome IPUEIRA deriva de IPU, que significa “terreno úmido adjacente às montanhas, e que forma várzeas ou vales por onde corre a água que deriva das mesmas montanhas.


De fato, a um simples passar, notamos a existência de pequenas poças espalhadas pelo terreno que margeia a estrada, provavelmente originárias de nascentes existentes ao sopé da Serra do Meirus, ou mesmo de águas pluviais.


Já o nosso conterrâneo Antônio Xavier de Assis (O PRIMEIRO PÃO-DE-AÇUCARENSE A GOVERNAR ARACAJU), no seu Esboço Histórico e Geográfico do Baixo São Francisco, afirma que IPUEIRA vem de IPU = Terra ou pedra umedecida + EIRA = que foi, que existiu, etc... Assim: TERRA QUE FOI MOLHADA ou TERRA MOLHADA.


Vista aérea da região do Povoado Ipueira, vendo-se manchas escuras indicativas das ipueiras.


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Em diversas fontes pesquisadas, sobretudo nas mais antigas, não encontramos qualquer menção a “Impueiras”, ao passo que na busca por “ipueira”, seja como a denominação do próprio lugar, seja pela associação a água, fomos exitosos.


Vejamos essa nota publicada no jornal O Paulo Afonso, que se editava em Pão de Açúcar, de propriedade de Achilles Balbino de Leles Mello, edição de 27 de julho de 1879, assinada por alguém residente em Meirus (então chamado Campo Alegre do Pão de Açúcar):


“A PEDIDO. Ao Sr. Dr. Chefe de Polícia e às autoridades policiais deste Termo.

Denunciamos às autoridades competentes a permanência de um soldado desertor que existe no sítio Ipueira, deste Termo, homem que arroga a si os “foros” de valentão e que vive de cortar madeiras em terras alheias, propalando lançar mão do bacamarte contra qualquer dono de terras que quiser preteri-lo desse “ilícito” meio de vida.

Este soldado chama-se Manoel é e filho de Thelésphoro Pinto.

Para garantia da propriedade alheia, chamamos a atenção das referidas autoridades, a quem pedimos providenciem com a captura desse “valentão”.

Campo Alegre do Pão de Açúcar, 18 de julho de 1879.

Alguns prejudicados.”

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Outra citação de IPUEIRA encontramos em uma bela crônica de Mário Wanderley, publicada no jornal A PYRAUSTA, que se publicava em Maceió e que tinha como Redator-Proprietário o nosso conterrâneo Moreno Brandão, na edição de 23 de maio de 1917. Bastaria citar os parágrafos em que aparece a palavra em questão, mas preferimos transcrever toda a crônica, que muito merece pela beleza da sua construção:

 

“RESSURREIÇÃO. À roda das cacimbas, as mulheres curvavam a cabeça, tirando a água barrenta, em baldadas ligeiras: as suas figuras robustas retremiam, espalhadas dentro do bojo irregular, desenhadas sobre o líquido ondeante. Era uma pequena cisterna, simples ipueira de sertão, cavada entre dois barrancos, no meio da ravina.


A água brotava de dentro das rochas calcáreas, escorridas de todos os terrenos elevados; e ali, estagnada, formava, como uma lagoa feliz, um milagroso, perene olho d’água duma umidade sadia, refrescadora. Em volta, em um circuito de muitas léguas, córregos não murmuravam, arrastando-se sobre solos arenosos, porque era toda uma região devastada por queimadas completas, ciliciadas brutalmente pelas sequidões contínuas.


Cá, a ipueira, no baixo fresco – era um doloroso pomo de discórdia entre os habitantes; estes disputavam-lhe a posse como a relíquia mais preciosa. Se lhe não conhecia bem ao certo a sua origem, a sua propriedade; servia, porém, de utilidade a todo o povo...


... E, nessa feita, a vasilha da mulher do Zé Matheus resvalara sobre uma outra; enrolaram-se os cordovões, e num lufa-lufa frenético, as suas donas puseram-se a puxá-las. O sangue lhes vinha, com aqueles esforços musculares, subindo à cabeça; e, afinal, as mãos, na destreza da movimentação, tocaram-se.


Ao contado das carnes inimigas, rebentaram todos os seus ódios animais de campônias; e procuraram-se, apertavam-se em abraços brutais, agarradas num amplexo violento, de dentes cerrados. Baquearam, rolando sobre a relva; e surgiram, então, da rouparia descomposta, de ambas, apontadas fora – as pernas desnudas, os seios protuberantes, dentre os rasgões das camisas, com os órgãos à mostra, em posições torpes, obscenas, imorais...


As mulheres, assim, tinham principiado a tragédia. As famílias inimizaram-se; e zuniam, nos ares, ao entorno, injúrias indecentes, pragas sacrílegas, juras duma vingança tremenda.


O verão que começara aberto num céu claro, límpido, sem o riso dum cúmulus – ameaçava-os agora como o terror dum próximo incêndio. Os ares incandescentes devoravam a umidade vegetal dissolvida na contextura das folhas, e secaram, alfim, todas as árvores da pairagem.


Mas a lagoa, a cacimba milagrosa, no meio da ravina, ainda estendia, no fundo, a sua nata esbranquiçada d’águas. E nela, ainda assim, lavavam toda a alimária doméstica, a roupa enegrecida pelo suor animal; e bebiam-na em golos voluptuosos. Mas esse conforto à sede profunda, cruel, devorante de toda vitalidade, desde a briga das mulheres do Ferreira e do Matheus – era um precipício para as famílias. E, temendo um encontro fatal – iam para ele, às escondidas. Terminado o serviço, volviam à casa, enquanto os adversários espreitavam um canto vazio, todos impacientes.


A água foi, alfim de tanta procura, escasseando pouco a pouco; a lagoa, no fundo da cisterna, ia moribunda, minguando a sua linfa penetrante, sob os bochornos[i] destruidores. A água ajuntava-se lentamente, as gotas escorriam de dentro das estalactites, atraídas para o bojo, pela gravidade; e, reunidas, molhavam, apenas, em poucos palmos, a redoma alagada, com um líquido esbranquiçado, fino. E quando levavam os cocharros[ii] cheios d’água o chão ficava vazio, rente às pedras donde a umidade salvadora ressurgia, apenas em porejos gotejantes, do vente escuro da terra...


Tão escassa ficou que levavam horas a fio para ajuntar um balde. Com essa demora, o despeito surgia mais profundo, mais irritante. Quando o Matheus aguardava o líquido precioso que vinha andando pelos mistérios negros do solo – o Ferreira, necessitado da água vivificadora – esperava-o, de longe, roído por u ódio nervoso. Convencia-o, a sua raiva de carnívoro, que aquela demora era um propósito, uma vingança torturante – uma funda irritação à sua paciência humana. E quando o Matheus voltava com a vasilha cheia, sacudia o seu corpo de magro, num galope ligeiro, e apossava-se da fonte providencial. Achava-a, então, vazia. Cavava-a; mas a corrente d’água não surgia: descera mais fundo pelo solo a dentro, encolhida ante a atmosfera absorvente...


Depois dum escurecer, o Ferreira que quase o dia todo aguardava a minação das águas, ainda a esperava, já noite feita. E na sua casa, o Zé impacientava-se: precisava d’água para lavar o cavalo, suado e magro, para o uso doméstico, e mais ainda, para lhe saciar a sede, que se lhe revolvia no estômago como uma chama destruidora. Era uma tortura que chegava; e, lá no cacimbeiro, o inimigo, o rival venturoso, fazia-o, como uma demora caprichosa – sofre um tormento inútil. O insulto casava-se à sua necessidade: o ódio crescia de ambas as partes como uma planta venenosa, enraizada em duas esterqueiras...


Mas, apesar da longa espera, a água nesse dia trágico não provinha da terra. A família do Matheus vinha, às vezes, olhar ansiosa para a cacimba seca, para aquela pequena lagoa morta; e iam-se, ficando o Matheus de atalaia, para que ninguém lhe roubasse o privilégio das primeiras águas.


... O Ferreira não se conteve mais: e se foi esgueirando dentro da sombra para a ipueira vazia. E curvado sobre ela, o Zé olhava para o bojo exsicado, esperando um reflexo d’água à claridade das estrelas. O outro divisava-o, irritado com aquele abuso, aquele insulto pavoroso. De mando, achegou-se, e desembainhando a faca, segura, movido por uma febre epilética, caiu como um louco sobre o adversário e, à traição, esfaqueou-o brutalmente. O sangue gotejando das feridas, caía sobre o bojo da ipueira, encharcava-se ali; e formava uma poça vermelha.


O ferido, num último esforço, arrastou-se uns passos e gritou doridamente pela mulher. As estrelas sobre ele faiscavam vivamente; e, no seu delírio derradeiro, tomavam aos seus olhos agônicos – a estranha visão de fontes milagrosas que se alongavam para a terra como um conforto beatífico, à toda a sua sede torturante. E era uma catadupa luminosa que se abria lá do alto, e o inundava, e o envolvia com uma doçura fresca de carinho.


A mulher dele, ouvindo-o gritar, veio para a cacimba. Seria, com certeza, a água que aparecera, espoucada pela frescura da noite, e o grito, um brado de triunfo!


Não o vendo, mergulhou as mãos na lagoa, apalpando-a e achando-as molhadas, gritou:


- Água! Água!


E o grito da ressurreição do líquido soberano, alargou-se pela noite afora como uma onda triunfal:


- Água! Água!


O entusiasmo renascia para tudo, e com ele – o consolo, a alegria sensual para a carne, para os órgãos, para a boca! ...Com as mãos molhadas, sem enxergar na sua expansão alegre o cadáver do marido, sacrificado a esse eterno culto do Elemento Divinal – correu para casa, anunciando a dota a gente – a ressurreição da matéria líquida, da água bendita que é o vinho, que é o perfume da seiva universal, que é o próprio sangue – eterna eucaristia nutridora da vida.”  (Mário Wanderley)[iii]



[i] 1. Vento abafadiço e insalubre. 2. Calor sufocante somado a alta umidade e nebulosidade que ocorre geralmente no verão.

[ii] Do castelhano cocharro, «vaso ou taça de madeira ou de pedra».

[iii] Mário Wanderley Rodrigues da Costa, conhecido por  Mário da Costa Wanderley ou “Mário dos Wanderley”, nasceu em União dos Palmares - AL em 11/11/1893 e faleceu em São Paulo - SP em 24 de setembro de 1949. Filho de Francisco Isidoro Rodrigues da Costa e de Maria de Albuquerque Lins. Advogado formado pela Faculdade do Recife, em 1913. Advogou em Alagoas e em São Paulo. Membro fundador da AAL, sendo o primeiro ocupante da cadeira 32.  Patrono da cadeira 33 do IHGAL.

sábado, setembro 20

A CAPELA DA SANTA CRUZ

Por Etevaldo Amorim

 

Capela da Santa Cruz, Pão de Açúcar-AL. Foto: Marcos Braga.

Quem vai a Pão de Açúcar pela AL-130, ao se aproximar da descida para a cidade, depois de muitas subidas e descidas avista, à margem esquerda da rodovia, uma pequenina capela voltada para Oeste.


Encontrar cruzes e igrejinhas à beira da estrada é muito comum. Uma homenagem a alguém, o pagamento de uma promessa feita a um santo qualquer, são motivos para se erigir essas pequenas estruturas que se tornam, muitas vezes, alvos de peregrinação.


A capelinha da Santa Cruz tem uma história singular e trágica. Aldemar de Mendonça, em seu Monografia de Pão de Açúcar, registra que, num lugar denominado Brocotó, localizado nas confrontações com as nascentes Funil e Bezerra, ao pé da Serra de Pão de Açúcar (Meirus), duas famílias se desentenderam e chegaram a uma grande desavença, a ponto de seus chefes jurarem que, no dia em que se encontrassem, fosse onde fosse, “um dos dois deixaria de viver”.


Um deles era mascate. Negociava com tecidos, levando mercadorias de Pão de Açúcar para os lugares circunvizinhos. Numa dessas viagens, seguia com seu animal carregado e, ao passar pelo local onde se acha edificada a capela, ali estava, de tocaia, o seu inimigo. Este lhe desfechou um tiro, mas errou o alvo.


Mesmo sem ter sido ferido, jogou-se ao chão, fazendo-se de morto, o que ensejou a aproximação do seu agressor, armado de um facão, pronto para o golpe fatal. Foi então que o agredido, ao senti-lo bem próximo, aplicou-lhe um tiro certeiro, matando-o instantaneamente.


Marcado pela tragédia, o local recebeu uma cruz, “ao pé da qual foi afixada uma caixa de madeira, destinada a recolher os óbolos dos fazedores de promessas” diz Aldemar de Mendonça.


E foi exatamente a partir desse dinheiro ali depositado que se projetou construir a capela. Encarregou-se desse empreendimento o Sr. Manoel Soares Pinto e seu filho José Soares Pinto.


Já tendo a quantia julgada suficiente para a construção, o Sr. Manoel Soares Pinto contratou um pedreiro que se achava de passagem por Pão de Açúcar, pelo preço de trezentos mil réis.


Entretanto, diz o renomado historiados patrício: “faltando um dia para iniciar a obra, o tal pedreiro desapareceu. E o Sr. Manoel Soares Pinto, julgando-se responsável pelo logro, resolveu fazer às suas expensas, a capela da Santa Cruz, isto mais ou menos no ano de 1880. O altar, que é o mesmo que ainda permanece lá, foi construído por um marceneiro da família Pedral.”


Em pesquisas sobre esse assunto, logramos encontrar uma carta do correspondente que se assina por Epaminondas (provavelmente um falso nome), publicada no Jornal do Penedo, de 11 de outubro de 1878. Diz a carta textualmente:

 

CAPELA. A meia légua daqui e no centro está sendo construída, no lugar denominado Cruz do Marcos, uma capelinha dedicada ao símbolo da Redenção – a SANTA CRUZ.


É encarregado dessa obra o Sr. Manoel Soares Pinto[i] e seu filho José Soares. As despesas são feitas à custa de esmolas, que há muitos anos os fiéis que ali fazem promessas e romarias depositam sobre um cofre de madeira, não obstante este, por muitas vezes, ter sido encontrado com a fechadura e roubado por mãos sacrílegas.


O Sr. Soares Pinto e seu filho, pela obra pia e caridosa de que estão encarregados, tornam-se dignos dos mais sérios encômios.”


Confrontando-se esse relato com o de Aldemar de Mendonça, e sabendo agora que o lugar era conhecido por “CRUZ DO MARCOS”, conclui-se que se trata do agressor, que ao final se tornou vítima.


O correspondente do Jornal do Penedo lembra que a cruz, fincada no local do triste episódio, é o ‘símbolo da Redenção”. “A Cruz, que para os cristãos representa o sacrifício de Jesus Cristo, a sua vitória sobre o pecado e a morte, e a abertura do caminho para a salvação eterna e reconciliação com Deus. A cruz, outrora um instrumento de morte cruel, transformou-se num sinal universal de esperança, amor e a derrota definitiva do mal.”


É possível que venha daí o nome da fazenda situada nas proximidades: REDENÇÃO.

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NOTA:

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.



[i] Manoel Soares Pinto, português, falecido em 1894, casado com Maria Carolina Soares Pinto e pai de José Soares Pinto (este, pai de extensa prole, na qual se inserem: o Padre José Soares Pinto, Afonso Soares Pinto, Gilberto Soares Pinto), etc.

  

domingo, setembro 14

A POESIA DE BRÁULIO CAVALCANTE

Por Etevaldo Amorim

Bráulio Cavalcante, 1912.


O nosso sempre lembrado e cultuado Bráulio Cavalcante, orgulho dos pão-de-açucarenses, demonstrou seu talento e sensibilidade na forma de belos poemas, muitos dos quais já publicados aqui no Blog. Vários deles estão nas páginas de diversos jornais, em diferentes partes do país.

Trazemos agora mais um, que talvez tenha sido o último a ser escrito, antes que a violência política viesse a ceifar a sua vida, ainda tão jovem e tão promissora.

Trata-se de um soneto intitulado “RIO BRANCO”, que encontrei publicado no jornal amazonense CORREIO DO NORTE, numa referência ao notável diplomata brasileiro José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, que falecera a 10 de fevereiro daquele ano. Um mês depois, o jovem tribuno e poeta seria assassinado em Maceió (10 de março de 1912).

 

RIO BRANCO

 

Lavra do Norte ao Sul do Brasil, em torva onda,

Rumorejando, o rio cruel do Desconforto...

- É o choro perenal que desce, que esbarronda

À passagem feral daquele Grande Morto!...

 

Tem agora o Brasil a quadra amarga, hedionda,

Para os escampos Céus, já volve o olhar absorto,

E não tem, lá do Azul, ninguém que lhe responda,

Que lhe dê lenitivo ou lhe mande um conforto...

 

Paranaguá, depois Lafayette e Carvalho,

Tombam no infindo horror, pelo transe profundo...

- Corifeus do Dever, da Paz e do Trabalho!

 

Em vão fizeste, oh Morte, o pérfido massacre!

- Washington, Liverpool – conhece. Todo mundo-

Oiapoque, Berlim, Berna e os limites do Acre!

 

Foi essa uma das tantas homenagens de que foi alvo o ilustre brasileiro, enormemente prestigiado em razão dos seus notáveis feitos e prol da diplomacia brasileira.


Cortejo fúnebre do Barão do Rio Branco - Rua Senador Eusébio, Rio de Janeiro. Foto O Malho


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Guardadas as devidas proporções, e considerando a sua vida breve, Bráulio também foi muito prestigiado.

Dois dias antes da sua formatura pela Faculdade de Direito do Recife, ele recebeu uma homenagem do escritor alagoano Graciliano Ramos (então com 19 anos) que, sob o pseudônimo de Soeiro Lobato, dedicou-lhe este poema, que foi publicado na revista O MALHO (Ano X, nª 482, Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1911):

 

A ARANHA

(A Braulio Cavalcante)

Diedi parimente retta ad un bel ragno che tappezzava
una delle mie pareti.[i]
Silvio Pellico – Le mie prigioni

Em dias de verão, na minha alcova cheia
Da luz do sol, que, lado a lado, a doira e banha,
Minha antiga inquilina, uma peluda aranha,
Entre a parede e o teto o seu vulto passeia.

É uma amiga pontual. Sempre arrepiada e feia,
Ergue e balança no ar a sua forma estranha,
Sobe, desce e no fio as pernas emaranha,
Enquanto vai tecendo a complicada teia.

Não lhe tenho aversão, não me aborreço dela,
Pois vive egoisticamente a preparar a tela
Que treme semelhando uma diáfana rede.

Mesmo um facto anormal dá-se às vezes comigo:
Fico inquieto em não vendo o velho inseto amigo
Sempre no seu lugar – o canto da parede.

Pernambuco (Soeiro Lobato)


O jovem Graciliano Ramos de 19 para 20 anos. Foto: www.graciliano.com.br


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Bráulio Guatimozim Cavalcante. Filho do Capitão José Venustiniano Cavalcante e de D. Maria Olympia. Nasceu em Pão de Açúcar-AL, no dia 14 de março de 1887, na casa nº 23 da rua da Matriz (hoje Avenida Bráulio Cavalcante, nº 209). Faleceu em 10 de março de 1912, na Praça dos Martírios, em Maceió, de um ferimento penetrante na linha axilar posterior direita, no quarto intercostal, recebido quando realizava um comício em prol das candidaturas do Cel. Clodoaldo da Fonseca e do Dr. Fernandes Lima.

 

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NOTA:

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.



[i] Também prestei atenção a uma linda aranha que estava cobrindo uma das minhas paredes. Silvio Pellico – "Le mie prigioni" (As Minhas Prisões) é uma obra de memórias autobiográficas do escritor italiano Silvio Pellico, publicada em 1832, que relata a sua experiência como prisioneiro político da República de Veneza e mais tarde do Império Austríaco, após a sua prisão pela sua atividade na Carbonaria. O livro descreve os seus sofrimentos, mas também a sua redescoberta da fé e a sua educação religiosa, e tornou-se um fenómeno literário na Europa, com mais de cinquenta edições em italiano até 1842. 

sábado, setembro 6

NOTÍCIAS DO PASSADO – ESCARAMUÇA NA RUA DO MEIO

 

Por Etevaldo Amorim

 

Imagino-me na promissora Vila do Pão de Açúcar, naquele distante ano de 1877, a ler a edição do Jornal do Penedo, de 22 de junho. Ali estava uma das cartas do correspondente Aristarcho, cujo nome verdadeiro muito gostaria de saber.


Escrevendo no dia 6 daquele mês e ano, o competente missivista relata um episódio que, embora grave, revela-se um tanto burlesco. O fato se deu na Rua do Meio, atual Bráulio Cavalcante. Diz ele com riqueza de detalhes:


Rua do Meio, Pão de Açúcar, 1869. Foto: Abílio Coutinho.


“No dia de domingo, vinte do mês de maio próximo passado, na ocasião em que acabava-se de ouvir a Missa Conventual, presenciamos nesta Vila uma cena bem repugnante e imoral para os nossos dias.


Quando todos saíamos do Templo do Senhor, vimos com espanto o seguinte e terrível quadro:


José Gonçalves de Tal, na posse de uma formidável faca em punho, corria escandalosamente pela Rua do Comércio[i], vindo já do Tororó, nas pegadas de Luiz Bengo, que não menos corria como um viado, gritando socorro para não ser vítima de tão audaz turbulento, o qual conseguiu ainda dar-lhe uma facada no braço, quando ia se aproximando em confrontação à porta do Sr. Soares Pinto, onde chegando diversas pessoas, fizeram cessar semelhante barbaridade.


Compareceu também, imediatamente, o Subdelegado José Cyriaco[ii], que em flagrante capturou-o; e daí, com a maior ingenuidade, entregou-se à prisão, como se não fora aquele que, a poucos momentos, ia em procura de praticar um assassinato!


Não estamos informados, ao certo, da razão que deu lugar a esses valentões terem andado em tal brinquedo, porém o que sabemos com certeza é que o tal José Gonçalves é um rapazola fragalheiro[iii], de maus procedentes, irmão do bem conhecido Antônio Gringuindim, que como este queria agora mandar um portador à sua custa para o outro mundo.


Luiz Bengo também é muito conhecido nesta Vila, pelas suas façanhas. É homem que somente vive de jogos ilícitos, iludindo a quantos matutos lhe apareçam para, por meio de seu mágico baralho, fazer o dinheiro do pobre papalvo passar-se telegraficamente para sua algibeira, tendo como consequência matemática o matuto perder os cobres e às vezes apanhar e ir preso.


Portanto, muito desejaríamos que, pelos meios legais, se fizessem corrigir a tais cancros venenosos, que, além de serem escolas de perdição, defraudam e aniquilam por meio do estelionato a alguns pais de família de nosso centro, que por encantos, têm a infelicidade de se deixarem iludir por estes e outros que infelizmente aqui existem, em companhias, resultando às vezes desordens e conflitos como já temos presenciado.”


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Desde antes, e de lá para cá, com certeza muitos outros fatos como este se desenrolaram. Voltaremos a qualquer momento, como repórteres desses tempos passados, a perscrutar os jornais de diferentes épocas, dando a conhecer aos leitores esses pequenos episódios da nossa terra.

 

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NOTA:

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.



[i] Atual Avenida Bráulio Cavalcante.

[ii] JOSÉ CYRIACO DE ASSIS FILHO, nomeado por Ato de 15 de fevereiro de 1876, do Presidente da Província de Alagoas, em substituição a JOSÉ LINO DAS VIRGENS, que pedira exoneração. Fonte: Jornal do Penedo, 8 de março de 1876.

[iii] O mesmo que ‘frangalheiro”, que se veste com frangalhos, farrapos.

segunda-feira, setembro 1

PERSONALIDADES PÃO-DE-AÇUCARENSES - JOVINO DA LUZ

 

Por Etevaldo Amorim

 

Nas cerimônias cívicas, ao final dos desfiles escolares, era comum se ouvir dos oradores, para enaltecer as suas qualidades culturais, que Pão de Açúcar é “a terra de Bráulio Cavalcante, Moreno Brandão e Jovino da Luz”...

Apesar de não ser natural de Pão de Açúcar, embora muitos assim o considerem, a inclusão de Jovino no rol das personalidades pão-de-açucarenses se justifica pela sua presença, desde muito jovem, em nossa terra. O filho de seu Justino Pereira da Luz e de dona Alexandrina Eulália da Conceição (naturais de Garanhuns-PE), nasceu em Olhos D’Água do Accioly[i] (atual cidade de Igaci), à época um povoado do município de Palmeira dos Índios, Estado de Alagoas, no dia 28 de junho de 1855.


Pão de Açúcar em 1888. Foto: Adolpho Lindemann.

Eram seus irmãos: Gracindo Pereira da Luz, Maria Joaquina da Luz, Severiano Pereira da Luz, Horêncio Pereira da Luz (que foi prefeito de Pão de Açúcar de 07/01/1895 a 07/01/1897) e Justino Pereira da Luz Filho. Este último, consorciou-se com Maria Amélia Sampaio, e tiveram, entre outros filhos, Manoel Sampaio Luz, conhecido por Juca Sampaio (casado com Heloisa Natália Leite da Costa), que são os pais de Geraldo Sampaio, José Sampaio, Gileno Sampaio... conhecidos políticos e empresários, sobretudo no ramo das comunicações.

Jovino fez o curso primário em Pão de Açúcar e Humanidades no Colégio Sete de Setembro na Bahia, dirigido pelo ilustrado professor Luiz da França Pinto de Carvalho.

Destinando-se à vida sacerdotal, seguiu para a Itália, em 1875, partindo do Recife, a bordo do vapor Rio-Grande.[ii] Em Roma, frequentou o Colégio Pio Latino Americano.[iii]Por essa época, o Colégio funcionava nas instalações de San Andrés no  Quirinal, antigo noviço da Companhia de Jesus, para onde havia mudado em 13 de maio de 1867, quando era Reitor o Pe. Francesco Vannutelli, e quando a instituição passou a ser chamada oficialmente de “Colégio Pio Latino Americano”.

Era seu intuito matricular-se no Curso de Teologia. Descobrindo-se sem vocação para a carreira eclesiástica, formou-se em filosofia pelo Colégio Gregoriano, em 1879, sendo sua tese aprovada com distinção. De fato, seu nome consta de uma lista publicada no jornal O Apóstolo-RJ, de 22 de julho de 1877, das pessoas que estiveram em peregrinação a Roma, por ocasião do quinquagésimo aniversário da sagração episcopal do papa Pio IX.

Segundo Aldemar de Mendonça, em Monografia de Pão de Açúcar, esse fato influiu sobremaneira na vida de Jovino da Luz. Voltando ao Brasil, não mais contou com a proteção de seu velho pai, que desgostoso, por não ter ele abraçado a carreira eclesiástica, negou-lhe qualquer auxílio.

No entanto, a formatura de Jovino não foi de todo desagradável a seu pai, pois este fez publicar no jornal O Paulo Afonso, impresso em Pão de Açúcar, edição equivocadamente datada de "30 de fevereiro de 1879", a seguinte nota:

"AGRADECIMENTO. Justino Pereira da Luz vem agradecer do alto da imprensa a todas as pessoas que lhe manifestaram sentimento de prazer pela notícia de ter seu filho Jovino Pereira da Luz recebido o grau de doutor em Filosofia pela Universidade Gregoriana, ultimamente em Roma."

Em difícil situação, Jovino da Luz, que sentia vocação para o magistério, seguiu para  o Recife, onde pretendia matricular-se na Escola de Direito. Para sua subsistência, dedicou-se ao ensino particular.

Efetivamente, seu nome consta de uma lista de estudantes inscritos para exames de línguas na Faculdade de Direito do Recife. (Diário de Pernambuco, 11 de novembro de 1879). Para tanto, havia estudado no Colégio Dois de Dezembro, no Recife, logrando constar na lista publicada no dia 20 de dezembro do mesmo ano, no mesmo jornal: Jovino foi aprovado em Inglês, SIMPLESMENTE; em Língua Portuguesa e em Francês, PLENAMENTE;  e em Latim, COM DISTINÇÃO.

Em 1881, em Penedo, atuou na defesa do réu José Cypriano de Souza, por ter dado uma facada em Maria Clara da Conceição, conhecida por Hilária. O réu foi condenado a 5 anos e 3 meses, mais multa. (Jornal do Penedo, 14 de janeiro de 1881) Por essa época, entre 1881 e 1884, lecionou Português e Filosofia no Colégio Parthenon Sergipense, em Aracaju, dirigido pelo Dr. Ascendino Ângelo dos Reis.[iv]

Voltando de Pernambuco, após a morte de seu pai, ocorrida em 1º de março de 1885, em Piaçabuçu, estabeleceu nesta em Pão de Açúcar o “Externato Coração de Jesus”, educandário que ali prestou grandes e reais serviços.

Em 1885, casou-se Jovino da Luz com a Exma. Sra. Aristeia de Carvalho Luz. Aristéia era filha do Cap. Baldomero Pereira de Carvalho Gama e Maria do Carmo Souza Castro.

Retirando-se de Pão de Açúcar, seguiu para São Miguel dos Campos, onde fundou, em 1886, o Colégio João de Deus, que teve curta existência.[v]

Ainda em São Miguel, foi vice-Presidente da Sociedade Filarmônica Miguelense, fundada em 2 de maio de 1886. Em 1891, já estava como professor de uma das Cadeiras (do sexo masculino) em Traipu.

 

NA POLÍTICA

Sua passagem pela política foi rápida. Foi, contudo, distinguido pelos seus concidadãos com sua eleição, em 1º de novembro de 1894, para Deputado Estadual, prestando a promessa legal, conforme ata da sessão preparatória, no dia 19 de abril de 1895.

Procedendo-se a eleição da Mesa Efetiva, foi o deputado Jovino Pereira da Luz, eleito 2º Secretário, aos oito dias de maio do mesmo ano. Era membro das Comissões: Constituição, Leis e Poderes – Instrução Pública. Nos anais da Câmara, constam várias proposições e pareceres de autoria do Deputado Jovino Pereira da Luz. Apresentou e foram transformados em Lei, os projetos números 32, 51 e 64. O projeto nº 32, de 19 de junho de 1895, eleva à categoria de cidade a vila de Anadia. O Projeto nº 51, de 9 de julho de 1895 autoriza o Governador do Estado a estabelecer por acordo com o Governo de Pernambuco, os verdadeiros limites entre este e aquele Estado. O Projeto nº 64, de 13 de julho de 1895, autoriza despesas com a construção de açudes no município de Pão de Açúcar.

Entrando par ao magistério deste Estado, o Deputado Jovino da Luz, encaminhou á Câmara ofício comunicando a perda de seu mandato, visto como assumira o exercício do cargo de professor público, ofício lido na sessão de 8 de junho de 1896.

Por Decreto do governador do Estado, Barão de Traipu, de 25 de janeiro de 1896, foi nomeado professor da Cadeira de Instrução Primária de Pão de Açúcar.[vi]

Em 1899 era Diretor do Externato Hilário Ribeiro[vii], em Pão de Açúcar. Segundo anúncio no jornal O Puritano, de Aracaju-SE, ensinava Primeiras Letras, Português, Francês, Latim, Geografia e Música. Sua esposa, dona Aristéia, ensinava também Primeiras Letras e Prendas Domésticas.


Anúncio do Externato Hilário Ribeiro em Pão de Açúcar. Jornal O Puritano, Vila Nova-SE, 2 outubro de 1899.


Em 1906, residia em Maceió, na Rua Clarêncio Jucá, nº 19 (antiga Rua do Lyceo), onde funcionava o seu Curso de Preparatórios, com aulas de Português, Francês, Latim, Italiano, Geografia, Desenho e Aritmética.[viii] Já no ano de 1907, muda sua residência para a Rua do Livramento, nº 52.

Em 23 de agosto daquele ano, o jornal Gutemberg anuncia as suas despedidas como colaborador devido a sua transferência para a cidade do Penedo.

Faleceu no dia 21 de abril de 1908, na casa de número 82 da Rua Joaquim Nabuco, na cidade de Penedo, aos 52 anos.

Deixou um livro de poesias denominado Pétalas Descoradas (ou Tentativas Poéticas), em que revela altanada inspiração e se mostra pouco conhecedor da técnica do verso. Publicado, provavelmente em 1888, esteve à venda no BAZAR JOSÉ ALFEDO, situado na Rua Boa Vista, esquina com Livramento, conforme anúncio no jornal maceioense A ORDEM, de 15 de novembro de 1888.

Pouco depois da sua morte, o jornal “O Alagoano”, de Penedo, publicou uma ligeira biografia do ilustre pão-de-açucarense, elaborado pelo escritor Theofanes Brandão. Ei-la:

 

“Conhecemo-lo em plena mocidade. Era um belo tipo de brasileiro genuíno: Tez bronzeada, cabelos negros e corredios, estatura mais que mediana. Dos seus olhos desprendiam-se fluidos estranhos, magnéticos. Em poucos instantes Jovino da Luz empolgava uma multidão. Sua palestra tinha encanto irresistível. A mocidade em Florência era servida por uma inteligência culta; sua longa permanência no velho mundo, aprimorara-lhe de tal sorte a educação que tornara-lhe de tal sorte a educação que tornara-lhe um perfeito cavalheiro. Estava na alvorada da vida, nessa quadra risonha feliz, em que o homem domina sempre, subjuga quando quer. Muitas vezes nossa alma de adolescente sentiu-se presa, escravizada, pela eloquência admirável desse homem desventurado, sonhador admirável, que teve a desdita de ver todos os santos ideais que lhe turbilhonavam na mente, sempre encandecida, desfeitos pela tempestade que lhe amarguraram a existência. Dos seus lábios as palavras desprendiam-se com a impetuosidade de catadupas com a harmonia de uma orquestra de harpas invisíveis, tangidas por seres celestiais; as estrelas roubavam o brilho de suas orações que pareciam talhadas, á maneira dessas criações sublimes que o gênio grego transmitiu aos nossos dias, como requinte de todas as belezas.

 

Poeta, - seus versos eram de uma melodia doce, encantadora, se bem que, muitas vezes, sacrificasse de boa vontade e conscientemente, os preceitos da arte e beleza de um pensamento, o que não era pra admirar, pois Jovino da Luz era insubmisso arrojado. Tinha horror a tudo que era convencional. Amava o belo surpreendido em plena nudez, sem os atavios de formas de convenção. Demais, o que é a arte? Causa ou Efeito? Cremos que a arte mais não é do que o resultante de criações sublimes, sem submeter o artista a certos e determinados conceitos; é o mesmo que limitar-lhe o campo de ação; equivale a corta-lhe  os vôos da água. Mestre, - era o encanto de seus discípulos que ouviam suas sábias lições com relevo semelhante do crente, quando embriagado pelo incenso, adormido pelas melodias plangentes do órgão, deixa-se embalar, como se fora vitima de um sonho, pelas preces que salmodiam os levitas do Senhor e que se perdem na vasta nave das catedrais. E Jovino mais não era do que um levita dessa religião sublime, incomensurável, donde a verdade emana em jorros de luz – a Instrução.

 

Dr. Jovino deu á publicidade, em data que não podemos apurar, um volume de poesias “Pétalas Descoradas” um trabalho que mereceu benévola crítica dos mestres. Além do volume a que aludimos, tinha ele, em elaboração “Ardentias”, versos e um trabalho sobre ensino cívico. Aí fica em ligeiras notas, os principais fatos da vida do inesquecível alagoano, cuja morte a família, os amigos o Alagoas sinceramente prateiam. Hoje, que se completa um mês que desapareceu dentre os vivos, o querido mestre, genuflexo, ante seu túmulo, espargimos as flores da nossa imorredoura saudade. – Penedo, 28 de maio de 1908. – Theofanes Brandão.

 

Moreno Brandão, em correspondência de Maceió, especial para o Diário de Pernambuco (11 de março de 1930),tratando do processo de ensino denominado “Método João de Deus”, do qual Jovino da Luz era grande defensor e propagador, escreveu:

“A PROPÓSITO DE JOÃO DE DEUS

Devendo-se comemorar a 8 do fluente o primeiro centenário de nascimento do poeta português João de Deus, não é descabido apreciar qual o influxo que ele teve em nossos lares.

É verdade que a sua atuação indireta nas terras alagoanas não se exerceu por intermédio de suas poesias.

Poeta místico, a quem se devem composições repassadas da mais doce e elevada unção religiosa, poeta lírico, em cuja pena parecia sempre bailar um beijo prestes a ser endereçado à mulher que ele decantava de modo suavíssimo, poeta-filósofo a quem se devem tão sugestivas máximas de alta moralidade, poeta satírico, de quem tivemos quadros de um cômico irresistível, o autor de Campo de Flores também pode ser chamado o poeta das escolas.

Nessa ele penetrou com o seu excelente método de leitura de que é deliciosa iniciação a Cartilha Maternal e complemento indispensável o livro denominado Dever dos Filhos, tão brilhantemente traduzido por João de Deus.

O método de leitura inventado pelo notável português que nasceu na região ainda hoje povoada pela sobra imprtal do Infante D. Henrique, foi largamente praticado em Alagoas, nas cidades de Pão de Açúcar, Traipu e São Miguel dos Campos.

Incumbiu-se de divulgar o aludido método outro poeta, cujo renome ficou circunspecto à terra onde ele mais largamente exercitou a sua atividade.

O propagador das doutrinas de João de Deus em nosso Estado chamava-se Jovino Pereira da Luz. Tinha ele nascido em Olhos D’Água do Accioly, donde seus pais, senhores de recursos medíocres, se trasladaram para Pão de Açúcar.

Depois de frequentar escolas primárias naquela cidade ribeirinha do São Francisco, Jovino da Luz foi estudar o curso preparatório na Capital da Bahia, matriculando-se no Colégio Sete de Setembro.

Mais tarde partiu para Roma com o fito de seguir a carreira eclesiástica, internando-se no Colégio Pio Latino Americano e fazendo estudos completos de filosofia no Colégio Gregoriano.

Mal tinha ele obtido a láurea de doutor em filosofia, desistiu do intento de se ordenar, regressando ao seu Estado natal e fundando em Pão de Açúcar o Externato do Coração de Jesus.

Foi aí que o Dr. Jovino da Luz pôs em prática os luminosos e aceitáveis preceitos didascálicos inventados por João de Deus, conseguindo à custa de trabalhos verdadeiramente exaustivos, fazer com que qualquer um de seus discentes lesse convenientemente após vinte e cinco lições.

Apesar de ter prestado tão relevantes serviços ao seu Estado, industriando mais de uma geração no conhecimento completo das primeiras letras, o Dr. Jovino da Luz teve penoso destino.

Não se pode, entretanto, lançar culpa de seus inêxitos senão sobre ele mesmo, que encontrou sempre amigos e correligionários dispostos a explorá-lo.

Além de professor, o Dr. Jovino da Luz escreveu o inspirado livro de versos - PÉTALAS DESCORADAS. Também ocupou por duas vezes a cadeira de Deputado Estadual.

Faleceu em penosas circunstâncias, deixando prole muito numerosa.”

____

NOTA:

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo. Tratamento de imagem: Vívia Amorim.

 



[i] Segundo Moreno Brandão, Diário de Pernambuco, 11 de março de 1930.

[ii] Diário de Pernambuco, 11 de setembro de 1875.

[iii] No ano de 1825, o padre jesuíta mexicano José Ildefonso Peña foi o primeiro a manifestar o desejo de fundar em Roma um seminário ou colégio para a educação do clero latino-americano, lamentavelmente não alcançando o seu objetivo. Uma segunda intenção de fundar se deu em 1853, quando o padre mexicano José Villaredo, da Congregação do Oratório, desenvolveu um projeto, que logo foi concluído. Esta ideia foi apresentada ao Monsenhor José Ignacio Víctor Eyzaguirre, chileno, que a recebeu com grande entusiasmo e, em pouco tempo, apresentou o projeto de fundação de um seminário-colégio em Roma para jovens latino-americanos ao falecido Pontífice do Sumô, Pio IX. O Papa Pio IX apoiou-o decisivamente, ordenando ao Cardeal Giacomo Antonelli, Secretário de Estado, que redigisse um documento de recomendação aos observadores do continente. O documento foi elaborado em 22 de janeiro de 1856. O nascimento do Colégio foi fruto do entusiasmo e do empenho de Eyzaguirre e do Papa Pio IX.(Fonte: https://piolatino.org/el-collegio/resena-historica/

[iv] Ascendino Ângelo dos Reis nasceu em 20 de abril de 1852, em Divina Pastora-SE. Filho de João Francisco dos Reis e dona Rosa Florinda do Amor Divino. Echo Sergipano, 13 de fevereiro de 1881. 

[v] Gutembert, Maceió-AL, 16 de janeiro de 1886.

[vi] Gutemberg, Maceió-AL, 12 de fevereiro de 1896.

[vii] Hilário Ribeiro de Andrade e Silva foi um educador e escritor brasileiro. Filho do professor José Ribeiro de Andrade e Silva e de Emília Gonçalves de Mesquita Ribeiro. Nasceu em Porto Alegre no dia 1 de janeiro de 1847 e faleceu a 1 de outubro de 1886, no Rio de Janeiro.

[viii] Gutemberg, Maceió-AL, 10 de abril de 1906.

A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia