domingo, setembro 14

A POESIA DE BRÁULIO CAVALCANTE

Por Etevaldo Amorim

Bráulio Cavalcante, 1912.


O nosso sempre lembrado e cultuado Bráulio Cavalcante, orgulho dos pão-de-açucarenses, demonstrou seu talento e sensibilidade na forma de belos poemas, muitos dos quais já publicados aqui no Blog. Vários deles estão nas páginas de diversos jornais, em diferentes partes do país.

Trazemos agora mais um, que talvez tenha sido o último a ser escrito, antes que a violência política viesse a ceifar a sua vida, ainda tão jovem e tão promissora.

Trata-se de um soneto intitulado “RIO BRANCO”, que encontrei publicado no jornal amazonense CORREIO DO NORTE, numa referência ao notável diplomata brasileiro José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, que falecera a 10 de fevereiro daquele ano. Um mês depois, o jovem tribuno e poeta seria assassinado em Maceió (10 de março de 1912).

 

RIO BRANCO

 

Lavra do Norte ao Sul do Brasil, em torva onda,

Rumorejando, o rio cruel do Desconforto...

- É o choro perenal que desce, que esbarronda

À passagem feral daquele Grande Morto!...

 

Tem agora o Brasil a quadra amarga, hedionda,

Para os escampos Céus, já volve o olhar absorto,

E não tem, lá do Azul, ninguém que lhe responda,

Que lhe dê lenitivo ou lhe mande um conforto...

 

Paranaguá, depois Lafayette e Carvalho,

Tombam no infindo horror, pelo transe profundo...

- Corifeus do Dever, da Paz e do Trabalho!

 

Em vão fizeste, oh Morte, o pérfido massacre!

- Washington, Liverpool – conhece. Todo mundo-

Oiapoque, Berlim, Berna e os limites do Acre!

 

Foi essa uma das tantas homenagens de que foi alvo o ilustre brasileiro, enormemente prestigiado em razão dos seus notáveis feitos e prol da diplomacia brasileira.


Cortejo fúnebre do Barão do Rio Branco - Rua Senador Eusébio, Rio de Janeiro. Foto O Malho


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Guardadas as devidas proporções, e considerando a sua vida breve, Bráulio também foi muito prestigiado.

Dois dias antes da sua formatura pela Faculdade de Direito do Recife, ele recebeu uma homenagem do escritor alagoano Graciliano Ramos (então com 19 anos) que, sob o pseudônimo de Soeiro Lobato, dedicou-lhe este poema, que foi publicado na revista O MALHO (Ano X, nª 482, Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1911):

 

A ARANHA

(A Braulio Cavalcante)

Diedi parimente retta ad un bel ragno che tappezzava
una delle mie pareti.[i]
Silvio Pellico – Le mie prigioni

Em dias de verão, na minha alcova cheia
Da luz do sol, que, lado a lado, a doira e banha,
Minha antiga inquilina, uma peluda aranha,
Entre a parede e o teto o seu vulto passeia.

É uma amiga pontual. Sempre arrepiada e feia,
Ergue e balança no ar a sua forma estranha,
Sobe, desce e no fio as pernas emaranha,
Enquanto vai tecendo a complicada teia.

Não lhe tenho aversão, não me aborreço dela,
Pois vive egoisticamente a preparar a tela
Que treme semelhando uma diáfana rede.

Mesmo um facto anormal dá-se às vezes comigo:
Fico inquieto em não vendo o velho inseto amigo
Sempre no seu lugar – o canto da parede.

Pernambuco (Soeiro Lobato)


O jovem Graciliano Ramos de 19 para 20 anos. Foto: www.graciliano.com.br


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Bráulio Guatimozim Cavalcante. Filho do Capitão José Venustiniano Cavalcante e de D. Maria Olympia. Nasceu em Pão de Açúcar-AL, no dia 14 de março de 1887, na casa nº 23 da rua da Matriz (hoje Avenida Bráulio Cavalcante, nº 209). Faleceu em 10 de março de 1912, na Praça dos Martírios, em Maceió, de um ferimento penetrante na linha axilar posterior direita, no quarto intercostal, recebido quando realizava um comício em prol das candidaturas do Cel. Clodoaldo da Fonseca e do Dr. Fernandes Lima.

 

***   ***

NOTA:

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.



[i] Também prestei atenção a uma linda aranha que estava cobrindo uma das minhas paredes. Silvio Pellico – "Le mie prigioni" (As Minhas Prisões) é uma obra de memórias autobiográficas do escritor italiano Silvio Pellico, publicada em 1832, que relata a sua experiência como prisioneiro político da República de Veneza e mais tarde do Império Austríaco, após a sua prisão pela sua atividade na Carbonaria. O livro descreve os seus sofrimentos, mas também a sua redescoberta da fé e a sua educação religiosa, e tornou-se um fenómeno literário na Europa, com mais de cinquenta edições em italiano até 1842. 

Um comentário:

  1. Tudo que se tem dito do nosso conterrâneo Braúlio Cavalcante enobrece ainda mais a sua trajetória histórica e honrada, engrandecendo em muito a nossa tão promissora literatura

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia