sábado, setembro 20

A CAPELA DA SANTA CRUZ

Por Etevaldo Amorim

 

Capela da Santa Cruz, Pão de Açúcar-AL. Foto: Marcos Braga.

Quem vai a Pão de Açúcar pela AL-130, ao se aproximar da descida para a cidade, depois de muitas subidas e descidas avista, à margem esquerda da rodovia, uma pequenina capela voltada para Oeste.


Encontrar cruzes e igrejinhas à beira da estrada é muito comum. Uma homenagem a alguém, o pagamento de uma promessa feita a um santo qualquer, são motivos para se erigir essas pequenas estruturas que se tornam, muitas vezes, alvos de peregrinação.


A capelinha da Santa Cruz tem uma história singular e trágica. Aldemar de Mendonça, em seu Monografia de Pão de Açúcar, registra que, num lugar denominado Brocotó, localizado nas confrontações com as nascentes Funil e Bezerra, ao pé da Serra de Pão de Açúcar (Meirus), duas famílias se desentenderam e chegaram a uma grande desavença, a ponto de seus chefes jurarem que, no dia em que se encontrassem, fosse onde fosse, “um dos dois deixaria de viver”.


Um deles era mascate. Negociava com tecidos, levando mercadorias de Pão de Açúcar para os lugares circunvizinhos. Numa dessas viagens, seguia com seu animal carregado e, ao passar pelo local onde se acha edificada a capela, ali estava, de tocaia, o seu inimigo. Este lhe desfechou um tiro, mas errou o alvo.


Mesmo sem ter sido ferido, jogou-se ao chão, fazendo-se de morto, o que ensejou a aproximação do seu agressor, armado de um facão, pronto para o golpe fatal. Foi então que o agredido, ao senti-lo bem próximo, aplicou-lhe um tiro certeiro, matando-o instantaneamente.


Marcado pela tragédia, o local recebeu uma cruz, “ao pé da qual foi afixada uma caixa de madeira, destinada a recolher os óbolos dos fazedores de promessas” diz Aldemar de Mendonça.


E foi exatamente a partir desse dinheiro ali depositado que se projetou construir a capela. Encarregou-se desse empreendimento o Sr. Manoel Soares Pinto e seu filho José Soares Pinto.


Já tendo a quantia julgada suficiente para a construção, o Sr. Manoel Soares Pinto contratou um pedreiro que se achava de passagem por Pão de Açúcar, pelo preço de trezentos mil réis.


Entretanto, diz o renomado historiados patrício: “faltando um dia para iniciar a obra, o tal pedreiro desapareceu. E o Sr. Manoel Soares Pinto, julgando-se responsável pelo logro, resolveu fazer às suas expensas, a capela da Santa Cruz, isto mais ou menos no ano de 1880. O altar, que é o mesmo que ainda permanece lá, foi construído por um marceneiro da família Pedral.”


Em pesquisas sobre esse assunto, logramos encontrar uma carta do correspondente que se assina por Epaminondas (provavelmente um falso nome), publicada no Jornal do Penedo, de 11 de outubro de 1878. Diz a carta textualmente:

 

CAPELA. A meia légua daqui e no centro está sendo construída, no lugar denominado Cruz do Marcos, uma capelinha dedicada ao símbolo da Redenção – a SANTA CRUZ.


É encarregado dessa obra o Sr. Manoel Soares Pinto[i] e seu filho José Soares. As despesas são feitas à custa de esmolas, que há muitos anos os fiéis que ali fazem promessas e romarias depositam sobre um cofre de madeira, não obstante este, por muitas vezes, ter sido encontrado com a fechadura e roubado por mãos sacrílegas.


O Sr. Soares Pinto e seu filho, pela obra pia e caridosa de que estão encarregados, tornam-se dignos dos mais sérios encômios.”


Confrontando-se esse relato com o de Aldemar de Mendonça, e sabendo agora que o lugar era conhecido por “CRUZ DO MARCOS”, conclui-se que se trata do agressor, que ao final se tornou vítima.


O correspondente do Jornal do Penedo lembra que a cruz, fincada no local do triste episódio, é o ‘símbolo da Redenção”. “A Cruz, que para os cristãos representa o sacrifício de Jesus Cristo, a sua vitória sobre o pecado e a morte, e a abertura do caminho para a salvação eterna e reconciliação com Deus. A cruz, outrora um instrumento de morte cruel, transformou-se num sinal universal de esperança, amor e a derrota definitiva do mal.”


É possível que venha daí o nome da fazenda situada nas proximidades: REDENÇÃO.

_____

NOTA:

Caro leitor,

Deste Blog, que tem como tema “HISTÓRIA E LITERATURA”, constam artigos repletos de informações históricas relevantes. Essas postagens são o resultado de muita pesquisa, em geral com farta documentação e dotadas da competente referência bibliográfica. Por esta razão, solicitamos que, caso sejam do seu interesse para utilização em qualquer trabalho, que delas faça uso tirando o maior proveito possível, mas fazendo também o necessário registro de autoria e a citação das referências. Isso é correto e justo.



[i] Manoel Soares Pinto, português, falecido em 1894, casado com Maria Carolina Soares Pinto e pai de José Soares Pinto (este, pai de extensa prole, na qual se inserem: o Padre José Soares Pinto, Afonso Soares Pinto, Gilberto Soares Pinto), etc.

  

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A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

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Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia