quinta-feira, setembro 25

POVOADO IPUEIRA – A ORIGEM DE SEU NOME

 

Por Etevaldo Amorim

 

O povoado Ipueira, Pão de Açúcar-AL


Onde você mora? Para onde você vai?

– Moro nas Impueiras. Vou para as Impueiras – diz a maioria das pessoas referindo-se ao nosso simpático povoado, que tem experimentado notável crescimento nos últimos anos.

Isso é fruto do linguajar corriqueiro, que perdura a ponto de se acreditar como correto. Entretanto, a bem da boa prática do nosso idioma, faz-se necessário dizer que a grafia correta é IPUEIRA que, em tupi-guarani, significa “lugar raso onde a água se acumula” ou "rio que já correu".

Etimologicamente, segundo o dicionário de Aurélio Buarque de Holanda, o nome IPUEIRA deriva de IPU, que significa “terreno úmido adjacente às montanhas, e que forma várzeas ou vales por onde corre a água que deriva das mesmas montanhas.

De fato, a um simples passar, notamos a existência de pequenas poças espalhadas pelo terreno que margeia a estrada, provavelmente originárias de nascentes existentes ao sopé da Serra do Meirus, ou mesmo de águas pluviais.

Já o nosso conterrâneo Antônio Xavier de Assis (O PRIMEIRO PÃO-DE-AÇUCARENSE A GOVERNAR ARACAJU), no seu Esboço Histórico e Geográfico do Baixo São Francisco, afirma que IPUEIRA vem de IPU = Terra ou pedra umedecida + EIRA = que foi, que existiu, etc... Assim: TERRA QUE FOI MOLHADA ou TERRA MOLHADA.

Vista aérea da região do Povoado Ipueira, vendo-se manchas escuras indicativas das ipueiras.


***   ***

Em diversas fontes pesquisadas, sobretudo nas mais antigas, não encontramos qualquer menção a “Impueiras”, ao passo que na busca por “ipueira”, seja como a denominação do próprio lugar, seja pela associação a água, fomos exitosos.

Vejamos essa nota publicada no jornal O Paulo Afonso, que se editava em Pão de Açúcar, de propriedade de Achilles Balbino de Leles Mello, edição de 27 de julho de 1879, assinada por alguém residente em Meirus (então chamado Campo Alegre do Pão de Açúcar):

“A PEDIDO. Ao Sr. Dr. Chefe de Polícia e às autoridades policiais deste Termo.

Denunciamos às autoridades competentes a permanência de um soldado desertor que existe no sítio Ipueira, deste Termo, homem que arroga a si os “feros” de valentão e que vive de cortar madeiras em terras alheias, propalando lançar mão do bacamarte contra qualquer dono de terras que quiser preteri-lo desse “ilícito” meio de vida.

Este soldado chama-se Manoel é e filho de Thelésphoro Pinto.

Para garantia da propriedade alheia, chamamos a atenção das referidas autoridades, a quem pedimos providenciem com a captura desse “valentão”.

Campo Alegre do Pão de Açúcar, 18 de julho de 1879.

Alguns prejudicados.”

___

Outra citação de IPUEIRA encontramos em uma bela crônica de Mário Wanderley, publicada no jornal A PYRAUSTA, que se publicava em Maceió e que tinha como Redator-Proprietário o nosso conterrâneo Moreno Brandão, na edição de 23 de maio de 1917. Bastaria citar os parágrafos em que aparece a palavra em questão, mas preferimos transcrever toda a crônica, que muito merece pela beleza da sua construção:

 

“RESSURREIÇÃO. À roda das cacimbas, as mulheres curvavam a cabeça, tirando a água barrenta, em baldadas ligeiras: as suas figuras robustas retremiam, espalhadas dentro do bojo irregular, desenhadas sobre o líquido ondeante. Era uma pequena cisterna, simples ipueira de sertão, cavada entre dois barrancos, no meio da ravina.

A água brotava de dentro das rochas calcáreas, escorridas de todos os terrenos elevados; e ali, estagnada, formava, como uma lagoa feliz, um milagroso, perene olho d’água duma umidade sadia, refrescadora. Em volta, em um circuito de muitas léguas, córregos não murmuravam, arrastando-se sobre solos arenosos, porque era toda uma região devastada por queimadas completas, ciliciadas brutalmente pelas sequidões contínuas.

Cá, a ipueira, no baixo fresco – era um doloroso pomo de discórdia entre os habitantes; estes disputavam-lhe a posse como a relíquia mais preciosa. Se lhe não conhecia bem ao certo a sua origem, a sua propriedade; servia, porém, de utilidade a todo o povo...

... E, nessa feita, a vasilha da mulher do Zé Matheus resvalara sobre uma outra; enrolaram-se os cordovões, e num lufa-lufa frenético, as suas donas puseram-se a puxá-las. O sangue lhes vinha, com aqueles esforços musculares, subindo à cabeça; e, afinal, as mãos, na destreza da movimentação, tocaram-se.

Ao contado das carnes inimigas, rebentaram todos os seus ódios animais de campônias; e procuraram-se, apertavam-se em abraços brutais, agarradas num amplexo violento, de dentes cerrados. Baquearam, rolando sobre a relva; e surgiram, então, da rouparia descomposta, de ambas, apontadas fora – as pernas desnudas, os seios protuberantes, dentre os rasgões das camisas, com os órgãos à mostra, em posições torpes, obscenas, imorais...

As mulheres, assim, tinham principiado a tragédia. As famílias inimizaram-se; e zuniam, nos ares, ao entorno, injúrias indecentes, pragas sacrílegas, juras duma vingança tremenda.

O verão que começara aberto num céu claro, límpido, sem o riso dum cúmulus – ameaçava-os agora como o terror dum próximo incêndio. Os ares incandescentes devoravam a umidade vegetal dissolvida na contextura das folhas, e secaram, alfim, todas as árvores da pairagem.

Mas a lagoa, a cacimba milagrosa, no meio da ravina, ainda estendia, no fundo, a sua nata esbranquiçada d’águas. E nela, ainda assim, lavavam toda a alimária doméstica, a roupa enegrecida pelo suor animal; e bebiam-na em golos voluptuosos. Mas esse conforto à sede profunda, cruel, devorante de toda vitalidade, desde a briga das mulheres do Ferreira e do Matheus – era um precipício para as famílias. E, temendo um encontro fatal – iam para ele, às escondidas. Terminado o serviço, volviam à casa, enquanto os adversários espreitavam um canto vazio, todos impacientes.

A água foi, alfim de tanta procura, escasseando pouco a pouco; a lagoa, no fundo da cisterna, ia moribunda, minguando a sua linfa penetrante, sob os bochornos[i] destruidores. A água ajuntava-se lentamente, as gotas escorriam de dentro das estalactites, atraídas para o bojo, pela gravidade; e, reunidas, molhavam, apenas, em poucos palmos, a redoma alagada, com um líquido esbranquiçado, fino. E quando levavam os cocharros[ii] cheios d’água o chão ficava vazio, rente às pedras donde a umidade salvadora ressurgia, apenas em porejos gotejantes, do vente escuro da terra...

Tão escassa ficou que levavam horas a fio para ajuntar um balde. Com essa demora, o despeito surgia mais profundo, mais irritante. Quando o Matheus aguardava o líquido precioso que vinha andando pelos mistérios negros do solo – o Ferreira, necessitado da água vivificadora – esperava-o, de longe, roído por u ódio nervoso. Convencia-o, a sua raiva de carnívoro, que aquela demora era um propósito, uma vingança torturante – uma funda irritação à sua paciência humana. E quando o Matheus voltava com a vasilha cheia, sacudia o seu corpo de magro, num galope ligeiro, e apossava-se da fonte providencial. Achava-a, então, vazia. Cavava-a; mas a corrente d’água não surgia: descera mais fundo pelo solo a dentro, encolhida ante a atmosfera absorvente...

Depois dum escurecer, o Ferreira que quase o dia todo aguardava a minação das águas, ainda a esperava, já noite feita. E na sua casa, o Zé impacientava-se: precisava d’água para lavar o cavalo, suado e magro, para o uso doméstico, e mais ainda, para lhe saciar a sede, que se lhe revolvia no estômago como uma chama destruidora. Era uma tortura que chegava; e, lá no cacimbeiro, o inimigo, o rival venturoso, fazia-o, como uma demora caprichosa – sofre um tormento inútil. O insulto casava-se à sua necessidade: o ódio crescia de ambas as partes como uma planta venenosa, enraizada em duas esterqueiras...

Mas, apesar da longa espera, a água nesse dia trágico não provinha da terra. A família do Matheus vinha, às vezes, olhar ansiosa para a cacimba seca, para aquela pequena lagoa morta; e iam-se, ficando o Matheus de atalaia, para que ninguém lhe roubasse o privilégio das primeiras águas.

... O Ferreira não se conteve mais: e se foi esgueirando dentro da sombra para a ipueira vazia. E curvado sobre ela, o Zé olhava para o bojo exsicado, esperando um reflexo d’água à claridade das estrelas. O outro divisava-o, irritado com aquele abuso, aquele insulto pavoroso. De mando, achegou-se, e desembainhando a faca, segura, movido por uma febre epilética, caiu como um louco sobre o adversário e, à traição, esfaqueou-o brutalmente. O sangue gotejando das feridas, caía sobre o bojo da ipueira, encharcava-se ali; e formava uma poça vermelha.

O ferido, num último esforço, arrastou-se uns passos e gritou doridamente pela mulher. As estrelas sobre ele faiscavam vivamente; e, no seu delírio derradeiro, tomavam aos seus olhos agônicos – a estranha visão de fontes milagrosas que se alongavam para a terra como um conforto beatífico, à toda a sua sede torturante. E era uma catadupa luminosa que se abria lá do alto, e o inundava, e o envolvia com uma doçura fresca de carinho.

A mulher dele, ouvindo-o gritar, veio para a cacimba. Seria, com certeza, a água que aparecera, espoucada pela frescura da noite, e o grito, um brado de triunfo!

Não o vendo, mergulhou as mãos na lagoa, apalpando-a e achando-as molhadas, gritou:

- Água! Água!

E o grito da ressurreição do líquido soberano, alargou-se pela noite afora como uma onda triunfal:

- Água! Água!

O entusiasmo renascia para tudo, e com ele – o consolo, a alegria sensual para a carne, para os órgãos, para a boca! ...Com as mãos molhadas, sem enxergar na sua expansão alegre o cadáver do marido, sacrificado a esse eterno culto do Elemento Divinal – correu para casa, anunciando a dota a gente – a ressurreição da matéria líquida, da água bendita que é o vinho, que é o perfume da seiva universal, que é o próprio sangue – eterna eucaristia nutridora da vida.”  (Mário Wanderley)[iii]



[i] 1. Vento abafadiço e insalubre. 2. Calor sufocante somado a alta umidade e nebulosidade que ocorre geralmente no verão.

[ii] Do castelhano cocharro, «vaso ou taça de madeira ou de pedra».

[iii] Mário Wanderley Rodrigues da Costa, conhecido por  Mário da Costa Wanderley ou “Mário dos Wanderley”, nasceu em União dos Palmares - AL em 11/11/1893 e faleceu em São Paulo - SP em 24 de setembro de 1949. Filho de Francisco Isidoro Rodrigues da Costa e de Maria de Albuquerque Lins. Advogado formado pela Faculdade do Recife, em 1913. Advogou em Alagoas e em São Paulo. Membro fundador da AAL, sendo o primeiro ocupante da cadeira 32.  Patrono da cadeira 33 do IHGAL.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A POESIA DE PÃO DE AÇÚCAR



PÃO DE AÇÚCAR


Marcus Vinícius*


Meu mundo bom

De mandacarus

E Xique-xiques;

Minha distante carícia

Onde o São Francisco

Provoca sempre

Uma mensagem de saudade.


Jaciobá,

De Manoel Rego, a exponência;

De Bráulio Cavalcante, o mártir;

De Nezinho (o Cego), a música.


Jaciobá,

Da poesia romântica

De Vinícius Ligianus;

Da parnasiana de Bem Gum.


Jaciobá,

Das regências dos maestros

Abílio e Nozinho.


Pão de Açúcar,

Vejo o exagero do violão

De Adail Simas;

Vejo acordes tão belos

De Paulo Alves e Zequinha.

O cavaquinho harmonioso

De João de Santa,

Que beleza!

O pandeiro inquieto

De Zé Negão

Naquele rítmo de extasiar;

Saudade infinita

De Agobar Feitosa

(não é bom lembrar...)


Pão de Açúcar

Dos emigrantes

Roberto Alvim,

Eraldo Lacet,

Zé Amaral...

Verdadeiros jaciobenses.

E mais:

As peixadas de Evenus Luz,

Aquele que tem a “estrela”

Sem conhecê-la.


Pão de Açúcar

Dos que saíram:

Zaluar Santana,

Américo Castro,

Darras Nóia,

Manoel Passinha.


Pão de Açúcar

Dos que ficaram:

Luizinho Machado

(a educação personificada)

E João Lisboa

(do Cristo Redentor)

A grandiosa jóia.


Pão de Açúcar,

Meu mundo distante

De Cáctus

E águas santas.

______________

Marcus Vinícius Maciel Mendonça(Ícaro)

(*) Pão de Açúcar(AL), 14.02.1937

(+) Maceió (AL), 07.05.1976

Publicado no livro: Pão de Açúcar, cem anos de poesia.


*****


PÃO DE AÇÚCAR


Dorme, cidade branca, silenciosa e triste.

Dum balcão de janela eu velo o seu dormir.

Nas tuas ermas ruas somente o pó existe,

O pó que o vendaval deixou no chão cair.


Dorme, cidade branca, do céu a lua assiste

O teu profundo sono num divino sorrir.

Só de silêncio e sonhos o teu viver consiste,

Sob um manto de estrelas trêmulas a luzir.


Assim, amortecida, tú guardas teus mistérios.

Teus jardins se parecem com vastos cemitérios

Por onde as brisas passam em brando sussurrar.


Aqui e ali tu tens um alto campanário,

Que dá maior relevo ao pálido cenário

Do teu calmo dormir em noite de luar.

____

Ben Gum, pseudônimo de José Mendes

Guimarães - Zequinha Guimarães.






PUBLICAÇÕES

PUBLICAÇÕES
Pão de Açúcar, Cem Anos de Poesia